Luiz Felipe Pondé
Folha
Uma mega tendência, dizem os especialistas, em futuro próximo, é a queda sustentada da natalidade no Brasil. Essa mega tendência é comum em países que se modernizaram. No Brasil, esse é um problema a mais porque o país envelheceu e não enriqueceu. Jovens geram mais riqueza e custam pouco, idosos geram menos riqueza e custam caro – pura estatística, inteligentinhos idosos ofendidos não precisam sair me xingando.
Esse processo não deverá mudar, porque as causas são históricas, sociais, existenciais e econômicas. Esse tipo de coisa não se muda com um workshop de mentoria ou mentiras do marketing. E a principal razão é associada aos “ganhos” da modernidade.
MELHOR NÃO TER – Uma nova sabedoria popular afirma por aí que, em matéria de filhos, o pior são os primeiros 40 anos. Afora a anedota, reside aqui uma motivação bastante séria para a queda da natalidade, filhos viraram um ônus grave para os candidatos a pais e mães – altamente neuróticos hoje. Melhor não os ter.
Filhos, durante milênios, foram o simples resultado da alta atividade sexual na espécie. Sem TV, sem celular, sem jantares sociais, sem carga exaustiva de trabalho, a humanidade, de média etária jovem, tinha no sexo sua principal diversão —isso para não falar no imenso número de estupros sistemáticos que deixavam as meninas grávidas já desde a primeira menstruação.
Como se costumava saber, quando mulheres jovens transam e homens gozam dentro delas, a chance de engravidar é enorme.
O “progresso moderno” da humanidade transformou essa relação milenar num processo passível de grande espaço para gestão estratégica. O comportamento sexual e afetivo das pessoas passou a ser visto como um dos tópicos da agenda de planejamento de carreira. O que antes acontecia de modo espontâneo, assim como se respira, se transformou em objeto de cálculo de consequências. Essa passagem do espontâneo, impensado, ao calculado é a modernidade entre as pernas das mulheres.
FILHOS PLANEJADOS – Filhos hoje são matéria de contabilidade. Pesam-se muitas coisas antes de deixar um espermatozoide apressado chegar a um óvulo desavisado. Evidente que acidentes continuam a acontecer, mas ser moderno é exatamente calcular tudo de forma eficiente para evitar acidentes. A própria noção de que a maternidade seja um telos – finalidade essencial – da condição feminina é considerado machismo.
Filhos hoje são sinistros jurídicos. Implicam custos imensos em caso de separação – casamentos hoje são solúveis em água e filhos são uma imensa pedra em meio a reorganização da vida pós-casamento.
Homens reclamam que no Brasil qualquer juiz toma um terço da sua renda sem a menor atenção ou análise mais detida da situação do ex-casal, quase como uma punição, enquanto mulheres reclamam que os pais fogem da responsabilidade e as deixam a ver navios com o pepino a ser descascado, atrapalhando, inclusive, sua futura vida sexual, afetiva e profissional.
LIGAÇÃO ETERNA – O fato é que filhos são sólidos demais para uma existência que se move no líquido, como diria Bauman (1925-2017).
Quando você tem um filho com uma pessoa, você está ligado a ela para sempre, o que, em nossos dias, pode implicar um enorme problema em vários níveis dos cálculos existenciais que caracterizam a vida contemporânea.
Filhos implicam em escola, saúde, atenção, finais de semana, férias, fracassos nas expectativas de que serão o que os pais pensam que seriam quando crescessem, incertezas quanto ao retorno do afeto dado a eles quando crianças, enfim, um mergulho que coloca você diante da contingência.
DIZIA BACON – Aliás, como dizia o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), quando um homem casa e tem filhos, oferece reféns para a contingência.
Mulheres veem filhos como um alto risco para sua independência e carreira profissional. O maior ônus biológico é delas, indiscutivelmente. Além das variáveis psicológicas e estéticas em jogo, são tomadas como por um tsunami de novos eventos, transformações e sentimentos.
A mulher emancipada pensa mil vezes antes de ter um filho, dois nem pensar. E isso não vai mudar. O futuro é dos idosos solitários. Parabéns, modernidade!
“Dendos”, em: https://www.facebook.com/share/r/YzvvBJpQ5x6c3Zk5/?mibextid=oFDknk
As projeções exageradas e as generalizações estúpidas sobre escolhas que são estritamente pessoais: casar, ter um número exato de filhos, envelhecer produtivo e com excelente saúde e, portanto, com baixo custo, passam e ainda passarão por mudanças significativas e de perspectivas.
Minha primeira e única esposa ao longo das décadas e eu optamos pela reposição, dois filhos, um casal de seres humanos, criados com toda a qualidade e dedicação.
Não há um padrão rígido e escolhas pessoais, existenciais e racionais de uma família feliz, produtiva e saudável não são variáveis controláveis, principalmente pelo Estado.
É uma liberdade inerente à natureza e à dignidade humana.