No “Rancho de Ano Novo”, não há nada que nos faça demorar

O genial protesto de Capinam e Edu Lobo | Jornal Ação Popular

Capinam, Marília Medalha e Edu Lobo

Paulo Peres
Poemas & Canções

O médico, publicitário, poeta e letrista baiano José Carlos Capinan, na letra de “Rancho de Ano Novo”, em parceria com Edu Lobo, fala da tristeza da separação de um grande amor com a despedida na chegada do novo ano. A música faz parte do LP Gracinha Leporace, lançado em 1968 pela Philips.

RANCHO DE ANO NOVO
Edu Lobo e Capinan

Meu amor abriu em prantos
debaixo de uma palmeira
Ano Novo vi entrando
vi o rancho na ladeira
Mestre João vinha na frente
levando a sua gente
numa estrada, a madrugada
que demora a vida inteira

No sopro do seu clarim
vinha vindo a madrugada
a pastora Mariana
dava voltas de ciranda
lá vem dona Juliana
carregada de jasmim
de Joana são as tranças
e o amor que levou fim

Lancha nova está no porto, ô.ô
meu amor abriu em prantos, ô.ô
na entrada do Ano-Novo
vou voltar pra te buscar
lá se foi a lancha nova
que do céu caiu no mar

Joana não é nada
Juliana eu vou e juro
não há nada nesse mundo
que me faça demorar
lá se foi a lancha nova
que do céu caiu no mundo
faz um ano, Mariana
que eu não paro de chorar          

  Um soneto muito original, bem no estilo poético de Carlos Pena Filho

O quanto perco em luz conquisto em... Carlos Pena Filho. - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta pernambucano Carlos Pena Filho (1929-1960), poeticamente, através o visual de uma planície, onde estão um passarinho, uma mulher e um homem, pinta um “Retrato Campestre”.

RETRATO CAMPESTRE
Carlos Pena Filho

Havia na planície um passarinho,
um pé de milho e uma mulher sentada.
E era só. Nenhum deles tinha nada
com o homem deitado no caminho.

O vento veio e pôs em desalinho
a cabeleira da mulher sentada
e despertou o homem lá na estrada
e fez canto nascer no passarinho.

O homem levantou-se e veio, olhando
a cabeleira da mulher voando
na calma da planície desolada.

Mas logo regressou ao seu caminho
deixando atrás um quieto passarinho,
um pé de milho e uma mulher sentada

Um paraíso de campos e montes, com canções e flores, para agradar sua amada

Zé Geraldo e convidados na gravação de seu segundo DVD

Zé Geraldo, um grande cantor mineiro

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor mineiro José Geraldo Juste, na letra “Canções e Flores”, trouxe belas figuras poéticas para ornamentar sua saudade e, consequentemente, a sua volta aos braços da amada.  Essa música foi gravada por Zé Geraldo no LP No Arco da Porta de Um Dia, em 1986, pela Arca. 

CANÇÕES E FLORES
Zé Geraldo

De mel é o sabor das lembranças
trazidas de minhas andanças
pra enfeitar sua saudade
Eu trouxe canções e flores
e um paraíso de cores
pra pintar sua cidade

Eu venho de campos e montes
e trouxe o cantar da fonte
pra dentro de sua janela
Noites de lua cheia
meu peito incendeia
pela moça mais bela

O que me prendeu por aqui
foi seu sorriso franco
e esse doce no olhar
Eu vim pra demorar bem pouco menina
agora eu quero ficar

É preciso lutar contra a lavagem cerebral que substituiu Cristo por Papai Noel

Menino de rua com seus presentes de natal. | ...Natal fica t… | Flickr

Menino de rua improvisando seus presentes de Natal

Carlos Newton

O advogado, jornalista, analista judiciário aposentado do Tribunal de Justiça (RJ), compositor, letrista e poeta carioca Paulo Roberto Peres inspirou-se no Natal para escrever estes três poemas, que eu adoro.

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PAPAI NOEL

A lavagem cerebral
Do governo mundial
Substitui no Natal
Cristo por Papai Noel.

