Os políticos precisam acordar, porque a realidade grita no bolso e na frustração dos brasileiros

TRIBUNA DA INTERNET | Brasil, o eterno país do futuro… do subjuntivo

Charge do Duke (dukechargista.com.br)

Carlos Alberto Di Franco
Estadão

As pautas não estão dentro das redações. Elas gritam em cada esquina. É só pôr o pé na rua e a reportagem salta à nossa frente. Essa percepção, infelizmente, é a que mais tem faltado aos meios de comunicação. Os diários perderam o cheiro do asfalto, o fascínio da vida, o drama do cotidiano.

Escrevo este artigo antes do encerramento das eleições municipais. Mas uma coisa é certa, a recuperação da força da mídia depende de uma providência muito simples: sair às ruas, olhar a vida, fazer reportagem, fiscalizar o poder. Só isso.

CIDADE ASSUSTADORA – Você, amigo leitor, tem ido ao centro antigo de São Paulo? Faça o teste. É um convite à depressão. Não existe Prozac que resolva. É uma cidade assustadora: edifícios pichados, prédios invadidos, gente sofrida e abandonada, prostituição a céu aberto, zumbis afundados no crack, uma cidade sem alma e desfigurada pelas cicatrizes da ausência criminosa do poder público.

E não é um fato novo. A cidade de São Paulo foi demitida por seus governantes já faz um bom tempo. E nós, jornalistas, precisamos mostrar a realidade.

Não podemos ficar reféns das assessorias de comunicação, do marketing político e das maquiagens que falam de uma revitalização que só existe no papel.

FAZER REPORTAGEM – Temos o dever de pôr o dedo na chaga. Fazer reportagem. Escancarar as contradições entre o discurso de ocasião e a realidade cruel. Basta percorrer três quarteirões. As pautas estão quicando à nossa frente. Jornalismo é isso: mostrar a vida, com suas luzes e suas sombras. São Paulo, a cidade mais rica do País e um dos maiores orçamentos públicos, é um retrato de corpo inteiro da falência do Estado.

Também o Brasil, um país continental, sem conflitos externos, com um povo bom e trabalhador, ainda está na banguela. Os serviços públicos estão à deriva. Basta pensar na educação. A competitividade global reclama crescentemente gente bem formada.

Quando comparamos a revolução educacional sul-coreana com a desqualificação da nossa educação, dá vontade de chorar. A assustadora falta de mão de obra com formação mínima é um gritante atestado do descalabro da “Pátria educadora”.

NÚMEROS CHAMATIVOS – Políticos sempre exibem números chamativos. E daí? Educação não é prédio. Muito menos galpão. É muito mais. É projeto pedagógico. É exigência. É liberdade. É humanismo. É aposta na formação do cidadão com sensibilidade e senso crítico.

O custo humano e social da incompetência e da corrupção brasileiras é assustador. O dinheiro que desaparece nas cuecas e no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofetada na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As instituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora.

Os protestos que em 2013 tomaram conta das cidades precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública. Havia, e continua presente, uma clara percepção de que o Estado está na contramão da sociedade.

NÃO HÁ RETORNO – O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança, transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil.

São padrões de política em que a corrupção rola solta. A percepção de impunidade é muito forte. O projeto de desmonte da Lava Jato, orquestrada pelos que ocupam gabinetes no andar de cima desta República, começa a ficar muito evidente. Os políticos precisam acordar. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas.

Campanhas caras, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte da promoção de alguns políticos e governantes. Assistimos, frequentemente, a um show de efeitos especiais, coligações esquizofrênicas e factoides capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação.

PAPEL IMPORTANTE – Nós, jornalistas, temos um papel importante. Devemos dar a notícia com toda a clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do governante com a realidade dos fatos.

Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação.

As cicatrizes que desfiguram o rosto de São Paulo e o do Brasil podem ser superadas. Dinheiro existe, e muito. Faltam vergonha na cara, competência e um mínimo de espírito público.

FAZER JORNALISMO – Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, qualificativos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou na cobertura enviesada, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua opinião.

Não façamos jornalismo de espuma. Façamos reportagem. Informação é arma da cidadania. Faz toda a diferença.

4 thoughts on “Os políticos precisam acordar, porque a realidade grita no bolso e na frustração dos brasileiros

  1. Diz o jornalista:

    “É uma cidade assustadora: edifícios pichados, prédios invadidos, gente sofrida e abandonada, prostituição a céu aberto, zumbis afundados no crack, uma cidade sem alma e desfigurada pelas cicatrizes da ausência criminosa do poder público”.

    Zumbis ? Vai dar PSOL, claro.

  2. O artigo do Sr Carlos Alberto Di Franco é assustador pela sua crueza e negatividade, mas, infelizmente, realístico e atual, retrato desassombrado de uma realidade nacional desesperadora, que ele desenha com traços sombrios e precisos.
    A pauta e linha de trabalho que ele aponta para o jornalismo, seria uma das poucas alternativas de ação para sonhar com uma recuperação cívica e moral.

  3. Muito bom o texto, prezado Carlos Alberto. O que o Brasil mais precisa, desde que foi descoberto, é de EDUCAÇÃO; com professores otimamente treinados, muito bem pagos e respeitados, além de prédios projetados para a finalidade a que se destinam, e um currículo feito por professores altamente inteligentes e especializados, tudo isto dirigido por um Ministério da Educação que seja mundialmente reconhecido pela excelência. Mas, tão cedo, isto não acontecerá, porque não interessa aos políticos marginais que são eleitos pelo povo ignorante.
    Aos que nos governam, não interessa eleitor esclarecido pois, nesse caso, eles não seriam eleitos.

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