Brasil tem “leis e jurisprudências ideais” para manter os criminosos em liberdade

Determinadas normas do pacote anticrime podem consagrar a impunidade das elites - Tribuna da Imprensa Livre

Charge do Newton Silva (Arquivo Google)

Roberto Motta
Gazeta do Povo

O Rio de Janeiro está de volta às manchetes criminais depois de incêndios em ônibus – 35 e um trem em um só dia. Foi um novo recorde. Os ataques foram retaliação pela morte de um miliciano em uma operação policial. Hoje a crise é no Rio, mas há pouco tempo era na Bahia. Antes disso, foi no Guarujá. O que está acontecendo com o Brasil?

Faço parte de uma geração que se lembra de um Brasil onde era possível andar com tranquilidade na maioria das ruas da maioria das cidades, na maior parte do tempo. Andávamos por todos os lugares, sem qualquer problema. Não me lembro, em toda a minha infância, de, sequer uma única vez, ter tido qualquer tipo de preocupação com segurança.

PORTÃO ABERTO – Morávamos em Salvador, em uma casa com muro baixo e portão aberto para a rua. Brincávamos soltos nas ruas da cidade. Havia pobreza, claro, talvez até mais dura do que hoje; mas não havia crime – não com a onipresença e a intensidade que conhecemos atualmente.

O que estamos vendo hoje no Rio – no Brasil inteiro – é um filme velho, com personagens cansados e roteiro de segunda categoria.

Esse Brasil – onde o medo não habitava nossas horas acordadas e nem assombrava nosso sono – está logo ali, no passado recente. A crise de criminalidade na qual o Brasil está mergulhado hoje não era inevitável. E da mesma forma que a crise não era inevitável, ela não é irreversível. A causa principal do caos da segurança pública brasileira são as ideias – e a ideologia – que passaram a dominar as políticas públicas e o sistema de justiça criminal.

GUERRA NA ROCINHA – Vale a pena lembrar uma história. Em setembro de 2017 uma guerra estourou no Rio de Janeiro. Era uma guerra entre traficantes. Mais uma. O líder do tráfico na favela na Rocinha, Nem, havia determinado que Rogério 157, seu sucessor no comando, entregasse a chefia da comunidade ao traficante Perninha.

Rogério 157 não acatou a ordem e começou a eliminar os apoiadores de Nem. O resultado foi um racha na facção Amigo dos Amigos (ADA) que controlava a Rocinha. Esse foi o início da guerra.

O que tinham em comum, além de pertencer à mesma facção, os três traficantes protagonistas dessa guerra? Todos já haviam sido presos pela polícia do Rio de Janeiro.

REFÉNS DO MAL – Vamos voltar ainda mais no tempo, porque tudo começa com ideias profundamente erradas que foram convertidas em lei e jurisprudência, e transformaram, a todos nós, em eternos reféns do mal.

Sete anos antes, no dia 21 de agosto de 2010, um sábado, à 6h30 da manhã, traficantes da Rocinha, armados com fuzis, granadas e pistolas, entraram em confronto com a polícia. Durante a fuga, nove criminosos invadiram o Hotel Intercontinental, em São Conrado, localizado ao lado da favela, fazendo 35 reféns, entre hóspedes e funcionários. O grupo era encabeçado por Rogério 157, então um dos seguranças de Nem, que já era chefe do tráfico da Rocinha.

O sequestro do Hotel Intercontinental durou três horas. Diante da superioridade das forças policiais os bandidos se renderam, foram presos em flagrante e denunciados por cárcere privado, sequestro, associação para o tráfico, porte de arma e resistência à prisão.

CERCO À ROCINHA – A invasão ao Hotel Intercontinental teve tanta repercussão – inclusive internacional – que contribuiu para que, pouco mais de um ano depois, em novembro de 2011, a Rocinha e o Vidigal fossem ocupadas pelas Forças Armadas e pela polícia. Durante o cerco às favelas, Nem foi encontrado no porta-malas de um Toyota Corolla, na Lagoa, tentando fugir, e foi preso. Repetindo: tanto Rogério 157 quanto Nem foram presos pelas forças de segurança.

Entretanto, em setembro de 2012 o tráfico da Rocinha comemorou uma vitória: a quadrilha foi beneficiada por um habeas corpus expedido pela 7ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro. O documento determinou a soltura dos criminosos por “excesso de prazo para julgar o processo”. Oito dos nove condenados, que estavam presos preventivamente, foram soltos.

