Carlos Chagas
Falamos do primeiro debate entre os candidatos presidenciais, na noite de quinta-feira. O país assistiu, se é que houve boa audiência, a um encontro insosso, amorfo, inodoro e inócuo. Se os próximos forem como o que passou, pouco contribuirão para esclarecer o eleitorado. De propósito, deixamos passar dois dias para que assentasse a poeira das distorções emocionais.
Prevaleceram os lugares comuns e uma visão do passado. Raras foram as propostas para o futuro, mesmo assim genéricas e incompletas.
Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva, apesar de divergências pontuais e de pequenas farpas periféricas lançadas entre eles, davam a impressão de haver decorado um script único. Como denunciou o quarto participante, Plínio de Arruda Sampaio, pareciam a Poliana, expondo o bom-mocismo e não se comprometendo com mudanças estruturais. Num exemplo: os três rejeitaram a limitação das propriedades rurais e deixaram para o livre entendimento entre a guilhotina e o pescoço, quer dizer, entre patrões e empregados, a redução das jornadas de trabalho. Mostraram-se de acordo com o atual sistema de distribuição de renda, sendo que a do capital subiu 14% e a do trabalho caiu na mesma proporção, conforme Plínio. Não retrucaram ao ouvir que é de quarenta vezes a diferença de renda entre ricos e pobres.
Adiantou pouco o candidato do Psol apresentar-se como D. Quixote, não raro ridículo ao dizer-se discriminado pelos colegas e pela TV-Bandeirantes. Dilma saiu como chegou, representante do Lula, vitrina das realizações do atual governo e vidraça para os adversários. Serra surpreendeu quando chegou às lágrimas, fato inusitado, ao lembrar sua origem modesta e seus percalços nos tempos da ditadura. Marina mais pareceu a Irmã Dulce em sua tentativa de conciliar tudo e todos.
Em suma, os candidatos continuam devendo mais do que as promessas de diminuir os juros, recuperar portos, aeroportos e estradas, sem dizer quais nem como, além de investir no ensino técnico e ampliar postos de saúde. Deixaram em branco, também, a questão da segurança pública, tendo o tucano apenas repetido que criará um ministério especifico e a companheira, que multiplicará as unidades de Polícias Pacificadoras. O público merecia mais.
Tucanos depenados?
Não é apenas a direção do PT que teme não aumentar suas bancadas na Câmara e no Senado, com as eleições de outubro. No ninho dos tucanos a preocupação parece a mesma, para não falar no DEM. O raciocínio é de que o PMDB crescerá um pouco, por inércia, mas quem se beneficiará serão os médios e pequenos partidos, do PTB ao PDT, do PPS ao Partido Socialista e ao Psol. Pode haver engano nessa previsão, mas caso ela se confirme, mais dores de cabeça sentirá o futuro ocupante do palácio do Planalto, seja Dilma, seja Serra. Nada parecido com uma rebelião dos nanicos, mas algo como a obrigação de abrir maiores espaços no condomínio da coisa pública. Agora mesmo é que a reforma política não se realizará nos próximos quatro anos, pelo menos no que diz respeito à cláusula de barreira e ao voto distrital.
Complicações no Sudeste
Os candidatos presidenciais estão concentrando suas presenças nos estados do Sudeste, onde se localizam os três maiores colégios eleitorais, com São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. Dilma e Serra mantém preferências equilibradas na região, sendo que o PT dispara no Norte e Nordeste e o PSDB vence no Sul.
Tanto o tucano quanto a companheira tem origem no Sudeste, assim como seus candidatos à vice-presidência. Vai ser difícil, qualquer que seja o vencedor, fechar a goela dos políticos e governantes locais, quando chegar a hora de compor o ministério.
Ficam poucos ou não fica ninguém?
Na hipótese da vitória de José Serra, todos os atuais ministros precisarão limpar as gavetas, porque não fica ninguém. No reverso da medalha, ganhando Dilma, são muitos os candidatos a permanecer, com ênfase para os cristãos-novos, aquela turma que em abril ocupou as pastas pela desincompatibilização dos ministros hoje pleiteando votos. Imagina-se que ela manterá alguns, mesmo redistribuindo-os, mas a tônica será pela composição de uma nova equipe. O primeiro a sustentar essa mudança é o presidente Lula.