Há censura no Brasil? Eis a pergunta que Moraes e o STF não querem responder

Tribuna da Internet | Inquérito eterno no STF contra 'atos antidemocráticos' é declaração de guerra

Ilustração reproduzida do Arquivo Google

Fernando Schüler
Veja

“Para que tanta censura?”, começou perguntando Elon Musk. Depois o caldo entornou. A bronca de Musk vem na sequência da revelação dos Twitter Files, pelo jornalista Michael Shellenberger, e das denúncias que todos de algum jeito conhecemos. O Estado brasileiro querendo dados de usuários, para saber quem divulga esta ou aquela hashtag, censura a parlamentares, desmonetização e apagamento de contas, e por aí vai.

Os temas envolvidos são políticos, os personagens são políticos, e não há muita novidade aí. A área jurídica da rede disse que “não havia indício de ilegalidade” naquelas opiniões. Mas obviamente o conceito do que é legal ou ilegal se tornou bastante flexível, ao menos por aqui, nos últimos tempos. O direito “líquido”, me disse um colega, bem-humorado, por estes dias. E quem sabe nesse ponto resida boa parte do problema.

O imbróglio, nesta confusão toda, não é Musk. Ronaldo Lemos matou a charada ao dizer que não cabia ao Estado brasileiro fazer todo esse alarde com as declarações de Musk. Bastaria agir na forma da lei, caso a empresa de fato cometer uma ilegalidade. O problema é que as perguntas, alertas e denúncias de Musk incomodam.

Ele faz o papel daquele vizinho que, em um dia qualquer, diz que “está acontecendo alguma coisa estranha naquela casa”. Sejamos claros: o que ele diz sobre censura prévia e controle de opinião, no país, basicamente já sabemos. E fomos empurrando com a barriga.

A diferença é que agora a coisa toda foi jogada em um imenso ventilador. Xingar o Musk, chamar de “menino mimado”, “drogado”, “extremista de direita” e os impropérios de sempre, pode ser um bom divertimento, mas não passa muito de um truque.

FILA DE PERGUNTAS – As perguntas que realmente importam dizem respeito a nós mesmos e à nossa democracia. E nós sabemos quais são: há ou não censura prévia no Brasil? Há devido processo? Acesso de advogados aos autos? E o que vamos fazer com os famosos inquéritos, que já vão para mais de cinco anos? Há uma fila de perguntas, e nada disso tem a ver com Elon Musk, nem será resolvido por ele.

O que me fascina, nessa confusão toda, é o choque entre duas histórias e duas culturas jurídicas. De um brilhante jurista, escutei que “Musk faz isso porque sabe que está protegido pela Primeira Emenda”. Bingo. É porque está sob a guarda das instituições da mais antiga democracia do planeta que Musk pode dizer o que pensa e dormir tranquilo.

Ele sabe que fala ancorado em uma tradição que vem de Madison e Jefferson, do Bill of Rights de 1791, atualizada por gerações de juízes da Suprema Corte americana.

DELITO DE OPINIÃO – Do lado de cá, nós também temos a nossa tradição. Nossas sete constituições, nossas duas longas ditaduras, no século XX. E aquela frase de Sérgio Buarque sobre nosso estranhamento com a ideologia “impessoal” do liberalismo, que “jamais se naturalizou entre nós”.

Choque de culturas significa o seguinte: não há “delito de opinião”, na tradição americana. Diferentemente do que acontece por aqui. Vimos isso ainda agora, quando a Justiça americana negou a extradição do blogueiro Allan dos Santos.

Depois de assistir a vídeos do sujeito, levados pela turma do lado de cá, o funcionário americano (imagino que um tanto entediado), foi claro: “São apenas palavras”. E encerrou a questão. É o mesmo caso do youtuber Monark. Em uma conversa meio sem nexo, na internet, ele resolveu “achar” que qualquer agremiação política, mesmo um partido nazista, deveria ter direito à expressão. Foi o que bastou.

MUDANÇA NAS LEIS – Banimento, processo, pedido de multa milionário. Do seu jeito tosco, ele defendeu o mesmíssimo princípio consagrado no direito americano. O direito afirmado em decisões históricas, como a tomada pela Suprema Corte em 1978, autorizando uma passeata nazista em Skokie, comunidade judaica, perto de Chicago.

