O Papa é pop

Fernando Orotavo Neto

Entre duas e três taças de um bom tinto, desarrolhado para acompanhar um risoto de funghi secchi com óleo de trufa branca e parmesão reggiano, que eu me aventurava a cozinhar numa noite fria e atípica do mês de julho em Búzios, minha amiga jornalista disse-me, enquanto esperava o acepipe ficar pronto e jogávamos conversa fora: “Só entra para a história e não é esquecido pelo tempo aquele que modifica a vida das pessoas e da sociedade em que vive”. Atento, mas já concordando, eu acrescentei: “Para o bem ou para o mal”.

Vários são os exemplos de personagens que entraram para a História e são por ela lembrados até hoje, pelo bem que fizeram à humanidade, legando-nos seus imorredouros exemplos de fé, coragem e sabedoria, como Jesus Cristo, Mahatma Gandhi, Princesa Isabel, Albert Einstein, Madre Teresa de Calcutá, Joana D’Arc, Sócrates, Aristóteles, entre muitos outros e só para citar alguns. No quesito maldade, porém, nenhum deles é mais lembrado do que o vagabundo Adolf Hitler, o maior genocida de todos os tempos, cujo desprezo pela vida humana não encontra precedentes, fazendo corar de inveja outros de igual quilate, como Mao-Tsé Tung, Joseph Stalin, Átila, dito “o Huno”, Kublai Khan, Pol Pot e Idi Amim Dadá.

A verdade, nua e crua, é que quando um homem despreza, ostensivamente, um direito natural do seu semelhante, a história cobra a sua conta, marcando-o, para todo o sempre, nos anais destinados àqueles que viveram à margem da ética e da honra, a fim de que sejam lembrados como verdadeiros príncipes da desumanidade.

ANTÍGONA

Na tragédia nominada Antígona, do dramaturgo Sófocles, o Rei Creonte baixa uma lei impedindo que ela enterre seu irmão Polinice, que havia atacado a cidade de Tebas. Indo contra a lei da cidade, Antígona enterra seu irmão, e é sentenciada por Creonte a ser enterrada viva. Escrita à época do governo de Péricles, um dos pais da democracia, no apogeu da cultura helênica, o mito grego de Antígona é um exemplo clássico da oposição entre direito natural e direito positivo (direito das leis), e, por isso mesmo, é ensinado, até hoje, nas universidades. Na busca por justiça, qual a lei certa a ser seguida? É possível viver com ética e ser submisso às leis?

Abstraindo-me da instigante discussão filosófica, impressiona-me, sobremaneira, como a história se repete, e se repete, e se repete, milhares de anos depois, como se vozes de um vaticínio maldito ecoassem pelo tempo: “O homem, que não aprende com as experiências do passado, está fadado a repetir seus erros no presente”.

Tal como o Rei Creonte o fizera, segundo contou Sófocles, por volta do século V antes de Cristo, o Vaticano, em pleno século XXI, depois Dele, recusou-se a sepultar o capitão da SS Erick Priebke, um dos muitos vagabundos do vagabundo-mor Adolf Hitler, que, condenado à prisão perpétua, morreu recentemente. Na esteira do “não apostólico romano”, mais dois países se recusaram a sepultá-lo.

Que ninguém gosta de nazistas, somente os próprios, é fato. Que todos desprezam genocidas, também. Mas há algo de errado com qualquer religião que, apesar de pregar o amor e o perdão, viola um direito natural do ser humano, recusando-lhe o sepultamento, por mais desumano e desprezível que, como homem, ele tenha sido.

Parece-me que Francisco I, o papa do amor, a quem muito admiro e tenho apreço, errou na mão, perdendo a oportunidade de aprender com o passado e confirmar sua crença no perdão e no amor indiscriminado ao ser humano; preferindo, claramente, privilegiar questões político-religiosas, com vistas a evitar conflitos com o judaísmo e tornar-se impopular aos olhos dos judeus.

Talvez por isso, fosse exigir muito do bondoso Francisco que agisse diferente do modo como agiu o Rei Creonte, ao recusar o sepultamento do irmão de Antígona. Afinal, o Papa é pop!

Fernando Orotavo Neto é jurista, com várias obras
publicadas, e professor de Processo Civil

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