Comanda inverso papel
De renas puxando trenó
Sobre a neve brasileira
Qual estórias da vovó.

Papai Noel na trincheira
Do capitalismo selvagem
Ilude com sua imagem
O cotidiano da criança.

Seja criança rica, seja criança pobre
Traz um sonho sempre nobre
Que Papai Noel não atenua
Quando é criança de rua.

Criança que dorme nos braços da lua,
Nos bancos das praças ou sob marquises
Com fome, com frio, do crime aprendizes,
Eivadas de medo, de drogas, de suicidas
Estatísticas nas elites esquecidas.

Crianças “crianças” nas brincadeiras,
Nas fantasias aventureiras
Do brinquedo improvisar
Esperando o Natal chegar.

O Papai Noel, como princípio,
Cujo enfeite sempre foi visto,
No lixo joguei.

Armei um humilde presépio
E na bênção de Jesus Cristo
O Natal festejarei!..

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PARABÉNS, JESUS CRISTO!

Parabéns, Jesus Cristo,
Hoje é o seu aniversário!
Estamos felizes,
Embora façamos do cotidiano
Um Natal de sua sabedoria,
Pois os seus dogmas
São a Lei maior deste Universo.

Todavia, neste dia, especialmente,
Queremos presenteá-lo
Através de orações,
De canções e de reflexões.
Mestre, faça sua festa
Em nossos corações,
Abençoe e ilumine esta noite,
Onde o vinho, o pão e a fé
Sejam uma dádiva
Aos famintos e injustiçados.

Sinto-me gratificado
Em fazer do seu aniversário
O maior acontecimento da História
E nele desejar a todos
Um Feliz Natal!

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POEMA DE NATAL

Amigo,
como é gratificante
saber que você existe
e temos os mesmos ideais,
mormente, no que concerne ao
Natal,
dia este, onde cada pessoa
seja ela religiosa ou não,
em qualquer lugar do mundo,
tem que parar, tem que pensar,
tem que se curvar pelo
menos um segundo e festejar
o nascimento de
Jesus Cristo,
pois haverá sempre
alguém desejando um
Feliz Natal
e, não importa de que
maneira isto é feito,
importa sim
o seu significado
e a marca registrada
da presença eterna do
Messias
em cada Ser Humano!

No coração do povo, começa hoje a Folia de Reis, celebrando o Menino Jesus

Espetáculo de Folia de Reis será apresentado de graça em Catanduva | São  José do Rio Preto e Araçatuba | G1

Os reis magos são os personagens principais da Folia de Reis

Carlos Newton

Os poetas cariocas Paulo Peres e Chico Pereira escreveram este poema em parceria, inspirados no Natal do folclore brasileiro, mas precisamente, na Folia de Reis, que se inicia na noite de 24 de dezembro e se estende até 6 de janeiro, com a Festa de Reis. O poema foi musicado por Amarildo Silva.

FÉ E CANTORIA
Amarildo Silva, Paulo Peres e Chico Pereira

Somos três Reis à sua porta
pedindo licença para entrar
Nossa visita importa
o nascimento louvar
do Mestre Menino-Deus
através desta folia
dogmas cristãos meus
feitos de fé e cantoria

De longe escuto o teu tambor
uma luz forte anuncia o Salvador
o estandarte vem na frente
guiados pela estrela do Oriente
Mão calejada, pé-rachado
e a voz que sai esgoelada
Rei Herodes se disfarça de palhaço
Abro a porta, janela enfeitada
Uma oração singela é ofertada

O mestre, a farda, ladainha
oração, chegada e despedida
Baltazar, Belchior e Gaspar,
reis da Folia.
Nossa casa é uma casa de alegria

E gostaríamos de agradecer
através desta folia
aos santos Reis Magos
por não deixarem esmorecer
a caminhada até Jesus
pela fé no menino Jesus…

Nossa casa é uma casa de alegria
sempre aberta para esta folia
oração, fé e cantoria.

