Denúncias que atingem Bolsonaro não são capazes de destruir o bolsonarismo

Pesquisa pioneira revela percepções de eleitores bolsonaristas e aponta que posições extremas são minoritárias - UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

A polarização mais parece uma doença incurável

Bruno Soller
Estadão

“Eu não sou um ser humano, sou uma ideia. E não adianta tentar acabar com as ideias.” Essa frase de Lula, momentos antes de ser conduzido à prisão, provou com o tempo que o atual presidente da República estava certo sobre o seu papel na consciência de parte do eleitorado brasileiro. Com o complemento de que a “morte de um combatente não para a revolução”, Lula provou anos mais tarde que a sua representatividade perante o eleitorado mais pobre do Brasil não teve sequer um abalo.

A própria votação expressiva de Fernando Haddad, em 2018, quando Lula ainda estava encarcerado já prenunciava a sua força, para quando voltasse. A identidade de valores e ideias é muito mais forte do que o fato, principalmente quando conduzido por quem o eleitor mais rejeita.

INJUSTIÇAS – A prisão de Lula para muitos brasileiros de classe D representou o dia a dia das injustiças que sob seu prisma enxergam. Em um grupo qualitativo, um homem de classe D, da cidade de São Paulo, foi categórico: “Bastou um pobre chegar ao poder pra o chamarem de ladrão.”

A percepção de que todo político leva vantagem quando está com a caneta na mão e a própria fala de muitos entrevistados que acabam por assumir que se tivessem no mesmo lugar também aproveitariam das benesses do poder, relativizam a ideia da corrupção, que parece endêmica e de resolução quase impossível.

A frase do “por que só ele?” deu uma sensação de perseguição a quem apoiava Lula. Inteligentemente, a comunicação do presidente sempre bateu na tecla da prisão política e da caça ao homem que olhava para quem o poder econômico e as elites desdenhavam.

DO OUTRO LADO – Na contraposição a isso, o bolsonarismo também se estabeleceu como uma ideia. Jair Bolsonaro veio com a missão de mostrar a uma parte do eleitorado que suas convicções eram possíveis e tinham voz e eco. Bolsonaro rompeu com a alckimização da política.

Geraldo Alckmin se tornara relevante justamente por sua discrição e temperança. Alcunhado por Maluf como “Picolé de Cuchu”, Alckmin inaugurou uma fase de políticos que evitavam o confronto e buscavam consenso. Sua fórmula de sucesso deu cabo quando a efervescência política durante o governo Dilma, que culminou no seu impeachment, ganhou a sociedade brasileira.

Bolsonaro encarnou o anti-lulismo e com suas posições duras e de enfrentamento conseguiu reunir muitos adoradores, atingindo algo que apenas Lula, desde a redemocratização o conseguira.

JÁ DÃO RESPOSTA – Nas redes sociais já é possível ver a resposta do bolsonarismo às operações que atingem diretamente o ex-presidente e seu entorno, acusados de prepararem e arquitetarem um golpe de Estado.

Por meio até mesmo do humor, muitos influenciadores da bolha bolsonarista já minimizam o fato, mostrando que há em voga um trabalho comandado pelo STF, encarnado na figura do ministro Alexandre de Moraes, para prender Jair Bolsonaro.

Ao admitirem que há um método e que há o pior resultado possível no final, o processo perde novidade e fica com cara de armação. Nesse contexto, tudo o que for levantado como possível prova é descredibilizado. Vale a teoria, não os fatos. A ideia é quem comanda a narrativa.

GANCHO PARA DEFESA – A própria relação de Lula com a política externa e a permissividade com ditaduras em países vizinhos como a Venezuela servem de gancho para a defesa dos bolsonaristas. Como alguém pode se dizer defensor da democracia se apoia Nicolas Maduro?

Nesse ínterim, novamente a percepção sobre o que é a democracia entra em imersões difíceis de uma análise minimamente racional. A democracia defendida por uns é diferente da democracia defendida por outros, criando dualismo que não teria motivo para existir.

Uma possível prisão de Bolsonaro não fará o eleitor querer votar em Lula. Esse caminho, por ora, é sem volta. A oscilação do voto no Brasil está muito mais ligada a questões econômicas do que qualquer outra coisa.

VOLTA A INFLAÇÃO – Ao governo Lula, a preocupação maior deve ser com a carestia que insiste em deixar o supermercado do brasileiro impagável.

O preço do arroz, do feijão, de legumes tem assustado muitos que votaram em Lula, justamente com a esperança de um retorno na capacidade de compra e uma vida financeira mais saudável. O que muda voto no Brasil é a quebra de expectativas e não a certeza de caminhos.

Para a terceira via, diminuta no Brasil, e que pendeu para Lula no segundo turno das eleições passadas, a percepção sobre o fato é expressa nas palavras do ex-presidenciável João Amoêdo, que em sua conta no antigo Twitter, agora X, relembrou que o voto em Lula “era a única forma de evitarmos um golpe que aconteceria com grande chance de sucesso em 2026.”

POLARIZAÇÃO – Os comentários sobre sua postagem mostram que o apoio a sua fala é feito por lulistas e a rejeição por bolsonaristas. A ele cabe o papel de ecoar um sentimento dos apoiadores de Lula com uma fantasia diferente, mais crível a uma parcela ínfima da população. É uma frente de defesa para a classe A, 2,8% do Brasil. Para os bolsonaristas é mais um integrante do sistema e da política que persegue o ex-presidente.

A polarização no Brasil existe de maneira muito presente desde 2006 e pautada sempre na figura de Lula. Os candidatos tucanos: José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves tiveram por osmose o voto da rejeição a Lula, mas Bolsonaro conseguiu além de receber esse eleitor, fideliza-lo a tal ponto, que o fez passar do sentimento apenas de contrariedade para o positivo e afirmativo.

Bolsonaro virou uma ideia e como tal não pode ser preso. Sua força enquanto movimento persistirá e corre o risco de voltar mais forte, caso Lula não entregue o que prometeu ao povo. A história tem todos os vieses de um ciclo, os personagens é que podem alterar os resultados finais.

3 thoughts on “Denúncias que atingem Bolsonaro não são capazes de destruir o bolsonarismo

  1. Acho que os comportamentos e atitudes ” criminosas ” do então presidente jair messias bolsonaro , ao longo de todo seu mandato deveriam sair imediatamente do âmbito ” político ” , e serem tratadas exclusivamente no âmbito criminal , para não perder sua legitimidade legal .

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