Brasil depende cada vez mais do petróleo, cujas exportações podem superar a soja

Golpe permite que Shell tire petróleo do país sem pagar impostos • Diário  Causa Operária

Charge do Bira (Causa Operária0

Vinicius Torres Freire
Folha

Que a Petrobras tenha estado no centro do noticiário e das controvérsias políticas sociais é um sintoma de que o Brasil se tornou um país petroleiro. Mas talvez não tenhamos percebido o quanto o ouro preto é central na economia brasileira.

No entanto, já está na pauta do debate se devemos dar fim à exploração do petróleo e começar uma transição energética, para a qual também ainda não há rumo. Enquanto isso, torramos as receitas petrolíferas públicas, “do governo”, no dia a dia, sem que o país invista em capacidade produtiva e em transição verde ou melhore a situação das contas públicas.

PREÇO DOS DERIVADOS – Nos anos do governo das trevas (2019-2022) e no início de Lula 3, a Petrobras era notícia por causa do preço dos combustíveis. No momento, discute-se outra vez se a petroleira deve bancar investimentos e subsídios de acordo com os planos do presidente da República. Não é por menos, pois a estatal prevê investir cerca de R$ 100 bilhões anuais de 2023 a 2028, quase o dobro dos recursos que o governo dispõe para investimentos.

Em 2023, 7,6% da arrecadação do governo federal veio da Petrobras: de impostos, royalties, participações e dividendos. A receita total do petróleo foi um pouco maior. A depender de preços internacionais e domésticos, da distribuição de dividendos e da decisão de quanto mais petróleo explorar, a receita petrolífera do governo pode variar.

Nos últimos 12 meses, o valor das vendas de bens para o exterior, as exportações, foi de US$ 345,6 bilhões. De petróleo e óleos combustíveis foram US$ 58,4 bilhões, 16,9% do total. De soja e farelos de soja, foram US$ 63,2 bilhões (18,2% do total).

EXPORTAÇÕES SOBEM – É possível que as exportações de petróleo e combustível ultrapassem as de soja neste ano. Já aconteceu antes, em anos ruins para os grãos e de extravagância do preço do barril. Porém, nunca antes se produziu tanto ouro preto; nunca antes seu peso foi tão grande no comércio exterior ou teve tanta importância sistemática nas contas públicas.

De 2011 a 2023, a produção de barris aumentou mais de 61%; no mesmo período, a parcela do petróleo exportado passou de quase 29% para quase 47% da produção nacional.

As exportações em geral têm crescido muito. A fim de dar perspectiva mais comprida: passaram de US$ 221 bilhões por ano no final de 2019, o ano anterior à pandemia, para US$ 345 bilhões, atualmente. Desse aumento, quase 23% veio de petróleo e óleo combustível; quase 25% de soja e farelo.

AÇÚCAR É DESTAQUE – De um ano para cá, as vendas de petróleo continuaram a crescer, quase ao passo de soja e minério de ferro, embora o grande destaque do período tenham sido os açúcares. Nos últimos 12 meses, o país vendeu US$ 18,8 bilhões em açúcar.

Em 2024 e 2025, o grosso do aumento da oferta de petróleo no mundo deve vir de EUA, Guiana, Canadá e Brasil, segundo o Departamento de Energia dos Estados Unidos. Pelas estimativas da Empresa de Pesquisa Energética, a produção brasileira de petróleo vai crescer cerca de 42% até por volta de 2030. Daí em diante, cairia, sem novas reservas e explorações.

Dado o mau estado das contas públicas, talvez seja possível aproveitar a bonança petroleira apenas a partir de 2027, sendo otimista, a fim de aumentar o investimento público em geral ou subsidiar a transição energética.

LONGO PRAZO – Um plano de substituição do petróleo depende de um planejamento de longo prazo de como arrumar mais energia limpa, o que não temos.

Depende também de quanto mais ainda se pretende explorar, do que se vai fazer do gás e da capacidade da Petrobras de manter a produção e também de render receita para o governo.

Uma empresa com as finanças estropiadas por investimentos ruins e tabelamento de preços vai ser um problema para as contas públicas e para a transição.

Deputada americana defende que EUA retirem visto de Alexandre de Moraes

Alexandre de Moraes tem foto exposta por deputada americana

Maria Salazar quer impedir entrada de Moraes nos EUA

Lucas Ribeiro
Gazeta do Povo

María Elvira Salazar, congressista pela Flórida na Câmara dos Representantes dos EUA, é uma figura política de destaque com uma rica trajetória como jornalista. Filha de refugiados cubanos, ela tem um entendimento profundo dos problemas que afetam as comunidades hispânicas.

Integrante do Partido Republicano, ela é a presidente do Subcomitê de Relações Exteriores da Câmara para o Hemisfério Ocidental. Antes de sua carreira política, Salazar teve uma notável trajetória no jornalismo, trabalhando para grandes redes como CNN, Telemundo e Univisión, cobrindo eventos globais importantes e realizando entrevistas com figuras como Fidel Castro, Augusto Pinochet, Bill Clinton, George Bush, Madre Teresa de Calcutá, além dos presidentes colombianos Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos. Seu trabalho jornalístico lhe rendeu cinco prêmios Emmy.

