Marcos Augusto Gonçalves
Folha
Até que ponto a volta de Marta Suplicy ao PT para ocupar a função de vice do candidato Guilherme Boulos, do PSOL, é comparável à escolha de Geraldo Alckmin para a chapa de Lula na eleição presidencial?
Alguma correspondência pode ser vista. A ex-prefeita brigou com a sigla na qual fez sua carreira política e apoiou o impeachment de Dilma Rousseff em companhia de conservadores.
ESCOLHA DE DILMA – Acontece que o desentendimento de Marta foi provocado em grande parte pela vontade dela de que Lula substituísse Dilma na corrida eleitoral, escolha que, com o correr do tempo, talvez tenha passado a fazer mais sentido.
O “se” em história é um exercício muito duvidoso, mas sempre é possível especular se o líder do partido, caso eleito, teria feito melhor para conter a crise que acabou por expelir a presidente petista.
A divergência levou a ex-prefeita a filiar-se ao MDB (que depois abandonou) e a ser tratada pela militância como uma traidora que assumia enfim uma posição coerente com sua origem de classe. Apoiar Lula não era, de qualquer forma, uma ideia que pudesse ser classificada como uma deriva da ex-prefeita à direita ou centro-direita – faixa em que Alckmin, seu ex-rival em São Paulo, prosperou.
ACORDO PRÉVIO – Para o pleito deste ano, a proposta de o PT não ter candidato já estava resolvida após um acordo prévio com Boulos, que desistiu de se apresentar ao governo para apoiar Fernando Haddad.
Sabia-se que os petistas desta vez ficariam com a vice e estava contratado que a função caberia a uma mulher. É uma moldura bem mais definida do que aquela que permitiu a escolha do ex-tucano, PSB, para figurar na chapa presidencial.
Embora tenha deixado compreensíveis rancores, a nova conjuntura política favorece o retorno da dissidente à antiga casa, pelas mãos de Lula. Não se conhece mulher no partido com a experiência dela na administração pública de São Paulo e com a sua história de densidade eleitoral na base da pirâmide. São duas deficiências de Boulos, que na última eleição teve um desempenho insatisfatório na faixa de baixa renda e não é testado como administrador.
OUTRA SITUAÇÃO – Não se trata, portanto, de apenas de amenizar a imagem “radical” do candidato com uma vice queridinha da elite ou da classe média raiz da cidade, o que ela não é. Marta não é um Alckmin de saias — ou de tailleur.
Seu nome está associado a medidas populares relevantes, como o Bilhete Único e os CEUs, um acerto replicado às dezenas por sucessores. Boulos tem procurado, com atitudes e discursos, mudar a fama de radical. Caberá a ele, sobretudo, e à sua campanha tentar responder de maneira convincente aos ataques que virão.
Não deixa de ser irônico que uma filha da elite branca de São Paulo venha a contribuir para aumentar as chances eleitorais nas periferias de um nome ligado a movimentos populares. Essa é ao menos a expectativa, baseada no passado, a ser confirmada por novas pesquisas sobre o que ela vai agregar de fato ou não.
PERSPECTIVAS – Marta cometeu erros na sua gestão e não foi reeleita por conta de alguns deles, mas se manteve bem avaliada. Ao abandonar Ricardo Nunes (foi para a prefeitura a convite do tucano Bruno Covas), ela cria também uma lacuna na eventual tentativa de o prefeito querer contar com alguém de trajetória progressista para enfeitar sua campanha.
Resta confirmar se Nunes acabará mesmo nos braços de Bolsonaro e da ultradireita, probabilidade que só aumenta.
Quanto ao futuro de Marta, se a chapa for bem sucedida, a eleição de 2026, para governo e Presidência, poderá dizer alguma coisa. Por ora, para Lula, um êxito nas eleições municipais, com São Paulo no pacote, seria um trunfo relevante para a continuação do governo.