Carlos Newton
Ninguém sabe se a arte imita a vida, ou se ocorre o contrário. Por isso é sempre importante conferir obras de arte que sejam baseadas em fatos ocorridos na vida real, especialmente quando se trata de exemplos que atingem a todos nós. É assim com o filme “A Grande Aposta” (The Big Short”), sobre a grande crise do Subprime, que devastou o mercado imobiliários dos Estados Unidos, com reflexos no mundo inteiro.
Baseado no livro do Michael Lewis, o filme foi dirigido por Adam McKay e produzido por Brad Pitt, que faz um papel de coadjuvante, ao representar um excêntrico e ecológico analista do mercado de capitais. Como se trata de fatos reais, o filme às vezes funciona como um documentário, com ritmo dinâmico e que consegue manter o espectador interessado do começo ao fim.
BOLHA IMOBILIÁRIA – Houve vários filmes sobre a crise de 2008 no mercado norte-americano. Aliás, a recessão começou antes, em 2007, mas a bolha estourou de fato no ano seguinte, quando um número enorme de investidores, corretoras e bancos entrou no vermelho, inclusive o gigantesco Lehman Brothers, fazendo o governo norte-americano intervir para evitar o efeito dominó.
O filme mostra que a multiplicação das hipotecas de imóveis, em sucessivas operações superpostas do sistema Subprime, com crédito concedido a clientes que não tinham garantias suficientes para comprovarem sua capacidade de pagamento.
O auge foi em 18 de setembro de 2008, quando foi à falência o Lehman Brothers, um dos mais tradicionais bancos de investimentos dos EUA, e as bolsas do mundo inteiro despencaram, na chamada “segunda-feira negra”, a maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929.
EXEMPLO DO BRASIL – Depois do vendaval, é bom analisar o que acontece no Brasil, onde o mercado imobiliário não anda nada bem. O mais interessante é o inacreditável número de imóveis vazios em praticamente todas as grandes cidades do país. E o que acontece? Nada, rigorosamente nada. Os preços dos imóveis não despencam, o máximo que acontece é o mercado ficar desaquecido.
Isso significa que o Brasil representa a desmoralização do capitalismo, porque aqui o mercado não funciona direito. Muito pelo contrário. Cada vez aumenta mais o número de imóveis desabitados (prédios inteiros ficam vazios), o preço não cai, enquanto a favelização prossegue. é uma praga nacional.
No capitalismo do genial Adam Smith, tudo poderia se acertar. Os preços dos alugueis cairiam drasticamente, atraindo a classe média emergente, os imóveis vazios iriam sendo ocupados, a favelização perderia a força.
MATRIZ E FILIAL – Essa situação esdrúxula pode ser explicada pelas diferenças entre matriz e filial. A concessão de hipotecas sobrepostas aconteceu na matriz U.S.A., mas jamais aconteceria na filial Brazil, porque aqui há menos bancos, que convivem entre si, ao invés de competirem.
Para arranjar um empréstimo aqui na filial é uma dureza, o cliente precisa dar garantias absolutas. Por isso, não há falências de bancos e as intervenções do Banco Central são raríssimas. Assim, estamos a salvo do Subprime.
A economia brasileira seria a desmoralização de Adam Smith? Bem, não podemos acreditar que isso ocorra. O mais provável é que os proprietários de imóveis vazios um dia se cansem de pagar IPTU e facilitem venda ou aluguel, causando uma forte queda no setor imobiliário em geral.
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P.S. 1 – É preciso entender que o famoso mercado de Adam Smith não funciona sozinho. O grande economista John Maynard Keynes ensinou que às vezes o Estado precisa intervir. Vejam o caso do centro do Rio de Janeiro, com um número enorme de edifícios vazios. Custaria pouco transformá-los em unidades residenciais. Mas ninguém quer morar, porque não há supermercados.
P.S. 2 – Bem, se for isso, fica mais fácil resolver. Basta o poder público criar mercados populares, como se fez no governo de Getúlio Vargas. Sai barato e funciona.
P.S. 3 – Essas reflexões nos levam a raciocinar sobre o mercado financeiro e a situação privilegiada dos grandes bancos no Brasil, onde são absolutamente protegidos de crises, que é um belíssimo tema para um outro artigo. Mas quem se interessa? (C.N.)