
Srgio Ricardo era um verdadeiro artista multimdia
Paulo Peres
Poemas & Canes
O cineasta, artista plstico, instrumentista, cantor e compositor paulista Joo Lutfi (1932-2020), que adotou o pseudnimo de Srgio Ricardo, afirma que a letra da msica Zelo j apresentava uma ruptura com a temtica da bossa nova, pois saiu do permetro da classe mdia para atingir a favela. Zelo ajudou a abrir as conscincias de seu tempo, em torno do engajamento da arte com a justia social. A msica faz parte do LP A Bossa Romntica de Srgio Ricardo, lanado em 1960, pela Odeon.
ZELO
Srgio Ricardo
Todo morro entendeu
Quando o Zelo chorou
Ningum riu nem brincou
E era carnaval
No fogo de um barraco
S se cozinha iluso
Restos que a feira deixou
E ainda pouco s
Mas assim mesmo Zelo
Dizia sempre a sorrir
Que um pobre ajuda outro pobre
At melhorar
Choveu, choveu
A chuva jogou seu barraco no cho
Nem foi possvel salvar violo
Que acompanhou morro abaixo a cano
Das coisas todas que a chuva levou
Pedaos tristes do seu corao
Todo morro entendeu
Quando o Zelo chorou
Ningum riu nem brincou
E era carnaval
Srgio Ricardo foi um verdadeiro craque.
Tive um primeiro contato com sua extensa obra, no Teatro Joo Caetano, na pea sensacional Gota d’gua, estrelada por Bibi Ferreira.
Srgio cantou uma msica dilacerante nessa pea de Paulo Pontes marido da estrela.
Artistas, como Srgio so cancelados pela mdia, porque fazem o povo pensar e isso imperdovel para o Sistema.
1) Bom poeta, belos versos, timo compositor.
PONTO DE PARTIDA – Uma obra prima de Srgio Ricardo.
No tenho para a cabea
Somente o verso brejeiro
Rimo no cho da senzala
Quilombo com cativeiro, oler
No tenho para o corao
Somente o ar da montanha
Tenho a plancie espinheira
Com mo de sangue, faanha, oler, olar
No tenho para o ouvido
Somente o rumor do vento
Tenho gemidos e preces
Rompantes e contratempo, oler, olar, oler, lar
Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida
No tenho para o meu olho
Apenas o sol nascente
Tenho a mim mesmo no espelho
Dos olhos de toda gente, oler
No tenho para o meu nariz
Somente incenso ou aroma
Tenho este mundo matadouro
De peixe, boi, ave, homem, oler, olar
No tenho pra minha boca
Sagrados pes to somente
Tenho vogal, consoante
Uma palavra entre dente, oler, olar, oler, lar
Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida
No tenho para o meu brao
Apenas o corpo amado
E assim sendo o descruzo na rdea
No remo e no fardo, oler
No tenho para a minha a mo
Somente acenos e palmas
Tenho gatilhos e tambores
Teclados, cordas e calos, oler, olar
No tenho para o meu p
Somente o rumo traado
Tenho improviso no passo
E caminho pra todo lado, oler, olar, oler, lar
Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida.