O país em leilão

Exemplar do livro "Juca Mulato", do escritor Menotti del Picchia, terceiro título lançado pela Confraria dos Bibliófilos. [FSP-Ilustrada-23.12.97]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***

Exemplar raro de Menotti del Picchia está à venda

Ruy Castro
Folha

É a crise. As famílias estão se desfazendo de seus tesouros. Sei disso pela quantidade de catálogos de leilões que recebo pela internet – e só porque, há anos, disputei contra o poderoso Banco Santos um saquinho de confete do Carnaval de 1919, e levei. Alguém disposto a enfrentar o Banco Santos num leilão devia ser louco, e a notícia se espalhou entre os leiloeiros. Desde então, sou abarrotado de ofertas. Nunca mais arrematei nada importante, mas eles continuam na esperança de que eu faça lances mirabolantes por seus lotes.

Mas de que me interessa uma espada do Exército brasileiro com o brasão da República em baixo relevo, certamente virgem de batalha? Ou uma ânfora em cerâmica de Alcobaça, uma luminária policromada em forma de coruja ou uma estatueta de cachorro moldada em terracota do vale do Jequitinhonha? E há objetos que, mesmo analisando a foto, não consigo descobrir para que servem, como um jogo de cossinetes para rosqueadora ou um voltímetro a manivela com bocal para teste.

Não tenho muito uso para uma caneca com a inscrição “Lembrança de Cambuquira”, uma medalha comemorativa do “Cinquentenário da Academia Pernambucana de Letras, 1901-1951” ou um exemplar autografado do livro “Juca Mulato”, de Menotti del Picchia, com furos de inseto, alguns ainda contendo o inseto. Dispensei também um conjunto para chimarrão composto de cuia e bomba, uma coleção de 25 números da revista “Bundas” e o troféu de vice conquistado pelo Brasil no Campeonato Mundial de Pesca do Atum, na Nova Escócia, em 1953. Cheguei a me interessar por um cachimbo que pertenceu à existencialista Juliette Gréco, com marcas de seus dentes autenticadas por seu dentista, mas me contive a tempo.

Só não sei se resistirei se me aparecer uma bola Superball, daquelas marrons, de gomos costurados, dos anos 50.

15 thoughts on “O país em leilão

  1. Se nosso povo tivesse mais cultura, talvez muito do que esta ocorrendo agora seria uma fantasia. Para um povo que não tem conhecimento de nossa história e não acompanha as notícias da área política, não podemos esperar grande atitude. Cada vez mais políticos incompetentes e corruptos serão eleitos.

  2. JUDICIÁRIO É UM ANTRO DE SAFADEZAS.

    Não se fala noutra coisa no meio jurídico em Santa Catarina. No Tribunal de Justiça nesta quinta à tarde, durante a sustentação oral na 1a Câmara Cível, o advogado Felisberto Odilon Córdova acusou o desembargador Eduardo Gallo, relator do processo, de ter lhe feito uma proposta pedindo R$ 700 mil para julgar favoravelmente aos interesses do cliente.

  3. Ruy, entendo sua disputa por um saquinho de confete do Carnaval de 1919, tanto, que fui buscar na minha coleção de ‘ephemeras’ uma imagem que reflete essa situação do Brasil leilão que retrataste.

    A imagem é uma fotografia antiga, postei no link:
    https://postimg.org/image/6wwagennp/

    Imagem do brasileiro arlequim – nos carnavais mais formidáveis, nos salões mais fantásticos, onde existiamos como o povo mais feliz e alegre de todo o planeta – do brasileiro solitário, triste, olhando pela janela a felicidade (figurativamente o Brasil), esvaindo-se…
    A imagem de um Brasil feliz, que perdemos, e que não volta no próximo carnaval…

    Aliás, em que ano confetti de carnaval perdeu toda sua magia? Chuto 1967, concorda?

    Bem que toda essa crise, todo esse leilão do Brasil podia ser efêmero, que o governo Temer fosse mesmo de caráter transitório do não deixasse sequelas como vai deixar, assim como governos do PT e outros governos anteriores deixaram…

    No Brasil do tempo daqueles carnavais, havia somente um magnata (Chateaubriand), mas o amor em ser Brasileiro, de fazer parte desta Nação, de expressar nossa alegria na folia de carnaval era maior que ser um magnata, era maior que possuir uma superball, um wham-o, ‘rosebud’…
    Em matéria de felicidade, éramos todos
    magnatas Kane no Brasil, aos milhares…

    Hoje, nem 1% da população é assim.
    E os que são, nos colecionam…

  4. Concordo com o artigo de Ruy Castro, mas eu não usaria o termo leiloado.

    Na verdade, o Brasil está repartido!

    A maior fatia é do Legislativo, a outra pertence ao Executivo e, a menor, do Judiciário.

    A produção de cada seção concedida, as arrecadações, os impostos, taxas, emolumentos cobrados são de uso exclusivo do dono daquela parcela, e assim com as demais.

    Já devem ter percebido que não sobra nada para o povo, aquele que produz, gera riquezas, paga impostos …

    Curiosa e contraditoriamente, os que são úteis, se encontram … desempregados, acumulando para quem tem o seu emprego, que seja mais ainda explorado e obrigado a compensar a falta de dinheiro que o coitado do desempregado deixa de contribuir!

    Os donos desses pedaços do Brasil não querem perder absolutamente nada do que recebem, da fortuna que amealharam, do patrimônio que roubaram deste povo hoje desesperado e desesperançado.

    O Brasil foi partido em cotas e não leiloado, a meu ver, razão pela qual só nos resta verter sangue, suor e lágrimas!

  5. Naquele tempo havaianas não soltava as tiras…

    CADE aprovou a “venda” e os acougueiros Batista’leys da J&F (JBR) trocaram a Alpargatas por R$3.500.000.000,00
    … dinheirim de cortar bife, depenar galinha…

    Compradores: Itaúsa, Cambuhy e Brasil Warrant – Familias Setubal, Moreira Salles, Vilella…

    Adivinha para onde vai “the dolarz”?
    Pagar rombo? Éh ruim hêin! ai ai ai!…
    quem tem dinheiro assim hoje em dia? Máfia!

    E o símbolo mais brasileiro da atualidade, as sandálias Havaianas…

    – “Nem isso mais, chulé!
    Tá tudo DOMINADO!” …

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