Nascimento de Cristo é um dos temas favoritos na visão mágica dos pintores

Pintura “Adoração dos Pastores”, de El Greco

Paulo Peres

Na iconografia cristã, os grandes mestres da pintura sempre deram relevada importância em registrar com talento, criatividade e interpretações diversas, o episódio da Natividade (o nascimento de Cristo) com seus personagens – a Virgem Maria, São José, o Menino Jesus, os animais, os pastores e os Reis Magos.

Essas imagens, um dos temas mais comuns na arte cristã, mormente na Idade Média e no Renascimento, estão sempre impregnadas de símbolos, como ressaltam Emile Male e seu discípulo Louis Réau, em livros iconográficos que decodificam a poética dos artistas.

MUITAS VARIAÇÕES – A Virgem, o Menino Jesus e São José, personagens principais do ato passado na estrebaria, o Nascimento de Cristo, conforme a época e os pintores, a cena, bastante conhecida, sofre variações de um para outro artista. No Retábulo Portinari, do flamengo Reoger der Weuden, ou na Natividade, do alemão Hans Baldung, há uma inovação: a do Menino iluminado, adorado por seus pais e os pastores.

“Do corpo do pequeno Cristo irradia intensa luz que ilumina a face extasiada dos personagens”, diz Emile Male. “Não é apenas um menino comum, que jaz no chão ou na manjedoura, reverenciado por Reis Magos e Pastores, olhado e farejado com certa indiferença por dois animais principais: o asno e o boi”.

Neste painel, outros seres ainda podem ser acrescentados, como na pintura da brasileira Rosina Becker do Vale: pavões, leões, corujas, borboletas, além de anjos cantores. “E com tal fidelidade são estes seres representativos do Renascimento que, na Natividade de Piero Della Francesca, identificam-se as palavras do canto gregoriano que pronunciam pelo formato de suas bocas”, afirma Emile Male.

CARÁTER SIMBÓLICO – Os livros iconógrafos relatam que tudo na arte cristão medieval possui caráter simbólico, testemunhos da divindade de Cristo e das mensagens do Novo Testamento. E, por isso, existe um verdadeiro zoológico nos quadros primitivos flamengos, nos renascentistas e no de alemães e espanhóis.

Segundo os especialistas, as fontes dos animais no presépio vieram, principalmente, da Bíblia, dos Salmos e da Lenda Dourada, a hagiografia dos santos (história dos santos) tão consultada pelos artistas da Idade Média. Nelas os animais não são classificados por espécies, família e gênero, como fez Carlos Lineu, no início do século XVIII, e sim por suas virtudes ou malefícios morais.

“Na Idade Média”, diz Emile Male, “tudo é signo e o visível só vale porque esconde o invisível. Logo, temos o significado de alguns animais que sempre aparecem em quadros de mestres que pintaram o tema Natividade”.

OS SIGNIFICADOS – O Cordeiro (Agnus Dei), por sua mansidão ante a morte inevitável, geralmente, simboliza Cristo e seu sacrifício pela humanidade, sobretudo quando aparece imóvel, salienta Emile Male.

“Mas também pode significar a Ressurreição do Cristo. Todavia, devemos nos lembrar que Ele não simboliza, exclusivamente, a imagem de Jesus imolado ou ressuscitado. Ele pode ser o símbolo místico do Apocalipse que se aproxima, ou a inocência dos santos”.

O asno e o boi são animais inevitáveis em todas as Natividades. O asno, que mais tarde ajudará a Sagrada Família a fugir para o Egito, na iconografia do Natal tem vários significados. Humilde o doce, ele era chamado “o cavalo do pobre” e tem sempre um papel simpático na Bíblia. Na gruta natalina, ele esquenta com seu hálito o Menino Jesus na manjedoura.

PAPEL HUMILDE – Já o boi tem um papel humilde de Natalidade. Seu hálito também ajuda a acalentar o Menino na noite de inverno natalino. Ele, iconograficamente, simboliza ainda o sacrifício de Jesus, assimila a ideia de reprodução humana e é a vítima nos sacrifícios religiosos. Por isso, o boi não tinha boa reputação na Bíblia, que condenava o sacrifício dos animais aos deuses.

