Luiz Felipe Pondé
Folha
Religiões são corpos complexos. Penetram em inúmeros detalhes da vida cotidiana. Não se trata de criações abstratas, dissociadas dos corpos, mas, pelo contrário, os cobrem com o manto do sagrado. Religiões acolhem as alegrias e as tristezas ancestrais humanas.
A ideia de que, diante da presença dos deuses, se faz necessária alguma forma de proteção é antiga. A força divina encanta e esmaga a criatura frágil, quando vista de frente. Essa é uma das causas da famosa máxima “temor e tremor” no monoteísmo abraâmico.
CAMPO DE ESTUDOS – A força avassaladora e encantadora do sagrado é objeto de um campo vasto de estudos para quem investiga a fundo as religiões históricas.
Mesmo que não se possa universalizar a ideia de sagrado para todas as religiões, ali onde ela está presente, aparece esse caráter “numinoso”, como dirá o filósofo alemão da religião Rudolph Otto, que reúne beleza, mistério e violência.
Em dias como Rosh Hashaná — o Ano Novo — e Yom Kippur — o Dia do Perdão — no judaísmo, ao final da cerimônia, ao entardecer, quando se toca o shofar — o chifre de um animal —, como que chamando Deus para perto — supõe-se que tocar o shofar era um costume na Antiguidade bíblica para reunir o povo hebreu —, deve-se virar de costas ou cobrir a cabeça e o rosto para se proteger da grandeza de Deus.
GRANDEZA DE DEUS – A ideia mesma de que Deus se esconde na Bíblia hebraica e na cabala é conhecida. No caso da mística judaica, Deus mantém como que um véu sobre a face por misericórdia, já que nenhuma criatura seria capaz de estar presente diante da sua grandeza avassaladora.
O filósofo judeu Martin Buber, nas suas discussões sobre chassidismo, sempre pensando no que essa mística teria a dizer ao homem moderno, frisava o fato que a oração profunda deixa o rosto do místico em chamas porque o aproxima do fogo infinito que é Deus.
A face de Deus torna incandescente tudo que está à sua volta. O calor, a luz, a penetração, a permanência, tudo isso se soma para “atear fogo” no rosto da figura mística.
FESTA DE CASAMENTO – Voltando aos detalhes da vida, um dos momentos mais celebrados em muitas religiões é o casamento, quando dois jovens se unem diante do seu povo ou comunidade para assumirem que darão continuidade, assim como seus ancestrais, ao sagrado poder de gerar a vida, tendo filhos e formando assim uma família.
E claro, nesse momento, a noiva se torna o centro de tudo, porque ela é a terra fértil na qual o noivo depositará a semente que a fecundará. Mesmo fora dos aspectos espirituais do casamento religioso, é tradição saber que a noiva é o centro da cerimonia, sendo o noivo um mero coadjuvante.
A esse fato as mulheres respondem com o enorme valor atribuído ao vestido e a todos os detalhes da cerimônia e da festa. O casamento é feito, antes de tudo, para a mulher.
COBRIR O ROSTO – No judaísmo, é comum o noivo cobrir o rosto da noiva quando a recebe das mãos do seu pai na entrada da chupá, a tenda sob a qual se realiza a cerimônia de casamento.
Evidente que o costume de o rosto da noiva estar coberto por um véu não é exclusivo do judaísmo, mas a tradição judaica interpreta esse gesto como sendo um exemplo de uma antiga crença mística, diretamente ligada ao que dissemos até aqui. Qual é essa crença?
Assim como no momento do shofar deve-se cobrir a cabeça e o rosto devido à grandeza da presença de Deus. No momento do casamento, essa grandeza da presença de Deus está refletida no rosto da noiva, portanto, naqueles instantes, a noiva carrega o sagrado na face.
O VÉU DA NOIVA – A beleza incandescente de Deus, assim, repousa sobre o lindo rosto da noiva e, por isso, este deve ser coberto pelo véu.
A força de atração que a noiva exerce sobre os presentes, a beleza dos seus gestos, o cuidado que todos têm, a começar pelo noivo, com ela, visto a partir dessa interpretação religiosa, denotam a presença do sagrado na mesma.
Por isso, é comum ver alguém pedir que ela o abençoe em meio à festa que se segue ao ritual do casamento, porque naqueles instantes o eterno caminha ao seu lado. Feliz aquele que enxerga Deus em seu rosto iluminado. Essa visão, normalmente, é, ela mesma, acompanhada por lágrimas diante de tamanha beleza em exibição.
Absolutamente genial. Valeu Pondé!!
1) Ótimo artigo !
O que tem à ver judeu com hebreu?
Há “dendos”, em:
https://hebreuisraelita.wordpress.com/?s=Hebreu&submit=Pesquisa
Belo artigo, eu não tinha a visão dessa ritualística.
Jamais imaginei que esse velhote escreveria um texto simplesmente superlativo.
Recortar e guardar.
Parabéns, Tribuna!
Bonita história contada pelo articulista.
Segundo o Pentateuco Moisés existe há mais de 1400 anos antes de Cristo e foi o criador de um único Deus e deu até o nome de Jeová a Deus, mas era Deus só dos hebreus, os inimigos dos judeus, Deus castigava.
Acho muito difícil que naquela época conseguisse guardar documentos por centenas de anos.
Todas as grandes religiões foram escrita por homens cada um de acordo com seus interesse religiosos.
No meu entendimento, é no Novo Testamento com os ensinamentos de Cristo que tem maior valor, por ser espiritualista e humano, inclusive a filosofia de Sócrates, Buda, Confúcio ETC, que se assemelham a filosofia de Jesus de Nazaré.
Quando se diz que ama a Deus, significa que ama um a projeção de sua própria imaginação, uma projeção de você mesmo. (Krishnamurti).