CONTRA O SOCIALISMO – Na política, María Elvira Salazar se concentra em temas importantes para os latinos, defendendo políticas que promovem a prosperidade econômica e os valores cristãos tradicionais.

Eleita para o Congresso em 2020 para representar o 27º Distrito da Flórida, que inclui partes de Miami, ela trabalha ativamente nos Comitês de Relações Exteriores e de Pequenas Empresas. Essas posições lhe permitem influenciar a política externa dos EUA e apoiar os empresários locais.

María Salazar é conhecida por sua postura firme contra os regimes socialistas autoritários em Cuba, Venezuela e Nicarágua, usando sua posição para pressionar pelo respeito aos direitos humanos e pela promoção da democracia.

Como sua experiência como jornalista influencia seu trabalho atual na Câmara dos Representantes dos EUA?

Comecei como repórter durante as guerras e crises na América Central. Por vários anos, morei em diferentes países da região e pude conhecer suas culturas e pessoas. Se há alguém que pode falar com conhecimento sobre a América Latina, sou eu, porque me vejo como eles e sou um deles. E isso, em parte, devo ao jornalismo.

O que a motivou a se comprometer ativamente na luta contra as ditaduras socialistas na América Latina, mesmo morando nos Estados Unidos?
A história dos meus pais, como refugiados cubanos, é o que me motiva a lutar contra as tiranias do nosso hemisfério, porque não quero que ninguém mais tenha que deixar sua pátria como eles tiveram que fazer. Como jornalista, vi os venezuelanos caírem nas mãos do socialismo com as falsas promessas de Hugo Chávez, e os nicaraguenses tropeçarem duas vezes na mesma pedra, Daniel Ortega e Rosario Murillo, que roubaram o país. Não quero que esse câncer continue se espalhando pelo continente; trabalho todos os dias para extirpá-lo e fazer do socialismo apenas uma lembrança ruim.

Durante a recente audiência que discutiu a liberdade de expressão e o avanço do autoritarismo no Brasil, quais revelações ou momentos mais lhe surpreenderam?
O Brasil é um país muito importante no nosso hemisfério. É a economia mais forte na América Latina, por isso os socialistas sempre o cobiçam. Como líderes do mundo livre, devemos nos preocupar muito mais com o que acontece no Brasil. Por isso participei dessa audiência, porque é muito preocupante o que está acontecendo com o atual governo Lula e como eles estão restringindo as liberdades, especialmente a de expressão. Não podemos ficar calados. Esse é o caminho de Cuba, Venezuela e Nicarágua, e a democracia brasileira não pode ser perdida.

E a reação dos participantes?
Na audiência, chamei as coisas pelo nome. Sempre fui muito direta, sem rodeios. Fiquei surpresa com os aplausos dos brasileiros quando eu disse que Lula é um ‘condenado por corrupção’ e Alexandre de Moraes um ‘operador totalitário’. Isso me mostrou que os brasileiros estão se sentindo muito oprimidos agora e precisavam ouvir a verdade sendo dita livremente.”

Na sua opinião, o Brasil está seguindo o caminho do autoritarismo característico do socialismo do século XXI? Quais sinais indicam essa direção?
Qualquer país da América Latina está em risco de cair nas mãos do socialismo. Quando você vê que estão tentando silenciar os oponentes políticos; ou começam a colocar obstáculos para os empresários; ou querem calar o povo limitando suas liberdades, então o socialismo já está em nossas veias, pronto para infestar. E neste momento, infelizmente, vejo uma tendência socialista no Brasil, com o Supremo Tribunal Federal tentando silenciar quem questiona a narrativa do governo Lula. Isso aconteceu em Cuba, Venezuela e Nicarágua, onde a liberdade de expressão ou não existe ou está fortemente restrita. Os socialistas não gostam de ser contrariados.”

A Câmara dos Deputados dos EUA recentemente pediu à OEA que denunciasse violações de direitos humanos no Brasil. O que isso significa na prática para as relações internacionais e para o Brasil?
Acredito que as denúncias são muito importantes, tanto para as vítimas quanto para os agressores. E se essa denúncia for feita num fórum tão importante para o hemisfério quanto a OEA, ela ganha grande valor, pois implica os governos da região. Além de expor o problema e trazê-lo à tona, também serve para identificar quem está do lado do bem ou do mal. No caso da OEA, a organização tem um papel fundamental na proteção dos direitos humanos no nosso hemisfério, e o papel de denúncia do atual Secretário-Geral tem sido fundamental. Almagro tem sido muito frontal e claro contra as ditaduras em Cuba, Venezuela e Nicarágua. Agora, acho que é necessário prestar atenção ao que está acontecendo no Brasil com a supressão da liberdade de expressão. Não queremos voltar aos tempos sombrios do Foro de São Paulo.