Os cavalos dos Reis Magos, ricamente adornados, significam a riqueza do mundo em comparação à do Filho de Deus, explica Emile Male. “A este bestiário luxuoso, vários artistas como Ticiano, Rubens e Veronese, acresceram outros animais simbólicos: pomba, pavão, cervo, galo e leão, além dos anjos que evoluem como símbolos da pureza velando pela Sagrada Família”.

A pomba, símbolo da paz que reinará um dia sobre a humanidade após o Juízo Final, foi a emissária da Anunciação e do término do Dilúvio Universal. “Signo do Espírito Santo, da alma do penitente purificada pela morte, ela se opõe ao negro corvo, encarnação do Diabo. A pomba também simboliza a Igreja nascida no Pentecostes”, sustenta Emile Male.

OUTROS ANIMAIS – O cervo, segundo o Salmo 41, após beber no regato, brame pela presença do Messias. Ele é também o matador da serpente tentadora. Já o pavão de caudas é reverenciado pelos cristãos primitivos como símbolo da redenção e da vigilância contra o pecado. Mas em pintura, era também um animal que permitia vivas combinações de cores”, constata Emile Male.

O galo não significa apenas o símbolo da regeneração e do remorso de São Pedro, é também a imagem de Cristo que, no terceiro dia, ressurgiu das trevas para a Ressureição. Seu canto matinal não apenas acorda o homem para o trabalho, mas serve para lembrá-lo que mais um dia passou e a morte se aproxima.

E o leão, símbolo da coragem e da força, paradoxalmente, significa também a sepultura, onde um dia os restos mortais irão repousar. Além desses símbolos iconográficos da Natividade, outros foram adotados para significarem o bem ou o mal. “Na Idade Média e, desde a Arte Cristã Primitiva, o importante das imagens não eram suas qualidades físicas, mas seu conceito metafísico, pois a metafísica, no mundo medieval, era a única filosofia que explicava o Universo”, afirma Male.

Ivan Lins e Celso Viáfora imaginaram um Papai Noel brasileiro, de camiseta

Música do Brasil: ♫Papai Noel de camiseta♫

Ilustração do Ivan Jerônimo (Arquivo Google)

2Paulo Peres
Poemas & Canções

O arranjador, cantor e compositor paulista Celso Viáfora, na letra de “Papai Noel de Camiseta”, soltou a imaginação para retratar uma realidade que para muita gente não existe. A música foi gravada por Ivan Lins no CD Um Novo Tempo, em 1999, pela Abril Music.

PAPAI NOEL DE CAMISETA
Ivan Lins e Celso Viáfora

Noel irá chegar de camiseta
metido num chinelo e de bermuda jeans
tocando agogô invés de uma sineta
cantando do xará o “Palpite Infeliz”
então, será Natal
A noite vai ser mais feliz

Estenderá uma toalha na sarjeta
em qualquer praça de subúrbio do País
trará cachaça, arroz, feijão, a malagueta
doce de leite, balas de goma e quindins
aí será Natal
A noite vai ser mais feliz

E surgirão blocos mirins
de suas camas de jornal
e drag queens
os reis magros do carnaval
de pé no chão
os solitários da paixão
um tamborim
alguém trará um violão
um bandolim
e a multidão vai sambar com a batida dos sinos

Ali no morro nascerá mais um menino
e, no primeiro sol, virão os bentevis
Num dia de Natal, a gente pode ser feliz

Um menino chamado Manuel Bandeira, que sonhava ganhar presentes no Natal

Eu gosto de delicadeza. Seja nos gestos,... Manuel Bandeira - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

Nascido em Recife, o crítico literário e de arte, professor de literatura, tradutor e poeta Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968), conhecido como Manuel Bandeira, no poema “Versos de Natal”, evoca a passagem do tempo numa dimensão metafísica, em que o adulto ainda permanece menino.

