Em choque com Brasil, a Argentina propõe acordos bilaterais no Mercosul

A ministra das Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto da Argentina, Diana Mondino, e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, em encontro no último mês de abril

Ministra argentina quer mudar as regras existentes no Mercosul

Felipe Frazão
Estadão

Em novo choque com a posição defendida pelo governo Lula, a delegação da Argentina defendeu na reunião do Mercosul que o bloco mude suas regras e autorize os membros a firmar acordos comerciais bilaterais com outras nações e grupos. As atuais normas impedem esse tipo de negociação comercial país a país. Os ministros das Relações Exteriores também queixaram-se do estágio de negociações com a União Europeia.

A chanceler da Argentina, Diana Mondino, representante do presidente Javier Milei, defendeu que o bloco tenha “flexibilidade” e aceite, a depender da situação, que um país feche acordos de livre comércio isoladamente. Ela falou em reunião do Conselho Mercado Comum, neste domingo, dia 7, antes da chegada dos presidentes, em discurso que pela primeira vez detalhou as intenções do governo Milei no bloco.

DISSE A CHANCELER – “Pensemos na possibilidade de que haja acordos bilaterais. É muito difícil que todos estejam de acordo em todos os temas. Eventualmente pode haver um caso em que um acordo comercial bilateral seja conveniente”, disse a ministra argentina, que defendeu uma revisão gerencial sobre o funcionamento do Mercosul.

Foi a mais longa intervenção de um chanceler e Mondino voltou a falar nesta segunda-feira, dia 8, já que Milei boicotou a cúpula e não viajou a Assunção, no Paraguai. “São iniciativas positivas para que possamos trabalhar melhor, não eliminar nem matar nada.”

Com isso, a Argentina se somou a antigo pleito do Uruguai, que sob o governo de centro-direita de Lacalle Pou também levantou esse pleito, com foco em um tratado de livre comércio com a China. Montevidéu argumenta que não haveria prejuízo em sair na frente nas negociações com Pequim.

BRASIL REJEITA – A resposta do Itamaraty já estava dada. Antes da cúpula, a delegação brasileira disse que somente estaria aberta a uma negociação em conjunto, como bloco – jamais de forma bilateral. A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009.

A chancelaria brasileira afirma que o Tratado de Assunção é “claro” ao não permitir negociações isoladamente, em que pese a insistência uruguaia, que agora ganha adesão dos argentinos.

O Brasil e o Paraguai defendem a manutenção das regras atuais. Ambos dizem que devem negociar em bloco. Qualquer alteração no tratado dependeria de um acordo amplo com todos os membros, já que as decisões do Mercosul são tomadas por consenso.

CASO DE TAIWAN – No caso do Paraguai, há ainda uma questão geopolítica de fundo. Embora se diga aberto a negociação com a China, um avanço é considerado por diplomatas remotíssimo ou de chance quase nula, já que o país sul-americano é um dos principais aliados diplomáticos de Taiwan, a ilha que Pequim considera rebelde e planeja retomar.

“As ações realizadas em matéria de relações externas devem ser acordadas e desenvolvidas em conjunto, convenientemente analisadas com o critério da relação custo-benefício, atendendo a interesses genuínos e descartando segundas intenções”, disse o chanceler paraguaio Rubén Lezcano.

“A conjunção dos mercados é uma propriedade compartilhada que não pode ser objeto de disposição individual. Devemos levar em conta que a principal atratividade do bloco está no mercado unificado, pela sua dimensão e capacidade de consumo.”

EFEITO MILEI – Além da questão negocial, a delegação argentina também divergiu do Brasil – como esperado – em uma série de pontos discutidos nas reuniões prévias à chegada dos presidentes. O impacto das posições de Milei sobre o bloco restou evidente, apesar de sua ausência ter esvaziado a relevância do bloco.

A delegação brasileira já tinha explicitado uma divergência com a Argentina, que defendeu a tese de autogolpe na Bolívia – de forma isolada, além do próprio país.

Milei afirma que a quartelada ocorrida no fim de junho em La Paz foi uma fraude. Nos bastidores, a chanceleria argentina se opôs ao avanço de pautas da agenda socioambiental, de mulheres e identitária. Ativistas LGBTQIA+ tem apontado retrocessos com veto a discussões e bloqueio de declarações e termos.

CINEMA E PALESTINA – Também repercutiu na Argentina a informação de que a delegação de Mondino se incomodou com a assinatura de um acordo para promover recursos e alcance ao setor audiovisual e do cinema – com o qual Milei trava uma batalha ideológica no país.
E surpreendeu-se com o fato de o Brasil ter mencionado que colocou em vigor um acordo de 2011, de livre comércio entre o Mercosul e o Estado da Palestina – em gesto político em favor dos palestinos, enquanto Lula vive um momento de quase rompimento de relações com Israel por causa da guerra na Faixa de Gaza. Milei, por sua vez, apoia incondicionalmente Israel e já deixou de ser renunir com países árabes.

Em recados políticos, o chanceler Mauro Vieira disse que o Mercosul deve trabalhar para superar rivalidades. E o anfitrião Lezcano disse que o Paraguai concordava com um Mercosul “pragmático”.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Os chanceleres reclamaram do andamento das negociações com a União Europeia, que o governo Lula fracassou em fazer avançar. Está evidente que o Mercosul está em grave crise e corre risco de se inviabilizar. (C.N.)

1 thoughts on “Em choque com Brasil, a Argentina propõe acordos bilaterais no Mercosul

  1. Quando vão aprender que:

    “Entre nações não existe amizade e sim interesses”.
    John Foster Dulles, Secretário de Estado Americano
    (1888-1959)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *