Deu em O Globo
A tragédia que aflige o povo ianomâmi parece distante de uma solução, a despeito das ações do governo Luiz Inácio Lula da Silva. No ano passado, foram registradas 363 mortes nas aldeias, 6% a mais que as 343 notificadas em 2022, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde na semana passada. O governo alega que os números anteriores estavam subnotificados e que a presença mais intensa do Estado na reserva permitiu melhorar os registros.
Por mais que isso possa ser verdade, as mais de três centenas de mortes — resultado de malária, desnutrição, diarreia, pneumonia e outras mazelas — são sinal contundente do fracasso. O próprio governo admite que ainda há subnotificação nos números.
CLIMA GENOCIDA – Em janeiro do ano passado, um dia depois de o Ministério da Saúde decretar emergência na reserva ianomâmi, Lula visitou a região ao lado de oito ministros. A situação não era diferente da exibida em reportagem do Fantástico em 2021. Crianças e mães esquálidas eram o retrato de uma comunidade abandonada pelo poder público.
Politizando a questão, Lula acusou Jair Bolsonaro de genocídio contra o povo ianomâmi e disse que a situação demandava “medidas mais drásticas”. Pelo visto, ficou no discurso.
É verdade que as Forças Armadas foram envolvidas em ações emergenciais, mas, além de insuficientes, elas não tiveram continuidade. A anunciada repressão ao garimpo ilegal fracassou. Sem medidas permanentes, os garimpeiros expulsos da reserva não tardaram a voltar. No fim do ano passado, o próprio governo reconheceu o problema.
POVO ABANDONADO – Na prática, o povo ianomâmi continua abandonado à própria sorte. Os distritos de saúde nas aldeias, quando existem, não têm equipes médicas ou remédios suficientes para doenças evitáveis.
Em setembro passado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrou do governo um relatório detalhado sobre as medidas adotadas para proteger os ianomâmis. A decisão foi tomada depois que associações indígenas denunciaram aumento no garimpo ilegal.
Nos últimos dias, diante da repercussão negativa do aumento nas mortes, o governo anunciou a construção de um hospital indígena em Boa Vista.
POUCO FEZ – Trata-se, porém, de medida de longo prazo, sem efeito num presente desalentador. Compreende-se que qualquer intervenção no território onde vivem mais de 30 mil ianomâmis demande logística complexa.
Mas o próprio governo prometeu reagir ao abandono da gestão anterior e, até agora, pouco fez.
É uma vergonha o que acontece na reserva ianomâmi. O governo tem obrigação de levar assistência médica às aldeias. Ao mesmo tempo, precisa combater o garimpo ilegal, que, ao contaminar as águas dos rios, também contribui para degradar a saúde da população. Lula deveria falar menos e fazer mais pelo povo ianomâmi.