VERSOS DE NATAL
Manuel Bandeira

Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

Um soneto de Machado de Assis indagava: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”

Frases de Machado de Assis... - Frases de Machado de AssisPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, crítico literário, dramaturgo, folhetinista, romancista, contista, cronista e poeta carioca Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), no “Soneto de Natal”, faz uma reflexão sobre o ato de criação artística.

SONETO DE NATAL
Machado de Assis

Um homem – era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno –
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações de sua idade antiga
Naquela mesma velha noite amiga
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

João Cabral de Melo Neto e o simbolismo do reinício da vida em todo Natal

ImagemPaulo Peres
Poemas & Canções

 O diplomata e poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999), no poema “Cartão de Natal”, mostra o simbolismo do reinício da vida que todo Natal propicia.

CARTÃO DE NATAL
João Cabral de Melo Neto

Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de voo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
Que desta vez não perca este caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem,
o sim comer o não.

No caminho do trabalho, Bastos Tigre consulta a razão e tem uma surpresa

Veredas da Língua: Bastos Tigre – Poemas | Poemas, Citações, PensamentosPaulo Peres
Poemas & Canções

O engenheiro, publicitário, bibliotecário, humorista, jornalista, compositor e poeta pernambucano Manoel Bastos Tigre (1882-1957), no poema “Voz Interior”, depois de tanto filosofar, encontra a resposta para o seu questionamento. Detalhe: Bastos Tigre era autor dos mais criativos anúncios afixados no interior dos bondes, principal meio de transporte de sua época, inclusive os versos que transformaram o xarope Rhum Creosotado num campeão de vendas: ”Veja, ilustre passageiro/ O belo tipo faceiro/ Que o senhor tem ao seu lado./ E, no entanto, acredite,/ Quase morreu de bronquite./ Salvou-o o Rhum Creosotado!“.

VOZ INTERIOR
Bastos Tigre

Quem sou eu? De onde venho e onde acaso me leva
O Destino fatal que os meus passos conduz?
Ora sigo, a tatear, mergulhado na treva,
Ou tateio, indeciso, ofuscado de luz. 
Grão, no campo da Vida, onde a morte se ceva?
Semente que apodrece e não se reproduz?
De onde vim? Da monera? Ou vim do beijo de Eva?
E aonde vou, gemendo, a sangrar os pés nus?
Nessa esfinge da Vida a verdade se esconde;
O espírito concentro e consulto a razão,
E uma voz interior, sincera, me responde:
– Quem és tu? Operário honesto da nação.
De onde é que vens? De casa. Onde é que estais? No bonde.
Para onde vais? Não vês? Para a repartição.

Uma canção que faz um alerta para a necessidade de preservar o Pantanal

Cantor Paulo Simões leva nova turnê "Sonhos Guaranis" para três cidades de  MS - A Crítica de Campo Grande

Simões, grande compositor pantaneiro

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor carioca Paulo Simões mora em Campo Grande, MS, onde passou parte da adolescência descobrindo amigos e futuros parceiros, como os irmãos Geraldo e Celito Espíndola, Geraldo Roca e Almir Sater. Devido a isso, Paulo Simões consegue ter sentimentos iguais a quem nasce no Pantanal.

INTERIOR
Celito Espíndola e Paulo Simões

Coração de quem nasceu no interior
Sente paixão igual, seja peão, seja doutor
Solidão ninguém viveu superior
E nem foi tão real, quanto esse chão
Quanto essa dor

A fazer nossa pior ferida
Penas da própria vida
Alvo de um caçador

Pra render a violência vã
Foi minha mente sã
Que me fez um cantor

Coração de quem nasceu no interior
Sente paixão igual, seja peão, seja doutor
Solidão ninguém viveu superior
E nem foi tão real, quanto esse chão
Quando essa dor

De saber que o futuro vem
Trocar o que se tem
Por um outro valor

De temer que o progresso quer
Deixar em todo verde
Seu sinal detrator

Um desesperado soneto de amor, nos versos de Aurélio Buarque de Holanda

Reprodução do Espaço Educar

Paulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário, lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor e ensaísta alagoano Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989) também usou as palavras para nos brindar com este belo soneto “Amar-te”.