Em janeiro de 2013 os nove criminosos foram julgados e condenados pelos crimes de cárcere privado, sequestro, associação para o tráfico, porte de arma e resistência à prisão. As condenações variaram entre 14 e 18 anos. Apenas três estavam presos; os outros seis foram condenados à revelia.

ALVARÁ DE SOLTURA – Três meses depois, em abril de 2013, em nova decisão liminar, o Tribunal de Justiça do Rio concedeu um alvará de soltura que determinou a liberação dos nove condenados. A decisão atendeu a um recurso da defesa que alegou que “os acusados não puderam aguardar o julgamento em liberdade”.

Você já sabe o que eles fizeram quando saíram da cadeia. Em 2017 os mesmos traficantes começaram uma guerra pelo controle da Rocinha. Não é difícil entender onde estão os erros.

O que estamos vendo hoje no Rio – no Brasil inteiro – é um filme velho, com personagens cansados e roteiro de segunda categoria, cujo final todos conhecemos. Tudo começa com ideias profundamente erradas que são convertidas em lei e jurisprudência, e transformam, a todos nós, em eternos reféns do mal.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGImpressionante o artigo de Roberto Motta, enviado por Mário Assis Causanilhas. Mostra a verdade. A Polícia prende os chefões do crime e a Justiça logo arranja uma migalha jurídica, uma brecha, alguma tecnicalidade para soltar o criminoso, como se ele fosse Madre Tereza de Calcutá. Sinceramente, é desanimador. O artigo reforça a tese do editor da Tribuna — no dia em que a Justiça brasileira funcionar, todo o resto se resolverá. Simples assim. (C.N.)

12 thoughts on “Brasil tem “leis e jurisprudências ideais” para manter os criminosos em liberdade

  1. Soluções simples geralmente não prestam prá nada.

    O articulista escreveu muito superficialmente sobre o problema da criminalidade
    Ora, duvido que ele tenha mais idade que eu, então posso dizer que as raízes dos problemas são antigas. O êxodo rural e a grande taxa de natalidade nos anos 70 criaram as condições propícias à criminalidade, pois zonas de exclusão em cidades proliferaram.

    O boom da tecnologia de comunicações, o apelo ao consumismo, as grandes desigualdades sociais, o consumo de drogas foram os propulsores importantes.

    Aí vem o articulista dizer que a solução é prender. Como? construir mais presídios? Aumentar consideravelmente os gastos em segurança?

    Qual a solução?

    • Como assim, qual a solução ? Revolução Pacífica do Leão presente, alguém me chamou, eu estou aqui, o que é que há ? Os escritos dos escribas conservadores do sistema apodrecido são são patetas e patéticos que dá até dó. Oswaldo Aranha, o faz tudo do Getúlio tinha razão, na seara política e jornalística “o Brasil continua sendo um deserto de Homens, ideais e ideais”, eles não sabe fazer outra coisa senão caminhas para os lados bitolados pelo militarismo e o partidarismo, politiqueiro$, e seus tentáculos velhaco$, não obstante a chegada ao Brasil do Homem do Mapa da Mina do bem comum do povo brasileiro, que depois de Cristo que dividiu a história da Humanidade em antes e depois dele, veio para dividira a história em antes e depois da Democracia Direta com Meritocracia.

  2. Todas as afirmações são corretas, a começar pelo conteúdo do mestre e respeitado Da Matta. Porém, o que deve ser motivo de preocupação ( e é) é a qualidade moral e ética dos “fazedores” da lei; a cada legislatura os pilares da decência são abalados…

  3. O artigo reforça a tese do editor da Tribuna — no dia em que a Justiça brasileira funcionar, todo o resto se resolverá. Simples assim. (C.N.)

    Na mosca.!!!

  4. O tráfico de drogas e as milícias, são duas facções criminosos diferentes, uma vive da compra e venda de drogas, a outra vive de extorquir os moradores e comerciantes das comunidades e pior tem influência nas eleições e mais apoio de agentes públicos.
    As polícias vem combatendo os traficantes pelo enfretamento há décadas, e os traficantes ficaram mais fortes. Essa tem sido a maneira errada de combater o tráfico de drogas. O correto, deve ser combater com inteligência

    Quanto as milícias, tomaram vulto com forte apoio de políticos que tem suas reeleições garantidas aqui no Rio de janeiro. Não são combatidas, como são os traficantes e são prejudiciais aos moradores, como ao estado por diversos motivos.
    Cada gestão de governo que passa fica mais difícil de combater essas facções. Chegamos a situação de difícil combate à essas facções.
    Tem jeito, depende da vontade política.

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