Decreto do porte de arma que Bolsonaro baixou é ridiculamente inconstitucional

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Charge do cartunista português Vasco Gargalo

Jorge Béja

Em sua alocução-relâmpago na tarde desta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro, sempre com o seu feroz tom de voz e ritmo oratório como se estivesse se dirigindo a uma  tropa de comandados seus, comentou, superficialmente, sobre o decreto que assinou  sobre porte de armas de fogo e que somente hoje, quarta-feira, seria publicado no Diário Oficial da União.

Sem tornar público o texto do decreto, nem qual o seu número, Bolsonaro fez questão de enfatizar que “tudo foi feito no limite da lei”. E falou e repetiu tanto sobre o “limite da lei” (ele se reportava, embora sem dizer, ao Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826, de 22/12/2003) que a insistência levantou suspeita e uma indagação: teria sido mesmo “no limite da lei”?

NA FORMA DA LEI??? – Sim, porque decreto “como ato administrativo, está sempre em situação inferior à lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar, a ela nada acrescentar e serve apenas para regulamentá-la”, como ensina Hely Lopes Meirelles (“Direito Administrativo Brasileiro”, página 162, 19ª edição, Malheiros Editores).

E a suspeita era procedente. “No limite da lei” coisa nenhuma. Lá está no Diário Oficial, edição desta qu,arta-feira, a íntegra do Decreto nº 9.785 de 7 de Maio de 2019. Quase tudo está fora “do limite da lei”. A começar que este tal decreto, que diz que “regulamenta a Lei nº 10.826, de 22.12.2003…”, contém 67 artigos. Isso mesmo, 67 artigos, quase o dobro dos artigos da lei que o decreto diz que “regulamenta”, e que somam apenas 37 artigos! E são inúmeras as inovações e situações que o decreto acrescentou para o porte de arma e que não estão contempladas pelo Estatuto do Desarmamento.

UMA NOVA LEI – Inovou, portanto. Legislou, sem dúvida. Praticamente, criou, por decreto, um novo Estatuto do Desarmamento. Se este tal decreto for levado ao Judiciário para aferir sua constitucionalidade, muitos artigos serão considerados em acréscimo à lei, e, portanto, declarados inconstitucionais.

Não há espaço aqui neste artigo para abordar todas as ilegalidades que mancham o decreto, porque são muitas. Vamos apenas mostrar estas que mais chamam a atenção e que absolutamente não estão “no limite da lei”.

No Capítulo IV, que trata “Do porte de Arma de Fogo”, dentre muitos homens e mulheres que doravante podem portar arma de fogo, está a pessoa “que exerça a profissão de advogado” ( artigo 20. parágrafo 3º, letra “h” )!. E ainda: quem for “profissional de imprensa que atue na cobertura policial” (item VI)!. Tem mais: quem seja “conselheiro tutelar (item VII)”, e ainda “motoristas de empresas e transportadores autônomos de cargas”(item IX)!

MAL ASSESSORADO – Mas o que é isso, Bolsonaro? O senhor está muito mal assessorado. Parece estar cercado de leigos na ciência do Direito. O despreparo para governar não é só individual. É coletivo, também.  A Lei nº 10.826 (Estatuto do Desarmamento), no Capítulo III que trata “Do Porte” é rígida, exaustiva (que não admite acréscimo ou exclusão) e não contempla os que exercem aquelas profissões que o seu decreto acrescentou, sem forma e sem figura de lei;

Nem aquelas nem muitas outras que este artigo não encontra espaço para comentar. Seu decreto não regulamenta a lei. Seu decreto altera substancialmente a lei. E tanto, por não ser permitido, é absolutamente inconstitucional. Agora, após ter sido tornado público com a publicação no Diário Oficial da União, se constata porque o senhor foi tão evasivo nesta terça-feira, quando ao lado de Paulo Guedes, falou rápida e sincopadamente, sobre o tal decreto, enfatizando que o mesmo foi baixado “no limite da lei”.

Sr. Presidente, o senhor poderia mexer em todo o Estatuto do Desarmamento. Para isso bastava lançar mão de Medida Provisória, caso não optasse pelo projeto de lei alterando o Estatuto do Desarmamento. Por decreto, jamais, senhor presidente.

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