
Moura retratando Cyro dos Anjos (foto de Wilson Baptista)
Paulo Peres
Poemas & Canções
O jornalista, professor, artista plástico e poeta mineiro Emílio Guimarães Moura (1902-1971), ao lado de Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava, fez parte da célebre geração que renovou a literatura na Belo Horizonte dos anos 20 e 30. No poema “Como a Noite Descesse”, revela sentir-se só, apavorado diante dos horizontes, onde apenas as estrelas poderiam lhe entender.
COMO A NOITE DESCESSE
Emílio Moura
Como a noite descesse e eu me sentisse só,
só e desesperado diante dos horizontes que se fechavam,
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível Aurora!
e vi logo que só as estrelas é que me entenderiam.
Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
– É por aqui! Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
– Renasceste: liberta-te!
Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
– Ó doce e incorruptível Aurora…
se só as estrelas é que me entenderiam?
Num instante amanhece
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O dia aos poucos se vai,
E tudo se repete na noite que cai:
Ao longe cigarras, insistentes,
Cantam ao amor, estridentes;
Pássaros voltam pros ninhos,
Cães procuram seus cantos,
Amantes trocam carinhos,
E crianças pedem acalanto.
Ao leito, o aconchego seduz:
O carinho transforma o querer
Em ânsia, volúpia e prazer,
E a espécie se reproduz!
Seguem-se sonos inebriantes
E sonhos, onde tudo acontece;
Depois, como num instante,
Um novo dia amanhece!