AMAR-TE
Aurélio Buarque de Holanda

Amar-te – não por gozo da vaidade,
Não movido de orgulho ou de ambição,
Não à procura da felicidade,
Não por divertimento à solidão.

Amar-te – não por tua mocidade
– Risos, cores e luzes de verão –
E menos por fugir à ociosidade,
Como exercício para o coração.

Amar-te por amar-te: sem agora,
Sem amanhã, sem ontem, sem mesquinha
Esperança de amor, sem causa ou rumo.

Trazer-te incorporada vida fora,
Carne de minha carne, filha minha,
Viver do fogo em que ardo e me consumo

Papai Noel é sempre um bom velhinho (especialmente no mundo dos negócios)

Papai Noel e a infância perdida | Charges | O Liberal

Charge do João Bosco (O Liberal)

Paulo Peres

Apesar de estarmos vivendo uma crise econômica gigantesca, onde o desemprego, a miséria e a violência em todos os sentidos são incentivadas pelas elites políticas e administrativas do país, que não se preocupam com as desigualdades sociais, nesta conjuntura a figura de Papai Noel ainda é destaque para quem ainda está empregado.

A classe média brasileira, geralmente, gasta 50% do valor que recebe do 13º salário com o pagamento de dívidas, mas vai às compras atendendo ao apelo do Papai Noel, um velhinho bonachão apenas para o comércio.

BOM VELHINHO – A chegada de Papai Noel na noite de Natal é esperada com ansiedade por crianças em todo o mundo, embora o mito do “bom velhinho” carregue outras versões em nada carismáticas ou bondosas, como revela Roland Barthers em seu livro “Mitologias”, que se ocupa com uma análise semiológica das mensagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa.

Segundo o livro, Papai Noel funciona como imagem reparadora da sociedade. É um momento em que a sociedade se livra de sua culpa, através do presente e da imagem idealizadora do “bom velhinho”, do pai e do mundo adulto, pois a sociedade não aceita que se possa ter um lado bom e outro mau.

Papai Noel surge, neste aspecto, como um personagem apenas bom e com ele a sociedade se redime. Isso passa para a criança, que é impedida de expressar o seu lado agressivo (mau).

NOEL REPRESSOR – A imagem da infância é feita de formulações ideais de bondade e inocência, afirmam os psicólogos, que veem assim, um comportamento repressor do Papai Noel, na medida em que o presente, na verdade, é uma troca. Só recebe presente que se comporta bem, uma maneira do pai esconder a repressão que ele exerce sobre o filho.

A ideia de que Papai Noel teve origem como sucessor de São Nicolau ou São Klaus pode ter sido o início do hábito de dar presentes na Alemanha, não é muito aceita pelos psicólogos.

“Na versão de Walt Disney para Papai Noel, nota-se que ele confecciona brinquedos numa fábrica em que os anões são artesãos e há, naturalmente, um artesão-chefe. Logo, Papai Noel procura ocultar o caráter de produção coletiva da indústria”.

MITOS EUROPEUS – Para os psicólogos, Papai Noel, como se apresenta hoje, é uma construção moldada sobre fragmentos de mitos europeus. “Nessa construção encontramos, entre outros, o componente de humanização ,que é semelhante aos dos desenhos animados. Quer dizer, a figura do Papai Noel é acentuada pelos traços curvos, é engordada como acontece com os bichos”.

Na verdade, Papai Noel só existe como escamoteamento, porque o consumo continua sendo culpado, enquanto ele é o móvel inocentador desse consumo, pois absolve sua culpa. Por outro lado, ele é um dos muitos mitos do poder em sua imagem dadivosa.

Por isso, “ele é Papai Noel, um substituto do pai, porque é o pai quem realmente faz. Pai, em escala social, é a instituição. Logo, Papai Noel é uma imagem institucional”, do ponto de vista psicológico.

AUTOGRATIFICAÇÃO – Na análise psicanalítica, Papai Noel opera como elemento de frustração do superego e de resistência ao consumo. Ele frustra o superego do consumidor naquilo que este tem de crítica à gratificação.

