J.R. Guzzo
Estadão
O calamitoso debate que acaba de se ver entre os candidatos à Prefeitura da maior, mais rica e mais moderna cidade do Brasil deixou as classes culturais indignadas com as cenas de sarjeta ali exibidas, e com os responsáveis por elas. Condena-se severamente o candidato que deu cadeiradas ao vivo no adversário – ou então defende-se o seu “direito de legítima defesa da honra”, como alegavam antigamente os advogados de defesa dos maridos traídos.
Condena-se o candidato que recebeu as cadeiradas, pelos insultos que fez ao opositor. Condena-se os partidos que lançaram um e outro na disputa pela prefeitura de São Paulo.
FIM DA PICADA – Tudo isso é muito razoável, mas deixa de lado o que provavelmente está no coração do problema: como e porque a eleição para escolher o prefeito da cidade tida como a mais civilizada do Brasil foi acabar desse jeito?
É isso o que São Paulo tem de oferecer aos eleitores – não haveria, entre os 9 milhões de pessoas aptas a votar e receber votos no município, nada um pouco melhor? Tem de haver, pela lei das probabilidades e pela lógica elementar. Mas o que se está vendo na vida real é a exaustão absoluta do eleitor com a política “normal”. O que aparece, então, é a política anormal.
Zero por zero, por que não mais um zero? – e que não enche a paciência do eleitor com “programas de governo”, “políticas públicas”, “planejamento” e outras mentiras contadas com boa educação?
TUDO ERRADO – O fato indiscutível é que os candidatos descritos como absurdos só existem porque um número cada vez maior de eleitores não respeita, não se interessa e não acredita nos candidatos “aceitáveis” – os oriundos das estruturas políticas que estão aí. Para resumir a opera: dá para alguém levar a sério uma atividade em que o senador Rodrigo Pacheco, por exemplo, é tido como “importantante”?
Nem se fale do resto. Há o chefe de governo que promete combater as queimadas do Brasil em Nova York – denunciando a “crise do clima” como culpada pela incompetência terminal de seu governo no trabalho mínimo de prevenção aos incêndios. Há a clara percepção que o País é governado, nos mais diversos níveis, por fugitivos de uma colônia penal.
Há o STF que proíbe 20 milhões de brasileiros de se expressarem no X – e que devolve aos corruptos confessos os bilhões de reais que pagaram em multas para não serem presos.
HÁ ALGO PIOR – Há o ministro que assediava mulheres. Há os ministros que usam dinheiro público para construir estradas em suas fazendas.
Por que qualquer dessas coisas, e todas as outras iguais a elas, seria melhor do que as cadeiradas? Por que as mentiras ditas pelos candidatos a prefeito de São Paulo seriam piores que as mentiras ditas pelo presidente da República? Porque tantos eleitores não têm mais nenhuma paciência com os candidatos tidos como “sérios”?
O Brasil bem pensante põe a culpa nas deficiências do eleitorado. Só está interessado no seu bem-estar pessoal. Não pensa num “projeto de país”. Fica vendo coisa na internet, em vez de ler e ouvir os analistas políticos. Pode ser. Se for, vai ser preciso importar de fora um outro eleitorado.
Não é só em política, é em tudo estão nos levando a ter asco. Atividades esportivas e relacionamentos das pessoas estão no mesmo nível. Acho que é uma repetição de uma fase de nossa história que ficou conhecido como Idade das Trevas