O que o youtuber sugeriu, na prática, foi uma mudança na lei brasileira. Da qual discordo, o que é irrelevante. A pergunta é: vivemos em um país onde os cidadãos não podem defender uma mudança nas leis? Defender, por exemplo, algo similar à Primeira Emenda americana? É este o país em que nos transformamos?

É exatamente aqui que entra um novo personagem: Oliver Wendell Holmes. Veterano da Guerra Civil Americana e depois juiz da Suprema Corte, foi ele quem formulou o famoso critério do “risco claro e imediato” para definir os limites da liberdade de expressão.

RISCO IMEDIATO – O caso tratava de um líder socialista da Filadélfia, Charles Schenck, que havia soltado panfletos contra o recrutamento obrigatório na Primeira Grande Guerra. O critério de Holmes era claro: o direito à expressão não deveria depender de interpretações abertas sobre os riscos de uma opinião. O critério deveria ser objetivo: o risco imediato da violência.

Meses depois, Holmes julgaria um caso envolvendo ativistas comunistas, em Nova York, contrários à interferência americana na Revolução Russa. Um deles era Jacob Abrams, judeu e militante de esquerda.

Holmes agiu com base naquele princípio. E o fez na forma de um voto dissidente. Absolveu Abrams e seus colegas, e colocou seu próprio nome na tradição dos direitos e da democracia liberal.

MERCADO DE IDEIAIS – Holmes argumentou que, se há algo que podemos aprender com a tradição moderna, é que não há forma mais segura de nos aproximarmos da verdade do que o “livre mercado de ideias”. E que esta era, em última instância, a “teoria da nossa Constituição”.

É um “experimento”, ele diz, “como toda a vida é um experimento”. Sempre me surpreendo com essas palavras. Da ideia da Constituição como um “experimento”. Holmes havia lido muito Adam Smith, e de alguma forma transfere para o mundo das ideias e do próprio direito o princípio que Smith tão bem compreendeu para a economia.

A lógica simples de que respeitar a regra do jogo, mantendo-se sempre aberta a praça do mercado à livre competição de ideias, é uma ótima maneira de viver. Onde todos ganham, ainda que isso nos custe o preço de muitas péssimas ideias, no curto prazo. O custo, por exemplo, de ideias “perigosas” como aquelas que Abrams e seus amigos espalhavam em uma noite qualquer de Nova York.

LÁ E CÁ – Por vezes as pessoas me sugerem que não há muito sentido em falar da tradição americana. Que somos brasileiros e que por aqui temos outra visão sobre a liberdade de expressão. Discordo. Não me consta que teríamos sido feitos para o cangote.

E, tanto lá como aqui, as leis vedam a censura prévia e não reconhecem o delito de opinião. Também nós temos uma teoria de nossa Constituição, filha dos anos 80 e de seu desejo de garantir a liberdade e limitar o poder. De consagrar uma sociedade aberta, não a democracia de tutela em que vamos nos convertendo. A estranha democracia feita de agentes de Estado bisbilhotando conversas no rádio, vídeos no YouTube, contas no Twitter e bate-papos no WhatsApp.

Se esse será nosso destino ou se andamos apenas num desvio de curso é a pergunta a que devemos responder. Talvez nos falte um Holmes ou um Madison, lá atrás. Ou, quem sabe, uma grande tradição liberal. Não sei. O fato é que nossa marcha da insensatez já foi longe demais. São sobre isso, no fundo, os alertas que nos são dados, por estes dias, aos quais deveríamos prestar atenção.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Enviado por Duarte Bertolini, o artigo de Fernando Schüler é uma aula de política, que exibe os erros gravíssimos que o Supremo está cometendo, ao levar para um buraco imundo a democracia plena pela qual tanto lutamos e muitos morreram na ditadura militar. É preciso dar um basta em Alexandre de Moraes e seus acólitos do STF, que não têm coragem de enfrentá-lo ou são tão ditatoriais quanto ele. (C.N.)