Quer dizer, o anseio de gratificação pelo presente de Papai Noel, e este presente é uma autogratificação, sobretudo, quando se dá alguma coisa a um filho.

No Brasil, o incremento da propaganda do mito Papai Noel, a partir de 1930, associa-se à industrialização e ao acréscimo de dependência externa. Vale ressaltar que, na década de 30, em todo o mundo, Papai Noel assumiu a feição que tem hoje, esse caráter bonachão, no quadro de uma crise econômica duradoura, quando foi necessária a intervenção do Estado em todos os setores da economia (a política do New Deal reproduzida nos países europeus de diferentes formas).

FOLIA DE REIS – O Brasil, pelo processo de colonização, vinha desenvolvendo várias representações natalinas próprias, que se centravam nas Festas de Reis. Estas festas, apesar dos folguedos de representações religiosas de origem ibérica, eram de realização brasileira, um ritual que variava de região para região. Não havia no país unidade nacional para manter uma só representação.

Mas essas festas foram sendo esmagadas em função da sociedade de consumo, surgindo, então, a imagem definitiva e alienígena de Papai Noel, puxando seu trenó em pleno verão tropical.

O Natal (data do nascimento de Jesus Cristo) foi deturpado pelo mito Papai Noel, pois sua importância como instituição comercial na sociedade brasileira, sobretudo no processo de industrialização de bens de consumo, é notável. Mesmo porque uma boa parte dos brasileiros que vive ao nível de subsistência tem como único recurso de compra a gratificação do Natal.

“O que é meio, o que é fim, para viver no seu tempo?”, indaga o genial Paulo Vanzolini.

Paulo Emílio Vanzolini – ABC

Vanzolini, grande compositor e boêmio paulista

Paulo Peres
Poemas & Canções

O zoólogo e compositor paulista Paulo Emílio Vanzolini (1924-2013), na letra de “Tempo e Espaço”, viaja dentro de si próprio até encontrar sua amada. Esse samba faz parte do LP Paulo Vanzolini por ele mesmo lançado, em 1981, pela Eldorado.

TEMPO E ESPAÇO
Paulo Vanzolini

O tempo e o espaço eu confundo
A linha do mundo é uma reta fechada
Périplo, ciclo
Jornada de luz consumida e reencontrada
Não sei de quem visse o começo
Sequer reconheço
O que é meio, o que é fim
Pra viver no seu tempo
É que eu faço viagens no espaço
De dentro de mim
As conjunções improváveis
De órbitas estáveis
É que eu me mantenho
E venho arrimado nuns versos
Tropeçando universos
Pra achar-te no fim
Nesse tempo cansado de dentro de mim

“Upa upa, sobre o pampa e sobre o mar”, lá vem o Minuano, encantando o poeta…

Meyer, retratado por Portinary

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, folclorista, ensaísta e poeta gaúcho Augusto Meyer (1902-1970), descreve no poema “Minuano” este vento que vem de longe e traz todas as vozes, todas as dores e todas as raivas, em uma única voz, em uma única dor e em uma única raiva.

MINUANO
Augusto Meyer

Este vento faz pensar no campo, meus amigos,
Este vento vem de longe, vem do pampa e do céu.

Olá compadre, levante a poeira em corrupios,
Assobia e zune encanado na aba do chapéu.
Curvo, o chorão arrepia a grenha fofa,
Giram na dança de roda as folhas mortas
Chaminés botam fumaça horizontal ao sopro louro
E a vaia fina fura a frincha das portas.

Olá compadre, mais alto, mais alto!
As ondas roxas do rio rolando a espuma
Batem nas pedras da praia o tapa claro…
Esfarrapadas, nuvens nuvens galopeiam
No céu gelado, altura azul.

Este vento macho é um batismo de orgulho.
Quando passa lava a cara, enfuna o peito,
Varre a cidade onde eu nasci sobre a coxilha.
Não sou daqui, sou lá de fora…
Ouço o meu grito gritar na voz do vento:
– Mano Poeta, se enganche na minha garupa!

Comedor de horizontes, 
Meu compadre andarengo, entra!
Que bem me fez o teu galope de três dias
Quando se atufa zunindo na noite gelada…

Ó mano
Minuano
Upa upa
Na garupa!

Casuarinas cinamonos pinhais
Largo lamento gemido intenso, vento!
Minha infância tem a voz do vento virgem:
Ele ventava sobre o rancho onde morei.
Todas as vozes numa voz, todas as dores numa dor,
Todas as raivas na raiva do meu vento!

Que bem me faz! Mais alto, compadre!
Derrube a casa! Me leva junto! Eu quero o longe!
Não sou daqui, sou lá de fora, ouve o meu grito!
Eu sou o irmão das solidões sem sentido…
Upa upa sobre o pampa e sobre o mar…

A desesperada decepção amorosa nos versos mais íntimos de Augusto dos Anjos

Provo desta maneira ao mundo odiento... Augusto dos Anjos - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, professor e poeta paraíbano Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884-1914), no soneto “Versos Íntimos”, expressa um sentimento pessimista e de decepção com relação aos relacionamentos interpessoais.

VERSOS ÍNTIMOS
Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Uma canção inspirada no sertão de Guimarães Rosa e no tempo/destino

Peres, na gravação de uma de suas músicas

Carlos Newton

O advogado, jornalista, analista judiciário aposentado do Tribunal de Justiça (RJ), poeta, compositor e letrista carioca, Paulo Roberto Peres, inspirou-se na obra de Guimarães Rosa para fazer a letra de “Sinhá”, música gravada por Amarildo Silva no CD Virgem Sertão Roseano, em 2003, produção independente.

SINHÁ

Amarildo Silva e Paulo Peres

Carro de boi na saudade (estradão)
Sertão memória, Roseano traz
Quem sabe o tempo destino refaz:
Sinhá, fazenda, paixão….

Deixa infância meu sonho brincar
Numa cantiga ciranda dançar
Pois o sorriso da noite teceu
Um véu de estrelas no céu

Uma samba glorioso relata as vidas de João Nogueira e Paulo Sérgio Pinheiro 

João Nogueira e Paulo César Pinheiro - O Poder da Criação - Minha Missão -  YouTube

Nogueira e Pinheiro, gigantes do samba

 

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, compositor e poeta carioca Paulo César Francisco Pinheiro, na letra da música “Espelho”, em parceria com João Nogueira, retrata toda uma trajetória de vida, principalmente, no relacionamento com o pai e os sonhos de ser alguém. A música Espelho intitulou o LP gravado por João Nogueira, em 1977, pela Odeon.

ESPELHO
João Nogueira e Paulo César Pinheiro

Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo e dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz

Eh, vida boa
Quanto tempo faz
Que felicidade!
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai

Num dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que inda hoje faz
E eu me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás

Eh, vida à toa
Vai no tempo vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai

E assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia me tornei o bambambã da esquina
Em toda brincadeira, em briga, em namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
E assim sem perceber eu era adulto já

Eh, vida voa
Vai no tempo, vai
Ai, mas que saudade

Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar

Um estranho poema, que existe para não ser, na criatividade de Artur da Távola

O que volta depois de ter passado é... Artur da Távola - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

Artur da Távola era o pseudônimo do carioca Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros (1936-2008) que, além de advogado, jornalista, radialista, professor e político, era um excelente poeta, como podemos constatar no “Soneto Inascido”, em que ele aborda os estados e os sentidos que fazem o poema existir ainda antes de nascer.

SONETO INASCIDO
Artur da Távola

O poema subjaz.
Insiste sem existir
escapa durante a captura
vive do seu morrer.

O poema lateja.
É limbo, é limo,
imperfeição enfrentada,
pecado original.

O poema viceja no oculto
engendra-se em diluição
desfaz-se ao apetecer.

O poema poreja flor e adaga
e assassina o íncubo sentido.
Existe para não ser.