Jorge Béja
Não estou aqui para defender a chapa Bolsonaro-Mourão. Muito menos a outra chapa, Haddad-Manuela. Não defendo ninguém. Defendo, sim, a legalidade. Defendo a honestidade. Defendo a imparcialidade. Assim fui, sou e sempre serei como advogado e, acima de tudo, cidadão brasileiro e pessoa humana. Defendo o que é justo e perfeito. Defendo o Brasil.
Para toda lesão de direito existe uma ação correspondente para o lesado obter na Justiça a devida restauração. Ou seja, para que o seu direito seja-lhe devolvido, que seja respeitado e cumprido.
DIVERSOS TIPOS – Há ação de Alimentos, na falta destes e a cargo de quem compete a prestá-los e não os fornece; despejo de imóvel, residencial ou comercial, nos casos que a lei autoriza; ações possessórias (manutenção, reintegração e imissão de posse) para quem teve a posse turbada, perdida ou nunca a teve mas obteve o direito de tê-la; ação trabalhista, para o empregador cumprir suas obrigações com o empregado; ação de separação litigiosa, para casais que não se entendem mais. E por aí vai. São muitas. Nem cabe aqui dizer sobre todas.
Outro tema deste introito é o Código de Processo Civil (CPC), sempre fonte subsidiária e suplementar para qualquer outro código de processo que seja omisso a respeito de determinada situação fática, de situações não previstas, casos em que vai-se ao CPC em busca da solução, do caminho a empregar e seguir. É sempre assim.
E AS LEIS ELEITORAIS? – Na Justiça Eleitoral, o Código Eleitoral (antigo, 1965) e a Lei nº 9504/97 (não tão antiga), chegam a ser cansativas a leitura de cada um. Exaure quem lê. Somados, são 490 artigos, com centenas de itens, letras, alíneas, parágrafos…
Como cansa! Quando ambos falam em impugnações de candidaturas, sejam nas eleições gerais ou não, aí é preciso recorrer ao Código de Processo Civil como fonte suplementar para encontrar a solução para determinados incidentes e situações processuais, pois nem todas estão nas leis eleitorais. Foi sempre assim. É e será sempre assim. Uma tremenda confusão que dá margem a tudo, do justo ao injusto.
VOTO DE BENJAMIN – Quem não se lembra daquele voto que durou dois dias, no plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do exemplar ministro Herman Benjamin? Com paciência, doçura, sapiência, isenção e detalhadamento, o charmoso ministro votou pela cassação da chapa Dilma-Temer. E ainda deixou um frase que entrou para a História:
“Posso até ir ao velório, mas me recuso segurar a alça do caixão”.
Isso foi dito no final do seu voto que durou dois dias, contra o voto do então presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, que interrompeu o voto de Benjamim por quase uma hora e no final da interrupção abrupta ainda disse Gilmar: “Desculpe, ministro Benjamin, acho que interrompi seu voto. Mas foi por pouco tempo”. E Benjamim respondeu: “Acha, não. Interrompeu e por longo tempo” (e neste momento, demonstrando aborrecimento, Herman Benjamin levantou o braço direito, exibiu o relógio de pulso para Gilmar e disse o tempo exato da interrupção).
OS NOVOS PROCESSOS – Agora temos, novamente, no TSE, creio que oito processos de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão e um da chapa opositora, que foi derrotada no pleito de 2018. Embora não conheça os autos dos processos, os pedidos certamente se baseiam em alegadas práticas ilegais, anteriores ao pleito, durante a campanha, de uma chapa e de outra, e que podem levar à cassação da chapa vitoriosa.
Não vou entrar no mérito da questão, até porque não devo e não conheço as peças dos autos dos processos, nem fundamentações, nem provas. Nada conheço. O que sei – e todos sabemos – é o que se lê na Imprensa.
Mas o que está aborrecendo (e preocupando) o Palácio do Planalto, segundo noticiado pela mídia, é esse tal “compartilhamento de provas”, que o ministro Og Fernandes, do TSE, pediu a seu colega, Alexandre de Moraes, que integra o STF e o TSE, que fale a respeito.
MORAES É RELATOR – O pedido de OG Fernandes se deu porque Moraes é quem conduz(!) o tal inquérito que o presidente Dias Toffoli, do STF, ordenou fosse instaurado para identificar os autores de notícias falsas e ameaças ao STF e a seus ministros, o que é para ser repugnado pelas consciências das pessoas de bem, das pessoas honestas, democráticas e defensoras da paz social.
