Cólicas políticas

Luiz Tito

Quem acompanha os programas ditos estratégicos de governos – não importa de que esfera, se federal, estadual ou municipal – e sai das regiões urbanas para o interior mais remoto dos Estados se choca com as gritantes ausência e desatenção desses mesmos projetos e com o frequente equívoco de seus mentores no entendimento à vida, às carências e às prioridades das populações que nesses espaços constroem suas vivências, trabalham, estudam, criam suas famílias.

O Brasil é imenso, Minas Gerais também, e a extensão continental do nosso país – e de alguns de nossos Estados, justiça seja feita – agrava nossas dificuldades de acerto na eleição de políticas públicas como instrumentos de gestão e de fomento. Tal equívoco está demonstrado no acentuado processo de migração interna, que todos os dias massifica a periferia das cidades, agigantando o passivo de nossas misérias e tornando a vida uma conquista cotidiana de sobrevivência.

O desaparelhamento da educação, a baixa oferta de recursos para a saúde, a falta de saneamento básico e um progressivo avanço da criminalidade constroem um estado de vergonha histórica que os governos tentam compensar com a concessão de bolsas e cotas, que amenizam mas não mudam a realidade de nossas diferenças. Busquemos como exemplo o norte de Minas, onde a presença da Sudene, em décadas passadas, abriu espaço para grandes projetos industriais e agrícolas, geradores de empregos, de riqueza, de flagrante transformação da realidade econômica e social de uma região condenada à miséria pelos agravos da natureza, marcantemente em um clima hostil e numa seca inclemente.

Paralelo ao Vale do Jequitinhonha, é no norte de Minas que estão as cidades mais desassistidas e, por isso, tornadas inviáveis, apenas lembradas no período das eleições porque é esse o único momento em que as pessoas têm igualdade na faculdade de eleger suas opções. Políticos, infelizmente na sua expressiva maioria, titulares de todo mandato e partido deveriam ter vergonha de sua criminosa omissão ou inércia, que os faz coadjuvantes desse teatro do faz-de-conta. E se não é por omissão ou inércia, é pela ação abusada, pela corrupção, pelo desrespeito, pelo insulto à dignidade humana.

Todas as cidades do Norte de Minas fazem seus pacientes mais carentes viajarem em ambulâncias, vans ou micro-ônibus para receber assistência médica ou tratamentos que, com investimentos primários, poderiam ser ministrados em suas próprias cidades de residência. Quem vê os prédios escolares dessa região vai considerá-los, no mínimo, repugnantes e sentirá pena de professores, funcionários e estudantes, que acreditam na educação como instrumento de transformação social.

Vencemos, como diz a propaganda do governo, a quinta olimpíada de matemática, mas, em muitas dessas escolas, não há banheiros, cozinhas e salas de aula decentes, destinando a seus alunos a educação que se pode produzir dessa conjugação de misérias. Transportes públicos, infraestrutura, segurança pública e Poder Judiciário disfuncional (há cidades com juízes e sem promotores, e vice-versa, ou comarcas que não têm juízes nem promotores) formam um legado de carências graves para a vida cidadã.

Não há setor da administração pública, nessa região, em qualquer esfera de poder, que possa admitir que sua população esteja decentemente atendida. Essa realidade é imoral e merece uma reação para que se produza uma transformação, com decência e esperança. (transcrito de O Tempo)

One thought on “Cólicas políticas

  1. KÁTIA ABREU (Folha)

    Apenas 20 anos
    O bem maior que a revolução agrícola brasileira realizou não foi na economia, mas na condição social do brasileiro

    Neste começo de 2014, uma pequena pausa nas vertigens do cotidiano me fez lembrar que está fazendo agora 20 anos que comecei minha vida sindical, lá em Gurupi, no interior do Tocantins. Foi impossível não me entregar às recordações e conectá-las com a vida presente, a minha vida, a agricultura e o Brasil.

    Quanta vida se passou entre um tempo e outro! Como as coisas mudaram e quantos sonhos se tornaram realidade.

    Em 1994, no começo atribulado da minha vida, decidi que, mais do que ser uma boa e bem-sucedida produtora rural, devia também doar uma boa parte de mim ao serviço da comunidade rural brasileira. Não alimentava nenhuma ambição política nem sonhava em sair dos humildes limites do meu sindicato rural e da minha cidade.

    Por uma circunstância do destino, há 20 anos eu comecei uma nova vida que segue até os dias atuais. Também o Brasil, nesse mesmo período, tornou-se um novo país, numa trajetória que prossegue até hoje, porque deixou de lado os preconceitos históricos e a compreensão equivocada dos processos econômicos.

    Na minha leitura desses 20 anos, pude perceber com mais clareza os efeitos da revolução agrícola brasileira sobre as novas configurações de nossa sociedade. Fala-se sempre, e eu também, dos avanços da produção e da produtividade do setor rural, da expansão de nossas exportações do agronegócio, da nossa participação no PIB e no emprego. Mas agricultura no Brasil foi principalmente progresso social.

    O bem maior que a revolução agrícola brasileira realizou não foi na economia, por maior que tenha sido. Foi na condição social dos brasileiros.

    Nenhum país desenvolvido chegou a essa situação antes que a agricultura nacional fosse capaz de alimentar a sua população a pre- ços baixos. E os numerosos países ainda pobres são aqueles em que a produção rural é insuficiente ou improdutiva.

    O Brasil é um dos únicos casos em que um país ainda relativamente não desenvolvido foi capaz de erguer uma agropecuária altamente desenvolvida, abundante e barata, capaz de alimentar toda a população e gerar grandes excedentes.

    Entre 1950 e 1979, os preços dos alimentos no Brasil cresceram sempre em torno de 10% acima das demais mercadorias. É fácil imaginar o efeito devastador de preços tão elevados na vida das famílias de baixa renda, em cujo orçamento a alimentação consome a maior parte. Isso significava uma enorme limitação ao mercado interno. Quando não resultava, por efeito da insuficiência alimentar, em mais mortalidade infantil, doenças crônicas e morte precoce da população adulta.

    Após a nossa revolução agrícola, as coisas se inverteram completamente. Entre o final dos anos 1970 e 2005, o custo no varejo de uma ampla cesta de alimentos, na cidade de São Paulo, caiu, em média, mais de 5% ao ano. Uma queda dessa dimensão, e por tanto tempo, só foi possível graças ao impressionante aumento da produtividade agrícola. A redução no custo da alimentação permitiu que todos as classes sociais se alimentassem adequadamente e essa é uma das causas da melhoria da saúde da população.

    O outro efeito foi liberar o poder de compra das classes de baixa renda para outros bens e serviços, proporcionando bem-estar e criando mercado doméstico para os demais setores da economia.

    Tudo isso somado, torna-se imperativo reconhecer que a revolução agrícola brasileira está na linha de frente dos fatores que diminuíram a desigualdade entre nós e promoveram a ascensão de grandes contingentes de brasileiros à classe média.

    Olhando hoje para trás, cresce em mim a certeza de que o Brasil tem os meios e a força para crescer e fazer justiça a todos os seus cidadãos. E cresce também a certeza de que a nossa luta pela defesa da agricultura e dos agricultores brasileiros é uma boa luta. Uma luta que tem tudo para dar sentido a uma vida.

    KÁTIA ABREU, 51, senadora (PMDB/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados nesta coluna.

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