Luiz Felipe Pondé
Folha
Você conhece filósofos espanhóis do século 20? Xavier Zubiri, Maria Zambrano, Miguel de Unamuno, José Ferrater Mora —conhecido pelo seu colossal dicionário de filosofia em quatro volumes robustos e que leva seu nome— ou Ortega y Gasset, não aparecem nos currículos oficiais dos cursos de filosofia no país.
Uma pena. São autores elegantes e originais. Algumas das suas obras estão traduzidas para o português. Um dos maiores, sem dúvida, foi Ortega y Gasset. Nove de maio seria seu aniversário.
IDIOTAS COM DIPLOMAS – Seu best-seller é “A Rebelião das Massas”, de 1929, muito citada —seu título, principalmente— mas, lida por 1% de quem a cita. Caso o autor vivesse entre nós hoje, seguramente diria: “Eu bem que avisei que os idiotas com diplomas invadiriam o mundo do pensamento público”.
Faço uso de licença poética nessa citação porque ele nunca disse isso assim, mas, quem conhece essa obra sabe muito bem que a “massa” aqui não é gente comum sem formação escolar, mas pessoas formadas nas escolas e universidades e que, por terem diplomas ou sucessos profissionais em suas áreas, passam a achar que entendem de tudo.
Dito de forma direta: não é o porteiro do seu prédio, é você mesmo, o tiozão da internet e sua família inteira, que dão opinião sobre assuntos dos quais nada sabem, a não ser poucas linhas que leram nas redes ou algum vídeo que chegou até seus celulares. Um profeta esse filósofo madrilenho.
GRANDE OBRA – Mas hoje gostaria de falar para você de uma conferência proferida por ele em Buenos Aires, em 1939, durante seu exílio, que será a abertura do seu curso “El Hombre y la Gente”. A conferência se chama “Ensimismamiento y Alteración”. Este curso é um esboço sólido do que poderia ter sido sua grande obra sociológica.
O título da conferência remete à discussão do autor que opõe a capacidade que o homem tem de recolher-se em si mesmo —ensimesmamento— e escapar do “olho do mundo” versus a incapacidade animal de escapar a inquietação.
Ortega y Gasset dirá que o homem pode “fugir do mundo” porque tem a si mesmo —claro que o leitor com repertório sentirá laivos românticos nessa afirmação. Outra referência segura é o fundamento estoico da sua fala.
UM SI MESMO – Quando nos compara com o símio nos faz pensar o quanto nosso irmão macaco sofre porque, aparentemente, não tem um si mesmo capaz de protegê-lo da inquietação infinita que é a existência no mundo e na natureza, essa besta fera devoradora de seres vivos.
Esse si mesmo, no entendimento do nosso autor, não é o universo dos traumas psicológicos, mas nossa capacidade de ver o mundo através do pensamento que nos prepara para a ação nele. Ortega y Gasset está falando do clássico par da filosofia e da espiritualidade “contemplação e ação”.
Para o autor, o pensamento organizado, que é o que importa na sua fala, fruto desse recolhimento em si mesmo, é uma conquista cotidiana, não um dom. O homem não é um animal racional. Alguns tornam-se racionais à custa de muito esforço. O risco é não se tornar racional e acabar por realizar a “rebelião das massas”, em curso agora, muito mais do que em 1929, quando ele fez sua profecia.
DRAMATISMO – Esse risco de perder-se enquanto possibilidade é o que ele chama de “dramatismo”. O homem é um animal dramático. Seu drama é sempre estar correndo o risco de chafurdar na inquietação, fruto da submissão sonambúlica ao mundo, nas suas diversas formas de atribulação.
Ortega y Gasset capturou como ninguém na primeira metade do século 20 a dinâmica moderna para além das guerras horríveis do período. A modernização tem uma dimensão destrutiva em curso, imersa no ridículo do ruído da massa. Para o autor, o que essa inquietação destrói é a possibilidade da tranquilidade da alma, sem a qual nenhuma verdade é possível.
Sei, se você é um daqueles que descobriu o relativismo ontem e repete frases do tipo “a verdade depende do ponto de vista”, podemos adaptar a brilhante ideia do autor, de vincular verdade e tranquilidade, da seguinte forma: só na tranquilidade você pode chegar a ter algum ponto de vista que preste.
Já dizia Nelson Rodrigues: Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.
O problema do mundo não são os idiotas, até porque eles sãos passivos, e passíveis de serem levados no bico, no berrante e até conduzidos como boiadas o tempo todo, principalmente por veículos de enganação a soldo do capital velhaco, como soe acontecer no Brasil há muito tempo, de modo que o problema do mundo são os psicopatas, principalmente os loucos por dinheiro, poder, vantagens e privilégios, sem limite$, capazes de tudo e qualquer coisa para lograrem os seus intento$, tipo esse que infelizmente invadiu a seara política.
1) Dos 4 volumes originais, a Editora Martins Fontes publicou no Brasil, uma síntese do “Dicionário de Filosofia” do espanhol José Ferrater Mora, 742 páginas.
2) Eu tenho um exemplar, e sempre aprendo.
1) A síntese foi supervisionada pelo próprio Ferrater Mora e aprovou o produto final.
2) Foi a professora Priscilla Cohn quem batizou o seu rebento de “Version Abreviada”.