12 thoughts on “Há censura no Brasil? Eis a pergunta que Moraes e o STF não querem responder

  1. É preciso dar um basta em Alexandre de Moraes e seus acólitos do STF, que não têm coragem de enfrentá-lo ou são tão ditatoriais quanto ele. (C.N.)

    3,2,1…..

    • Como sempre o nosso Editor-Chefe dá um direto no fígado dos comunalhas (comuna+canalha).vagabundos psicopatas doentes vermes de latrinas.

      Querem salvar a “suposta democracia” com uma bela ditadura autoritária judiciária….

      Aqui procêis .(como se dizia antigamente).

      Pão com ovo ninguém quer comer….

      abç.

  2. A mídia é usada por prepostos e seus proprietários, para auscultar e identificar contrários e se há combinada permitida censura, essa vigilância se dará obviamente através de substituta forma cruel e então, aguardemos-la…..

  3. Um artigo que não traz nenhuma solução, somente críticas. O que é liberdade de expressão? Não é definida pelo autor.

    Todos os países do mundo estão discutindo a questão que é grave. Liberdade total através das redes sociais? Apologia a crimes e outras coisas?

    Não, isso é libertinagem de expressão. As redes tem a obrigação de revelar os dados (instadas pela justiça) daqueles que ultrapassam os limites ao denegrir pessoas ou instituições, ao divulgar fake news com a clara intenção politica de favorecer ou desfavorecer alguém.

    Fake news, assim como propagandas falsas prejudiciais, fazem mal à população. Libertinagem de expressão é algo ruim que deveríamos repudiar.

  4. Leio que se deve fazer leis para tudo e para todos , mas se esquecem ou omitem o fato das leis já existentes para regular e disciplinar a convivência em uma sociedade como um todo , e nada fazem para aplica-la e impor seu respeito , pelos agentes públicos e pela sociedade em geral , portanto as pessoas que pregam a elaboração de novas leis , na verdade não querem respeitar as leis já existentes.

  5. ARTIGO : IRREPREENSÍVEL…
    Sem aspas…Sem aspas ( RIP …HF…In Memorian )…
    ACOMPANHADO…de um PS…do nosso Querido Editor CN…IRREPREENSÍVEL…

    Dá prazer de ler um artigo fundamentado …embasado…direcionado…e eficaz no seu intento…QUE é definitivamente dizer que LIBERDADE …seja de expressão…de pensamento…e Física…É ABSOLUTA…..CN …No seu PS…Fecha com um primor ABSOLUTO …Este MARAVILHOSO…ARTIGO…Digno de ser COLOCADO Em uma moldura…e fixado em uma parede…ABAIXO …da SAGRADAS ESCRITURAS…DE YAH NOSSO CRIADOR…
    Parabéns CN…Por nos dar um SIMBOLO DA NOSSA LIBERDADE…

    YAH NOSSO CRIADOR SEJA LOUVADO SEMPRE…
    O ALTÍSSIMO….

  6. O termo liberdade de expressão se encerra em si próprio.
    Patrulhar o pensamento alheio é censura, as leis estão aí mesmo, é só aplicá-las.
    A censura sempre foi o pecado de origem do esquerdismo.
    Vide Coreia do Norte, Cuba, China e Rússia.

  7. Foi preciso alguém lá de fora nos dizer o que nos recusamos a ver, ou a noticiar. Da noite para o dia até a imprensa chapa branca acordou para a realidade. Depois que o dono do X disse que o Stalinácio está na coleira do Xandão cabeça de ovo a mídia se revoltou, caiu na realidade, se deu conta de que elegeu não só o presidente da república, mas também os supremos da suprema corte para governarem com ele. Aí a coisa degringolou, excesso de poder nunca fez bem a ninguém e nunca fará. Agora estamos no impasse, de quem tirar o poder, tirar primeiro a coleira do Stalinácio? Ou tirar o poder de quem pôs a coleira no cara? Difícil resposta..

  8. A censura do Brasil está localizada na imprensa aparelhada, mercenária, venal, que atua feito milícia do capital velhaco, conservadora do sistema apodrecido, mais conservadora do que o próprio sistema, que, pelo visto que fechar a Internet, para continuar reinando absoluta e extorquindo governos corruptos, sem autoridade moral, que para a dita-cuja é o prato cheio.

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