Discurso de Marçal contra o sistema esconde ligação com o que há de pior

O candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) durante corpo a corpo em ato de campanha no Parque do Ibirapuera no último dia 2

Sob todos os aspectos, Marçal mostra ser um tremendo enganador

Malu Gaspar
O Globo

Pablo Marçal bagunçou o cenário da disputa pela Prefeitura de São Paulo ao se apresentar como candidato antissistema. Na definição que ele mesmo deu numa sabatina do UOL: “O sistema não é a lei. O sistema é o modus operandi pelo qual o político toca a política”. Ser antissistema, segundo ele, não é querer “entrar no sistema”, e sim “colocar [no sistema] pessoas que não se curvem” a ele. O escrutínio das últimas semanas mostrou que não é bem assim.

O ex-coach confessa que se faz de idiota nos debates e entrevistas porque “o público gosta disso”. Finge ser o que não é para enganar o eleitor — típico modus operandi dos políticos tradicionais.

PARTIDO PODRE – Seu partido, o PRTB, já abrigou figuras como Fernando Collor de Mello e Hamilton Mourão. O fundador, Levy Fidélix, vivia de ser dono de partido. Disputou várias eleições e perdeu, mas sobreviveu mais de 30 anos na política pendurado no fundo partidário, negociando apoios à esquerda e à direita.

O novo presidente, Leonardo Avalanche, é acusado pela viúva de Fidélix e por um grupo de ex-aliados de ter tomado a legenda na mão grande, desrespeitando o estatuto e acordos com eles.

Em áudios incluídos nos processos judiciais em torno do caso, Avalanche aparece falando que obteve a intervenção que lhe permitiu tomar controle do partido, em fevereiro deste ano, depois de negociação envolvendo o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.

NO “SISTEMA” – Pacheco e Temer negam, Moraes não comenta o assunto. Nada garante que Avalanche tenha falado a verdade, mas, convenhamos, não existe história mais “do sistema” do que essa. Em sua defesa, Marçal diz que não gosta de partidos e que, se pudesse, não seria filiado a nenhum. Também aí, nenhuma novidade. Para ficar em apenas um exemplo, Jair Bolsonaro, que já foi antissistema um dia, também trocou de partido inúmeras vezes, mas foi domesticado pelo fundo eleitoral centimilionário do PL e agora vive equilibrando seu discurso com o medo de ser preso por Moraes.

Para não ter de criticar Moraes, aliás, Marçal chegou a cancelar uma entrevista com um canal de direita. “Não tenho medo de tomar tiro, mas nem por isso vou entrar no meio de um tiroteio”, justificou em privado, ao pular fora do compromisso.

Os bolsonaristas desconfiam que a atitude tenha relação com o “favor” que Avalanche diz ter ganhado do ministro — que Marçal nega. Mais uma vez, a política como ela sempre foi.

GESTOR EFICIENTE – Ele também se apresenta como gestor eficiente, que transporá sua capacidade empreendedora à Prefeitura. Além de já termos visto esse discurso antes, com João Doria, a própria capacidade de gestão de Marçal parece não ser tudo isso. Ele diz que seu “império” vale R$ 5 bilhões, mas seu patrimônio não passa de R$ 300 milhões, somando o que ele declarou ao TSE ao que deixou de fora, de acordo com a Folha de S.Paulo.

Desde que Marçal apresentou sua candidatura, a toda hora surge uma revelação que vincula algum personagem de seu entorno ao Primeiro Comando da Capital, o PCC. Do próprio Avalanche, que disse em áudio ter soltado o traficante André do Rap, a seu segurança, investigado por matar uma pessoa jurada de morte pela facção.

O ex-presidente estadual do PRTB Tarcisio Escobar, indiciado por trocar carros de luxo por cocaína. Um “despachante” que representa sua empresa de aviação e foi preso em 2021 por fornecer aeronaves para trazer 5 toneladas de cocaína da Bolívia ao Brasil.

CONDENAÇÃO – Marçal chegou a ser preso e condenado por participar de uma quadrilha que aplicava golpes enviando links falsos para correntistas de bancos. Ele diz que nunca roubou nada de ninguém e que provará que não tem nada a ver com o PCC.

Até agora, vem convencendo parte do eleitorado. Juntando a linguagem tiktoker burilada no algoritmo ao discurso de coach-pastor, catalisou o sentimento de indignação de quem está nas franjas do espectro social e cultural e não enxerga brecha para subir na vida. Os milhões de cortes, as frases abiloladas e a retórica agressiva que agitam a massa amplificaram a narrativa do sujeito de família humilde que chegou ao topo da pirâmide para desafiá-la.

Aí reside o apelo antissistema de Marçal. Só que, como ele mesmo já confessou, não tem nenhum pudor de fingir ser o que não é para conseguir o que quer. E o que ele é está cada vez mais claro para quem se dispõe a enxergar: um personagem que não só está entranhado no sistema, mas associado ao que há de pior dentro dele.

7 thoughts on “Discurso de Marçal contra o sistema esconde ligação com o que há de pior

  1. O bêbado e o equilibrista.
    Na filosófica questão o bêbado ficou de fora, meteram a faca no equilibrista. “Jair Bolsonaro, que já foi antissistema um dia, também trocou de partido inúmeras vezes, mas foi domesticado pelo fundo eleitoral centimilionário do PL e agora vive equilibrando seu discurso com o medo de ser preso por Moraes.”
    Entonces eu vos pergunto, qual vivente de direita que não tem medo de ser preso por Alechandre?

  2. Não conheço a Dna. Malu, não lhe devo nada, mas lhe serei eternamente grato por seu livro “A Organização” e concordo com o conteúdo
    desse post até nas vírgulas.
    Uma pena, ver como inveja e despeito escorrem neste mural.

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