Pedro do Coutto
O gesto impressionista e impressionante do senador Eduardo Suplicy, assumiu a posição de juiz do povo e simbolizando da tribuna a expulsão de José Sarney da presidência do Senado, não representou apenas um ato de forte hostilidade e rejeição à permanência de um político. Não. Fornece também outra leitura, diferença entre o significado e o significante, interpretação usada pelo meu amigo Antonio Houaiss para definir situações diversas em volta do mesmo fato.
Na realidade, Suplicy, a partir daquele momento que todos acompanharam pela televisão e no dia seguinte viram nos jornais, sublinhou a dissidência que abriu na bancada do PT. Uma cisão clara ficou patente, a começar pela regional paulista integrante do principal colégio eleitoral do país. Isso porque embora o partido tenha defendido a permanência de Sarney, nenhum senador da legenda, a começar pelo líder Aloísio Mercadante, contestou sua atitude e suas afirmações. O episódio, assim, provavelmente vai produzir reflexos na sucessão presidencial.
Pois se não há unidade partidária no Congresso, em termos lógicos não deve existir igualmente na campanha eleitoral. A ausência dos senadores do PT na sessão da noite de terça-feira terá sido casual? Provavelmente não.Foi uma forma velada de permitir que o parlamentar insubmisso às diretrizes do Planalto pudesse se manifestar sem que fosse acossado pelos companheiros.
Por uma ironia do destino, terminaria sendo contestado pelo senador Heráclito Fortes, que é do DEM, e portanto, da oposição. Mas, ao que parece da oposição ao governo Lula. Não à continuidade de José Sarney à frente da Mesa Diretora. Talvez até porque, ele, Heráclito, ocupe a primeira secretaria. Mas esta é outra questão. É restrita ao Parlamento.
O gesto do autor do projeto de renda mínima não está, por sua natureza, restrito à esfera do Poder Legislativo. O que já seria muito, mas é inevitavelmente maior. Vejam só. O líder do Partidfo dos Trabalhadores, Mercadante, que se empenhava abertamente pela saída de Sarney da presidência do Senado, acabou cedendo à determinação do presidente Lula e renunciando irrevogavelmente à renúncia que dissera ser irrevogável. Tornou-se também refém do Palácio do Planalto e de sua própria contradição.
O presidente da República convidou-o para acompanhá-lo em eventos na região metropolitana de São Paulo no sentido nítido de apagar o rastro do mal estar. Lula voltou-se para retirá-lo de uma dissidência. Como Aloísio Mercadante terá que partir para renovar seu mandato no ano que vem, teve que recuar. Mas não adiantou. No momento em que Lula procurava das a cisão inicial como fato superado, surge o episódio Suplicy. Que poderá fazer agora? Não só ele, presidente da República. Mas também o próprio Mercadante que, nas circunstâncias colocadas, não lidera nem a si mesmo.
A bancada petista tem razão em ficar perplexa. Qual, agora, o caminho a seguir? A dissidência de Mercadante ou a dissidência de Suplicy? Passaram a ser duas, em vez de uma. O desenrolar da terça-feira inundou o país de autêntico humor, em dúvida, porém –aí é que está a questão- seu conteudo é mais amplo. Sensibiliza indiretamente a pré candidatura da ministra Dilma Roussef, não a superando, é claro, mas reduzindo o entusiasmo a seu favor na decolagem, espaço estratégico e essencial a qualquer campanha política.
A cisão aberta por Eduardo Suplicy reflete-se fortemente na solidez da candidatura da ministra chefe da Casa Civil. Revela fracionamento, desunião, esgarçamento de propósitos. Isso porque a unidade partidária é fundamental para o início da campanha rumo à escala do poder. Sem união na base, campanha alguma se fortalece. O impressionismo de Suplicy, como um quadro de Manet ou Renoir, iluminou as cores de uma paisagem de contradições.