Pedro do Coutto
O governador Magalhães Pinto, sem dúvida uma grande figura do passado nacional, deixou no seu legado uma definição poética e eterna sobre a política: é como a nuvem. Muda de forma e direção a todo instante. Veja-se agora o descontrole revelado por José Serra, em entrevista à rádio CBN, manhã de segunda-feira, ao responder uma pergunta da jornalista Miriam Leitão, feita pelo telefone. Irritou-se, atirou em várias direções ao mesmo tempo contra o governo Lula. Ninguém esperava por tal rompante. Surpreendeu a todos. A melhor matéria sobre o inusitado episódio foi do repórter Flávio Freire, publicada no O Globo de terça-feira, 11, manchete principal da edição.
Serra, que vinha taticamente elogiando o presidente Lula, de repente irritado com a pergunta, assentou as baterias contra o atual governo, escolhendo como alvos principais o Banco Central, a recriação da Telebrás, a construção da hidrelétrica de Belo Monte e até a política do Mercosul. Como explicar a repentina mudança de estilo? Impossível. O ex-governador de São Paulo transtornou-se com a indagação de como agiria relativamente ao Banco Central se viesse a ser eleito em outubro. De tal maneira que Miriam Leitão teve que desenvolver um esforço para poder concluir a pergunta. Mal ela tocava no tema era atropelada pela interrupção do entrevistado que assumia uma posição de mal educado, na medida em que não permitia à interlocutora pelo menos concluir o pensamento e a frase. Foi uma atuação lamentável. Perdeu votos com isso. Substituiu a imagem de homem sereno e gentil, articulado e lúcido, pela de um político raivoso pronto a explodir a qualquer momento.
Trocou a razão pela emoção pessoal, quando ao longo de sua campanha se posicionava exatamente ao contrário do que fez segunda-feira. De um técnico frio e sereno, deixou surgir um outro personagem, alguém incapaz de suportar qualquer divergência de pensar. Qual dos dois Serras é o mais real? O da entrevista à CBN ou o que fez questão de posar de tolerante? O fato vai gerar conseqüências. Inclusive funcionou como um jato de água gelada no PSDB, DEM e PPS, aliados de sua candidatura ao Planalto. Principalmente porque a opinião pública não reage favoravelmente a explosões e irritações desse tipo.
Além do mais, parecendo até adversário de si mesmo, José Serra deixou escapar uma frase que pode até vir a ser usada contra ele mesmo na campanha: não dá para ter bom humor às oito horas da manhã. Publicada pelo O Globo na chamada da primeira página no texto que sustentou a manchete. A que horas, afinal, costuma acordar o governador José Serra?
Inclusive não se trata de bom ou mau humor. Trata-se de respeito às pessoas, entrevistadoras e ouvintes da CBN. Acordar cedo é ruim? A que horas o governador desejaria ser despertado para retornar do sono reparador para atividade normal, portanto para o trabalho? Passou a impressão que se trata de alguém que dorme até tarde, ao contrário da esmagadora maioria da população brasileira. E olha que é alguém que dispõe de carro, motorista, auxiliares diretos em boa quantidade e presume-se – de qualidade. Governar é acordar cedo, dizia sempre o presidente JK. Trabalhar para os interesses coletivos deve ser um prazer, não um peso a ser carregado. Todos temos obrigações na vida, mas ninguém é obrigado a ser político. É uma opção que implica na aceitação tácita das dificuldades que envolvem a vida pública. Serra desconstruiu a imagem que criara de si mesmo. Deixou no ar uma dúvida sobre si mesmo. Cometeu um erro. Grave.