No caso Marielle, o STJ atropela a Constituição e constrange o Google e todos nós

Legislação não permite devassa nos arquivos dos usuários da Internet

Jorge Béja

Todos queremos a elucidação mais completa possível do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e do seu motorista Anderson Gomes. Mas tudo na forma da lei. A decisão desta quarta-feira (26) da 3a. Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que obriga a empresa Google Brasil a fornecer à investigação as Identificações IP (Protocolo da Internet) e Device ID (Identificação de computadores e celulares) das pessoas que, entre os dias 7 e 14 de março de 2018, acessaram o Google em pesquisa sobre Marielle Franco (1), Vereadora Marielle (2), Agenda Vereadora Marielle (3), Rua dos Inválidos (4) e Casa das Pretas (5), é decisão esdrúxula e teratológica por ferir a Constituição Federal (CF) no tocante à inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem e da vida  privada das pessoas (CF, artigo 5º, X) e do sigilo de correspondência e das comunicações (CF, artigo 5º, XII).

Espera-se que a empresa Google do Brasil, sem tardar,  dê entrada no Supremo Tribunal Federal com Mandado de Segurança e pedido de liminar (ou outro remédio jurídico que seus advogados entenderem adequado), a fim de cassar a decisão do STJ.

SIGILO INVIOLÁVEL – Cuidemos do artigo 5º, X, da Constituição Brasileira. Diz textualmente: “É inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução”.

A oração final deste dispositivo constitucional (“salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução”) poderia ensejar entender que a decisão do STJ está conforme à Carta da República. Não. Não está. E não está porque nenhuma lei dá permissão para uma devassa, ampla e generalizada, nos arquivos e nos dados de todos nós usuários da Internet e dos quais a empresa Google é fiel depositária e guardiã.

Sim, devassa ampla e generalizada. Verdadeira “bisbilhotice”, como disse a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, ao votar e proibir que o Ministério da Justiça e Segurança Pública elaborasse “dossiê”, “lista” ou “relatório” de pessoas “antifascistas”.

POR ANALOGIA – Vamos à analogia, que é fonte do Direito. O Código de Processo Penal (CPP), ao dispor sobre a Busca e Apreensão, é bastante cuidadoso. Isto para que não ocorra abuso, excesso, invasão de privacidade no diligenciamento, visto que nem tudo pode, nem tudo deve. Diz o CPP que “O mandado de busca deverá indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador, ou no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem” (artigo 243).

Se vê o detalhamento, a especificação, a destinação objetiva, a precisão que, obrigatoriamente, que todo Mandado de Busca e Apreensão nele deve constar.

Mas nesta decisão do STJ a generalidade, a amplitude, a abrangência, a indiscriminação é que destoam do bom Direito, da razoabilidade, e agridem a Constituição Federal.

E TUDO PODE – A limitação restringe tão somente ao tempo: de 7 a 14 de Março de 2018. De resto, tudo pode. A inviolabilidade de nossos dados, a privacidade de todos nós, indiscriminadamente de todos nós usuários da internet e acessantes do Google, desde ontem, quarta-feira (26), estão oficialmente escancaradas, judicialmente quebradas. O STJ obrigou a empresa Google a exibir e entregar tudo à investigação do caso Marielle Franco. Por isso é de suma importância — e a sociedade exige — que a empresa Google recorra ao Supremo Tribunal Federal o quanto antes, para impedir que a devassa ocorra.

DANOS COLETIVOS – É devassa perigosa e causadora de danos coletivos de toda sorte. Todo cuidado é pouco. Se o leitor, entre os dias 7 a 14 de Março de 2018, acessou o Google para saber onde fica, no Rio, a Rua dos Inválidos… ou se procurou saber se lá existe imóvel para vender ou alugar…. se quis saber sobre a história daquela rua… ou se informar sobre a “Casa das Pretas”… ou sobre a vereadora Marielle Franco… cuidado.

Precate-se, porque o leitor poderá ser investigado. Quiçá ser chamado à Polícia ou à Justiça para dar explicações. E outras consequências mais — tais como a busca e apreensão de seu celular e/ou de seu computador—, consequências todas funestas, perturbadoras, preocupantes e estressantes, ainda que o leitor-investigado nada tenha a ver com o caso. Tudo isso e muito mais pode acontecer, como resultado da decisão do Superior Tribunal de Justiça imposta ao Google. Por isso pede-se: Google, recorra já ao STF.

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