Merval Pereira
O Globo
Estamos numa situação em que, passada a maluquice de Bolsonaro, já está na hora de dar um passo atrás. Uma linha tênue, num caso desses, é possível poder concordar. Quando o Supremo abre uma porta, e em outras ocasiões passam soluções com as quais não concordamos, é um problema. O Supremo tem que criar padrões que ele mesmo tem que respeitar.
O STF tem que criar um mecanismo que evite conflitos desnecessários. Nos Estados Unidos chamam de rightness, em que a causa não está madura. O país tem uma diversidade de opiniões, e o Congresso reflete isso, é conservador e em determinados momentos retrógrado.
CASO DO ABORTO – Se você não aceita a decisão do legislador, tem que mudar o legislador. Isto é, mudar o Congresso. Senão, no fundo, você não acredita na democracia. Na França, a aprovação do aborto na Constituição teve mais de 80% de votos. Aqui no Brasil, um ministro do Supremo disse em uma palestra que, aqui, nem voto para aprovar uma lei têm.
Em uma discussão elitista, estar convencido de que sabe o que será no futuro. Tenho certeza, por certo, de que, no futuro, todos nós seremos vegetarianos, ninguém vai comer carne, disse um ministro. O Supremo julga de acordo com o caso e a cara do freguês. O ministro da Justiça Ricardo Lewandowski foi a público dizer que a delação premiada ia esclarecer o caso Marielle.
Mas ele, quando ministro do Supremo, disse que as delações eram contaminadas por tortura psicológica. Usou a Vaza Jato no voto, e disse que sabia que não podia. Não foi garantista, mas quando anulou as condenações, adotou as do ministro Toffoli. Casuísmo, resultado de uma aplicação inadequada do ativismo judicial.
MUITA CONFUSÃO – Portugal, Espanha, França aprovaram a descriminalização da maconha, e o aborto, na Constituição, na frente de muitos estados americanos. Prisões alongadas, como a do tenente-coronel Mauro Cid, eram rejeitadas, mas aceitáveis na Lava Jato. Isto quer dizer que os ministros do Supremo querem ter o poder para julgar os políticos no STF.
O Supremo não quer o que o ministro Luis Roberto Barroso sugeriu certa vez: criar uma corte especial para os crimes de políticos. Vai criar um super-juiz, e nós vamos fazer o quê?, criticaram ministros do STF.
Quando criaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) na Constituinte, ficaram contra para não perder o poder. Hoje o STJ tem uma estrutura maior que o Supremo, que antes julgava tudo, e mais o que passou para o STJ.
DESMORALIZAÇÃO – A escolha do ministro do Supremo virou uma decisão sobre um juiz do tribunal penal político. É garantista, reconhece a política como atuação importante? É conflito de competência interna. Até o algoritmo está desmoralizado. Alguém que estivesse na posição de Bolsonaro, é razoável ser julgado por Moraes? Estaria definido como “Inimizade capital”, com toda razão.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal não se importam mais com o seu compromisso com os demais Poderes. O Direito pressupõe coerência, integridade. Se o Supremo dá o tom, o Judiciário vai atrás, de acordo com a conveniência do momento. Isso importa para garantir a segurança jurídica com as instituições decisivas.
Não é possível que se decida que o resultado seja definido por inclinações pessoais.