E a pretexto de serem investigações, tanto no STF quanto no TSE, a respeito de ataques por redes sociais – contra o Supremo e seus ministros, no inquérito sob relatoria de Moraes, e contra a chapa encabeçada por Haddad, nas ações que estão sob relatoria do ministro Og Fernandes –, daí surgiu esse tal “compartilhamento de provas”. Isto é, transplantar do inquérito do STF para a(s) ação(ões) de impugnação no TSE as provas de todo tipo produzidas no âmbito do inquérito do STF.
NÃO, NÃO É ASSIM – E não sendo assim, a comprometer a lisura, a legalidade, a isenção do julgamento que pode cassar a chapa vencedora no pleito de outubro de 2018, caso em que Bolsonaro deixaria a presidência da República e Mourão a vice, aí a tal “corda” foi esticada mesmo. E esticada para o mal (e não para o bem) do país, visto que o recado é no sentido de que o Poder da Força ameaça prevalecer sobre o Poder da Força do Direito.
É preciso, porém, existir e praticar o Direito para que o Direito tenha força. Mas a esperança é que tudo siga dentro da normalidade e da legalidade e o julgamento seja justo. Nesse caso nenhuma “corda” será esticada.
PROVA EMPRESTADA – Tudo isso se diz aqui por causa deste tal “compartilhamento”, ou seja, da “Prova Emprestada” – este é o nome juridicamente correto. E a “Prova Emprestada” é autorizada pelo artigo 372 do Código de Processo Civil, a conferir:
“O juiz poderá admitir a utilização da prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”
Pois bem, numa hermenêutica de domínio público, noutra de natureza gramatical e de constatação-fática, vamos considerar dois pontos cruciais.
O PRIMEIRO PONTO – “O juiz poderá admitir”. Esta é a locução verbal do referido artigo. Então, o juiz tem o poder de admitir ou não admitir a “Prova Emprestada”. Mas o que se notIcia é que o ministro Og Fernandes, do TSE, está pedindo que o ministro Alexandre de Morais, do STF, se “manifeste”, ou seja, que ele “decida” a respeito!
Ora, meu Deus, a lei não diz isso. É o ministro Og quem tem que decidir, admitindo ou não a prova emprestada, que é aquela produzida na investigação da relatoria de Alexandre de Moraes no STF. Og não pode consultar, ouvir a opinião, ou pedir uma espécie de conselho a Morais.
É a parte que indica e fundamenta qual prova (ou provas) deseja obter por empréstimo de outro processo e o juiz decide. Não é o juiz do outro processo, do qual se busca a prova emprestada, quem decide, quem se manifesta. Aliás, este juiz nem pode negar o empréstimo, quando solicitado (deprecado) por outro colega seu. Tem ele o dever, no ofício requisitório do empréstimo, exarar o “atenda-se, com urgência”. Só. E nada mais.
O SEGUNDO PONTO – Voltemos à letra da lei. “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo…”. Paremos por aqui. “Em outro processo”, diz a lei. Indaga-se: o inquérito que o ministro Alexandre de Moraes conduz (como se fosse autoridade policial!) é processo? A resposta, indiscutivelmente, é negativa. É, sim, inquérito. Mero inquérito que, no futuro, se o Ministério Público oferecer denúncia e esta for aceita, aí é que teremos processo, no sentido de ação penal. Logo, tudo que está no bojo do inquérito não pode ser emprestado, ou “compartilhado”, porque só se empresta, só se “compartilha” peças probatórias “produzidas em outro processo”.
É preciso corrigir erros e falhas para que advenha justo, perfeito e isento julgamento. O TSE não pode errar, não é mesmo ministro Herman Benjamin? O assunto é muito sério e exige rigorosa isenção, verdadeiro Estado de Graça dos sete ministros que integram o plenário do Tribunal Superior Eleitoral, para conduzir e julgar os processos que pedem a cassação da diplomação, posse e cargo que Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão conquistaram nas urnas.
Foram mais de 57 milhões de votos. Que seja feita justiça. E se a corda for esticada, que seja, então, para não permitir o prevalecimento do Poder da Força, mas o Poder do Direito, da Legalidade, do Justo e do Bom.