É possível que as autoridades brasileiras envolvidas em violações de direitos humanos enfrentem sanções internacionais semelhantes às impostas a indivíduos de países autoritários como Cuba, Venezuela e Nicarágua?

Pelo que sei, meu colega, o deputado Chris Smith, está redigindo um projeto de lei sobre a democracia no Brasil. Mas enquanto isso acontece, acho que a coisa mais imediata que o governo dos Estados Unidos pode fazer é retirar o visto americano de Moraes e outras figuras no Brasil que violam a liberdade de expressão. Essa é uma decisão que está nas mãos da Casa Branca e do Departamento de Estado, mas certamente podemos pedir que sigam nessa direção, e assim o líder do mundo livre estabelece uma posição em relação ao que está acontecendo no Brasil, enquanto o projeto de lei do deputado Smith percorre o caminho legislativo.

Acha que há provas de que o governo Biden pode ter interferido nas eleições brasileiras em conluio com autoridades brasileiras com intenções políticas ou partidárias?
Trinta e cinco minutos depois que Lula foi declarado vencedor das eleições no Brasil em 2022, o presidente Biden enviou um comunicado parabenizando-o. Se não é um recorde, está bem perto de ser. Isso significa que, pelo menos, há uma conexão muito próxima entre a Casa Branca e Lula. E se somarmos a isso o que foi publicamente divulgado pela mídia, parece que os democratas estavam muito envolvidos em garantir que Lula voltasse ao Palácio do Planalto. Também temos outros casos, um deles mais recente, onde o governo Biden parece ter colocado as mãos. Refiro-me à Guatemala, onde evidentemente os democratas influenciaram a favor do governo atual para ‘defender a democracia’, segundo eles dizem.

Acha que há provas de ações de censura por parte das Big Techs para silenciar um lado do debate público?
Hoje em dia, tudo está na internet, especialmente os meios para nos informar como cidadãos. Embora os chamados meios tradicionais, como televisão, rádio e imprensa impressa, permaneçam vivos, as notícias nos meios digitais geralmente definem a agenda da mídia. E o público acredita principalmente nessas notícias. Além disso, todos nós temos mais vozes de certa forma, para o bem ou para o mal. É só tirar o celular do bolso, gravar, fazer upload e publicar. Por isso, é importante o papel das empresas de tecnologia, que deveriam sempre proteger a liberdade de expressão. Deveria prevalecer a premissa de que qualquer pessoa é livre para se expressar, desde que não incite à violência.

O que os brasileiros podem fazer para garantir a liberdade de expressão?
Não descansem em sua luta para manter a democracia brasileira. Nunca baixem a guarda. O negócio dos socialistas é o poder, por isso usarão todos os meios possíveis para se manterem lá. Nós estamos do lado dos bons, daqueles que queremos prosperidade para nosso povo, capitalismo e economia de mercado. Daqueles que querem manter nossas liberdades.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGMatéria importante. Perder o visto para a matriz USA é uma humilhação para qualquer político ou autoridade aqui da filial Brazil. (C.N.)

Bolsonarista do atentado a bomba no aeroporto de Brasília já será libertado

George Washington de Oliveira Sousa planejou a tentativa de atentado e teria montado a bomba, que não explodiu.

George Washington deu sorte de não ser julgado por Moraes

Rayssa Motta
Estadão

O bolsonarista George Washington de Oliveira Sousa, condenado pela tentativa de atentado a bomba no aeroporto de Brasília, em dezembro de 2022, vai cumprir o que resta da pena em regime semiaberto. Ele foi sentenciado a nove anos e oito meses de prisão.

A juíza Francisca Danielle Vieira Rolim Mesquita, da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, autorizou a progressão de regime. O Ministério Público foi a favor da flexibilização.

VOLTA AO TRABALHO – A mudança do regime fechado para o semiaberto foi reconhecida porque ele já cumpriu um sexto da pena. Esse é o requisito estabelecido na Lei de Execução Penal.

George Washington também poderá voltar a trabalhar. Antes da prisão, ele era gerente de um posto de combustíveis.

A denúncia do Ministério Público do Distrito Federal atribuiu a George Washington a montagem da bomba e a Alan Diego a instalação do explosivo em um caminhão de combustível, carregado de querosene de aviação. A perícia apontou que o artefato não explodiu por um erro de montagem.

TRÊS CRIMES – Eles foram condenados por três crimes: expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outro, causar incêndio em combustível ou inflamável e porte ilegal de arma de fogo e artefato explosivo ou incendiário.

O terceiro envolvido no caso, o blogueiro e ex-assessor do Ministério dos Direitos Humanos, Wellington Macedo de Souza, foi julgado em outro processo, depois que o caso foi desmembrado, e condenado a seis anos de prisão.

Ele está preso desde setembro de 2023, quando foi encontrado no Paraguai, após passar quase um ano foragido.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Tem algo errado na Justiça. Os responsáveis pelo atentado a bomba no aeroporto, que poderia matar muita gente e instituir o caos em Brasília na véspera do Natal (24 de dezembro de 2022) pegaram penas leves e dois já foram soltos. Enquanto isso, pessoas que apenas participaram da invasão de prédios públicos, inclusive sem provas de que depredaram patrimônio, foram condenadas a 17 anos, e consideradas “terroristas”. Como se vê, o que está errado são essas condenações malucas e exageradas, que Alexandre de Moraes inventou e foram aceitas pelos outros ministros do Supremo, algo que depõe contra a seriedade da justiça brasileira. (C.N.)

Reforma tributária deve provocar baixo impacto em efeitos eleitorais

Finalmente a reforma tributária foi aprovada pela Câmara dos Deputados

Charge do MIlton César (Arquivo Google)

Marcus André Melo
Folha

No folclore político, os destinos de George Bush (“read my lips: no new taxes” [“leia meus lábios: não haverá novas taxas”]) e de Margaret Thatcher (a “poll tax” [captação], que ela quis impor) foram selados por questões de tributação. Mas as evidências sobre os efeitos eleitorais de reformas tributárias não estão claras. Ahrens e Bandau (2024), em “The electoral consequences of taxation in OECD countries” [“As consequências eleitorais da tributação nos países da OCDE”], analisam a questão com dados abrangendo 30 países da OCDE em 50 anos (1970-2020).

Concluem que os efeitos variam dependendo do imposto, se direto ou indireto. Mudanças no IVA, seja reduzindo ou aumentando as alíquotas, não tem impacto, enquanto as mudanças no imposto de renda de pessoas físicas (IRPF), sim.

AUMENTOS E CORTES – Mas aqui os efeitos dependem da direção das mudanças: aumento de impostos impactam negativamente, enquanto cortes são premiados eleitoralmente. O estudo identifica também uma assimetria: aumentos de impostos geram reações mais intensas do que cortes. Ou seja, perdas de bem-estar têm maior peso do que ganhos da mesma magnitude.

O que podemos esperar do impacto eleitoral da reforma tributária (EC 132)? Provavelmente muito pouco. Trata-se, sobretudo, de reforma de impostos indiretos (fundidos no IBS e CBS) que não tem visibilidade para o eleitor devido à alta complexidade da questão. E não só aqui no Brasil, como mostram os autores. A reforma contempla também direItos: mudanças no IRPF que são infraconstitucionais além de IPVA (para barcos, aeronaves), IPTU e progressividade no imposto de transmissão.

SEM IMPACTO – O estudo citado mostra que o impacto eleitoral da taxação do IR das empresas é nulo. Aqui provavelmente também o será. Muitas mudanças levarão anos para serem implementadas.

A invisibilidade do IRPF entre nós deve-se ao fato de que apenas uma fração do eleitorado é afetada e/ou tem compreensão de suas tecnicalidades. O que explica a costumeira falta de correção da tabela do IRPF; é geração de receita com baixo custo político.

O aumento de impostos é quase invisível e ofuscado por questões como os reajustes salariais.

PEJOTIZAÇÃO – O impacto da reforma, no entanto, é potencializado por atingir categorias vocais de eleitores. Devido à pejotização no setor privado, o IRPF é um tributo concentrado nos funcionários públicos.

Juntamente com setores afetados pela nova tributação do IPVA e heranças, este grupo tem impacto sobre formadores de opinião relevante e desproporcional a seu tamanho. Mas ainda assim diminuto. E a reforma cria ganhadores que não perdem nada: os eleitores que terão cashback. Isto importa politicamente.

A clareza de responsabilidade também. Quem é o dono da reforma? Como os autores mostram, é difícil reivindicar o crédito por reformas em governos de coalizão.

Reação do senso comum ao perigo inclui sempre animais, como o famoso Caramelo

Uma imagem que despertou solidariedade mundial

Muniz Sodré
Folha

Ainda corre mundo, comovendo, a foto de Caramelo quatro dias equilibrado no telhado de uma construção submersa em Canoas, na calamidade gaúcha. No Vale do Taquari, uma mãe agarrou-se a seu bebê num telhado durante o mesmo tempo. Mas a imagem do animal, valente resiliência, circula como símbolo do desespero assim como do afeto em meio à catástrofe.

A reação do senso comum ao perigo inclui sempre os animais. Há bases materiais e emocionais: mais de 60% das famílias brasileiras possuem pets. Cada vez mais se recorre a cães e cavalos para terapias psicológicas de idosos e crianças excepcionais. No âmbito dos jovens, pertence ao folclore roqueiro dos anos 1970 a imagem do gótico Alice Cooper vestido apenas por sua jiboia de estimação.

AJUSTAMENTO – É que todo animal, além da emoção doméstica, provoca pensamento. Primeiro porque resiste, mais do que o ser humano, ao artificialismo tornado padrão de referência para qualquer forma de existência. Cada um tende a ser apreciado por seu ajustamento aos costumes do capital, disso escapa o animal.

Na China, apesar de Xi Jinping e todo o racionalismo doutrinário, o culto taoísta exalta a incorporação do macaco rei pelo devoto, que então comunga com formas suprassensíveis de pensar. Na Índia, os bovinos permanecem sacralizados.

Dias atrás, na rede, um visitante de zoológico atraía a atenção de um gorila, imitando gestos de macaco. Quando terminou, o símio aplaudiu. Surpreendente, mas compreensível, porque a proximidade cada vez maior entre humanos e animais, embora consiga manter a diferença, diminui a radicalidade da distinção.

É UM FETICHE – No culto de si exacerbado pelas máquinas, em que tanto a solidão quanto a presença do outro parece insuportável, animal é fetiche de alteridade: nem gente, nem coisa, um ser vivo confortável. O cão, filosofa uma tabuleta de loja de pets, já nasce amando o dono.

Calígula fez do cavalo Incitatus senador romano. Caramelo não destoaria em Brasília, mas prevalece como imagem forte do gaúcho nos pampas, a mesma da crônica nativista das peleias entre maragatos, chimangos e pica-paus, sempre a cavalo com suas lâminas.

O que pouco ou nada se diz é que a destreza com montaria, lanças e boleadeiras era apanágio dos haussás, heróis da Revolução Farroupilha no Batalhão dos Lanceiros, composto de escravos.

PELOS DUROS – O pano de fundo dos brasões tradicionalistas gaúchos é afro, 20% da população é negra. Na dignidade da reconstrução, há de se ressignificar o racismo contra “pelos duros” e peles escuras como um contrassenso.

No telhado, a tenacidade evocativa de resiliência da memória, uma ironia objetiva do antirracismo, “desmonta filáucias de altos brasões esboroados entre moscas defuntórias” (Drummond, “Os dois vigários”).

Caramelo, tchê, é civilidade.

Gestão de Jean Paul Prates atrasou aqueles que pretendem ‘’reendividar’’ a Petrobras

O ex-presidente da Petrobras Jean Paul Prates deixa o prédio da sede da empresa no centro do Rio de Janeiro

Prates, no saguão da Petrobras, no último dia de trabalho

Carlos Andreazza
Estadão

Jean Paul Prates caiu. Caiu o caído. A morte e a morte de… Literatura fantástica. História que lembra a do arcabouço fiscal: o natimorto que vai morrendo até morrer. Só ele terá sido pego de surpresa. Não era prates da casa. (Sorry.) Insuficientemente petista, aquém do índice Gabrielli de pasadenismos. Haviam lhe dado o veredicto: corpo mole.

Talvez seja o elogio possível à sua gestão. Ode ao corpo mole! O que – quantos ímpetos “reindustrializantes” – a moleza terá atrasado? Homem “do mercado”, assim como Haddad é “fiscalista”. Classificações que só fazem sentido na métrica do ecossistema petista, por oposição a Gleisi Hoffmann. Por oposição a Hoffmann, Prates vira até insubordinado.

LÁ VAMOS NÓS… – Lula ouviu Dilma Rousseff antes de formalizar a demissão. E lá vamos nós. De novo. De navio novo. Quem sabe a Oito Brasil? A Petrobras como indutora para voo de galinha reendividante.

Vitória dos nacionalistas Rui Costa e Alexandre Silveira. Não terá bastado o abrasileiramento da política de preços. Nacionalismo, na Petrobras, significa repetir investimentos antieconômicos. Em fertilizantes, por exemplo. Há também o lobby dos gasodutos. Uma petroleira onipresente pode atender a todos.

Não me refiro a todos os brasileiros. Antes ao espírito “trem da alegria” da liminar de Lewandowski, que afinal garantiria janela inconstitucional em lei declarada constitucional, autorizados catorze meses de infiltração companheira. Uma Petrobras onipresente amplia superfícies – paraíso “estruturante” para incompetências e corrupções.

LEI DAS ESTATAIS – O sangue da Lei das Estatais está na água. Os nacionalistas querem controlar as indicações à cúpula da empresa de acordo com o interesse de suas pátrias. Filme já visto. Uma forma de soberania. Terão a concorrência do Lirão.

A história sendo reescrita. Voltam Abreu e Lima e Comperj. Não há problema de comunicação aqui, seja chambriard ou chantilly. O interventor Lula comunica: o ritmo de aplicação dos equívocos estava lento. Acelere-se.

Fernando Haddad comunica. Pelo silêncio. Não está podendo se meter em Petrobras. Os muitos problemas próprios o obrigam ao desaparecimento. Não tem mais a PEC da Transição para sustentar o ministro da Fazenda responsável fiscalmente, e a saturação dos mecanismos de arrecadação está posta, precocemente avançada a fase da fabricação de dinheiros, conforme a manipulação do presunto do arcabouço fiscal.

QUEREM GRANA – A conta nunca fechou. E os nacionalistas querem grana. A meta é investir. Gasto é vida. PAC. Haddad deveria se ver em Prates.

A engenharia da queda de um é a mesma da carga sobre o outro. “Teu trabalho tem de produzir crescimento imediato.”

Deveria também refletir sobre se o ex-CEO da Petrobras não lhe seria espécie de anteparo – de camada de proteção. Uma certeza: Rui Costa só obedece.

Tragédia no Rio Grande do Sul vira palco para fazer propaganda de Lula

Todo mundo vai ter sua casinha”, diz Lula em visita a abrigo no Rio Grande  do Sul

Na tragédia, Lula vesta a fantasia de salvador da pátria

J.R. Guzzo
Estadão

Não existe, pelo que se vê no registro dos fatos, nenhum tipo de indecência que os governos Lula, ora em sua terceira encarnação, não sejam capazes de praticar. Já entregaram refugiados políticos para a ditadura de Cuba. Já pagaram mesadas para os deputados. Já roubaram mais que ninguém, no Brasil e no mundo.

A ladroagem desesperada dos seus dois primeiros períodos à frente do País, mais o flagelo de Dilma Rousseff, entraram para a História universal como o maior episódio de corrupção serial que a humanidade já experimentou.

TIRAR PROVEITO – Agora, com as enchentes no Rio Grande do Sul, Lula sobe mais uma barra. Diante da pior tragédia humana que o Brasil já viveu em sua história recente, só mostrou até agora uma preocupação: usar a desgraça para ver se consegue tirar proveito político pessoal.

Depois de rir durante uma reunião pública sobre a tragédia, de estranhar que há negros no Rio Grande do Sul (“não é possível”, espantou-se ele) e de exibir outros traços do seu permanente descaso por tudo que não seja ele próprio, o presidente entrou em seu procedimento-padrão. Desandou a fazer comícios.

Aproveitou a fala em que fazia promessas de verba para dizer que vai ser candidatado em mais “dez eleições”. Criou um “Ministério Extraordinário” para, segundo dizem, lidar com o desastre. É propaganda em estado bruto.

BOTANDO PIMENTA – A nova repartição foi entregue a Paulo Pimenta, atual secretário da Comunicação, ou Ministério das Verbas Para a Mídia – que vai anunciar todos os dias, e ser levado perfeitamente a sério pelos comunicadores amigos, a excelência imaginária do governo federal na ajuda aos gaúchos. Ele é, também, candidato a governador.

O Ministério Extraordinário deveria trazer resultados igualmente extraordinários; o tempo e as realidades vão mostrar se trouxe ou não trouxe. O que se tem, por enquanto, é a perpétua obsessão de Lula em procurar nos lugares errados a explicação para os seus fracassos.

SEM COMUNICAÇÃO – Ele está convencido, nesse caso das enchentes, que o grande problema é a falha na “comunicação” – os gaúchos não estão entendendo bem a alta qualidade dos socorros que o governo Lula oferece a eles. Não lhe ocorre, em nenhuma hipótese, que isso possa ser devido à incompetência federal; é tudo uma questão de se “comunicar” e, portanto, tem de ser tratada pelo ministro da propaganda.

Há, por cima de tudo, a flagrante trapaça de sustentar que o governo está mostrando a sua generosidade, eficácia e sabedoria pelo fato de anunciar verbas. É falso. Cada tostão que eventualmente chegar aos gaúchos é dinheiro do povo brasileiro, pago através dos impostos que são tirados a cada minuto do seu bolso. Devolver é obrigação, e não caridade estatal.

A quem interessa manter o Nordeste em permanente atraso social e econômico?

lula e bolsonaro disputam votos no nordeste

As estatisticas mostram o Nordeste sempre lá atrás

Mario Sabino
Metrópoles

Vou empilhar alguns números, o leitor que me perdoe a chatice das estatísticas. Eles são sobre o Nordeste. O IBGE, aquela repartição que colocou o Brasil no centro do mapa-múndi, divulgou os dados mais recentes sobre o analfabetismo no país. Datam de 2022.

O Nordeste foi onde a alfabetização mais avançou: subiu de 81% para 86% a taxa de pessoas que sabem ler e escrever bilhetes simples, no mínimo. No país, essa taxa média passou de 90% para 93%.

PROBLEMA REGIONAL – Quando se vai aos números absolutos, dos 11,4 milhões de cidadãos não alfabetizados, 6,1 milhões estão no Nordeste. Ou seja, 57% do total, mais da metade. Considerando que a população da região representa 25% da brasileira, aproximadamente, a desproporção fica evidente.

O analfabetismo funcional não entra na estatística do IBGE. Está-se falando da incapacidade de escrever e interpretar textos mais complexos, além de fazer operações matemáticas básicas.

Pois bem (ou pois mal), de acordo com o Indicador de Analfabetismo Funcional, iniciativa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro, quase 30% dos brasileiros são analfabetos funcionais. De cada três analfabetos funcionais, um está no Nordeste.

ESTÁ LÁ ATRÁS – Não importa qual seja o tema, as estatísticas mostram o Nordeste lá atrás. Há as ilhas de excelência para confirmar a regra, claro. As razões históricas que levaram a região a ser a mais atrasada deste país atrasadíssimo são sobejamente conhecidas. Mas elas não podem continuar a ser justificativa para que tudo permaneça como sempre foi.

Os nordestinos não são piores do que os paulistas ou os gaúchos. Votam mal como os brasileiros das demais regiões. É mais urgente para eles, no entanto, tentar superar todas as limitações e ser menos suscetíveis ao coronelato local e aos populistas que angariam milhões de votos no país inteiro. Dariam uma lição a todos os brasileiros.

A pergunta que os nordestinos deveriam ter sempre em mente é: a quem interessa manter o Nordeste no atraso social e econômico e na dependência de política assistencialista? Não é preciso interpretar textos para se ter a resposta. Na política, pobre não tem pai, mas padrasto malvado.

De 2014 a 2024, Brasil viveu a década perdida de uma polarização insensata

Tribuna da Internet | Polarização, que é obra de lideranças, depende muito do futuro incerto de Bolsonaro

Charge do Nani (nanihumor.com)

Bruno Soller
Estadão

Dez anos, quatro presidentes, aumento exponencial da polarização e um período perdido do ponto de vista econômico. O Brasil completa, em 2024, uma década desde a reeleição de Dilma Rousseff e passou por um turbilhão de mudanças políticas, crises, acirramento de ânimos e muito pouca mobilidade social da sua população. A vida do brasileiro estagnou e a sociedade parece anestesiada com tantas decepções.

Agarrar-se a um polo político parece ser uma defesa na tentativa de pelo menos mostrar que o outro lado é mais prejudicial. O fato é que a população acabou por se contentar em escolher o menos pior e, isso, para um país é uma falência de perspectivas.

DIZEM AS PESQUISAS – As pesquisas de opinião que mostravam o motivo do voto nos últimos desafiantes ao Palácio do Planalto apresentam essa situação. Em pesquisa Datafolha, datada de outubro de 2022, na véspera do segundo turno, 1/5 do eleitorado que votava em Lula, o fazia declaradamente apenas para tirar Bolsonaro da Presidência da República.

Um levantamento da Quaest, datado também do período eleitoral, mostrava que 35% dos brasileiros tinham medo da volta do PT ao poder e, por isso, preservavam o voto em Bolsonaro. Uma eleição contaminada por sensações negativas e dominada pela lógica de derrotar o inimigo.

Entre retrações e tímidos crescimentos do PIB, o Brasil cresceu, de verdade, pouco mais que 3% em uma década inteira. Os dois primeiros anos do segundo mandato de Dilma Rousseff inauguraram uma fase de queda do PIB de quase 7%. Temer, ao assumir, conseguiu remediar a situação e o Brasil, em 2 anos, teve ligeiro crescimento acima de 1% (1,3% em 2017 e 1,1% em 2018).

TÍMIDOS AUMENTOS – Bolsonaro enfrentou uma pandemia que fez derrubar o PIB em 4,1%, em 2020. Em 2021, conseguiu uma recuperação, com crescimento de 4,3%, mas que, no acumulado, virou jogo de soma zero. Desde então, o Brasil, no final de Bolsonaro e início de Lula, vem experimentando tímidos aumentos, que ainda são muito insuficientes para mudar realidades.

Além da questão econômica, os quocientes sociais são muito preocupantes. Eleito com a esperança de um choque na realidade da segurança pública, após um final de governo Temer com intervenção federal no Rio de Janeiro, com o Exército guerreando contra as facções criminosas, Bolsonaro não conseguiu fazer o Brasil sair do hall dos países mais violentos do mundo.

Acabados os seus quatro anos de governo, o legado para a segurança foi nulo.

DESTAQUE MUNDIAL – Relatório divulgado pelas Nações Unidas, na transição de governos Bolsonaro-Lula, mostra que o Brasil foi responsável por 10,4% de todos os homicídios ocorridos no mundo. Em mortes per capita, o País ocupa a vergonhosa décima primeira colocação mundial, tendo números quatro vezes maiores que a média global.

Outro ponto essencial para a construção do futuro da nação, o ensino público apresentou pioras preocupantes na corrente década. Um estudo realizado pelo Todos pela Educação, trouxe à tona um aumento significativo do analfabetismo de crianças de 6 e 7 anos. Os dados de 2022 apontaram que 41%, quase metade das crianças nessa faixa etária, ainda não sabiam ler nem escrever.

As sequelas da pandemia, com a falta de aulas presenciais e fechamento de escolas, ajudou sobremaneira esse perigoso impulsionamento. A crise econômica também é um fator que promove grande parte da evasão escolar.

SOBREVIVÊNCIA – Na busca por conseguir rendimentos, jovens abandonam os estudos e se imergem na informalidade, na tentativa de conseguirem manter o mínimo em suas casas. Pesquisa coordenada pelo IBGE mostra que 40% dos adolescentes que abandonam os estudos o fazem por necessidade de buscar trabalho.

Os dados de queda de desemprego coadunam justamente com o aumento gigantesco do número de pessoas na informalidade. São dados frios, que parecem uma conquista, mas que só expõem uma nova realidade do mundo do trabalho.

No Norte e Nordeste brasileiros quase 60% da população, de acordo com o IBGE, já vive na informalidade. A vinda dos aplicativos de carona e entrega, além do comércio eletrônico, mexeram com a forma como a população se remunera e garante sua renda. O emprego formal está cada vez mais escasso e depende de mão de obra qualificada para ocupação.

CONTRA POLARIZAÇÃO – Movimentos contra a polarização aparecem vez ou outra, coordenados por políticos brasileiros. A falta de um nome que represente esse rompimento é o maior dos problemas. Sempre que algum dos nomes surge, há uma tentativa de enquadrá-lo em um dos dois nichos.

Luciano Huck, apresentador da Rede Globo, ensaiou candidatura à presidência, em 2018 e 2022, e chegou a ter bons índices nas pesquisas de opinião, atingindo dois dígitos quando seu nome era testado.

Surpreendentemente, nas últimas semanas, o global lançou um manifesto em forma de vídeo, falando sobre ser “isentão” na política, um termo que foi criado para desqualificar aqueles que não se identificam nem com Lula, nem com Bolsonaro, parecendo querer incorporar esse movimento em torno de sua figura.

Legítimo e necessário, o sionismo deu deu lugar ao judaísmo cruel e assassino

Número de mortes na Faixa de Gaza ultrapassa 5 mil de | Internacional

Já foram mortas mais de 14 mil crianças na faixa de Gaza

João Miragaya
Folha

O cientista político Shlomo Avineri (1933-2023) definiu o sionismo como uma revolução ocorrida no seio do judaísmo. O movimento, segundo o autor, não tinha como objetivo somente dar uma resposta às perseguições sofridas pelos judeus enquanto minorias ao redor do mundo, embora desse à questão um lugar de destaque.

Na introdução de “A Ideia Sionista”, Avineri defende que o sionismo rompia com a identidade tradicional e religiosa da diáspora judaica, possibilitando uma resposta caracterizada pela “busca da autodeterminação e libertação sob as condições modernas de secularização e de liberalismo”.

CRISE DE IDENTIDADE – O sionismo, então, seria uma resposta moderna do povo judeu à modernidade. Foi deste processo que nasceu o Estado de Israel que, nesta semana, completou 76 anos de independência, no que talvez seja o momento de maior crise da identidade judaica e sionista dos últimos séculos.

As forças propulsoras para a criação do Estado de Israel eram seculares e modernas. A materialização da ideia sionista se deu por correntes laicas, fossem liberais ou socialistas, o que de mais vanguardista havia no contexto pós-Segunda Guerra Mundial.

Fosse por meio da vibrante Tel-Aviv, a primeira cidade hebraica surgida em mais de 2.000 anos, ou dos fascinantes kibutzim, que inspiravam socialistas das mais diversas correntes, o Estado de Israel parecia destinado, de fato, a revolucionar o sujeito judeu dali em diante.

O NOVO HEBREU – O sionismo promoveu o surgimento do novo hebreu, que desenvolvia uma cultura moderna e nacional e agarrava seu destino com suas próprias mãos. Essa ideia romântica de país encantava expoentes antagônicos, de Churchill a Simone de Beauvoir. Tal entusiasmo, inclusive, eclipsava o cruel destino do povo palestino, cujo direito de autodeterminação não foi —e segue sem ser— respeitado.

Passamos para outro Avineri, o jornalista Uri (1923-2018), apenas dez anos mais novo que Shlomo, com quem não tinha parentesco. Em 2015, Uri Avineri alertava para as transformações em curso no sionismo, que alteravam seu caráter para algo oposto aos valores modernos que impulsionam a sua criação.

Em “O Estado Hebraico em Perigo”, publicado no Haaretz, alegava que, desde 1967, transcorre em Israel uma conversão a passos largos do Estado hebraico para o Estado judaico.

JUDAÍSMO ASSASSINO – Segundo Uri Avineri, forças periféricas nacionalistas religiosas se radicalizaram e se somaram aos grupos ultraortodoxos, em sua maioria não sionistas, em prol de um projeto retrógrado de um judaísmo “fanático, violento, e agora assassino”. E profetizava que tal grupo pode enterrar o Estado, como fizeram os fanáticos com o Segundo Templo.

Uri Avineri morreu em 2018 e não presenciou a formação do governo mais extremista da história de Israel, no início de 2023. Grupos incentivados por políticos e outros expoentes, em meio a uma guerra altamente mortífera, pregam abertamente a recolonização da Faixa de Gaza por civis judeus, cuja proteção seria garantida pela restauração das tropas israelenses na região.

Gradualmente, grupos extremistas religiosos pautam cada vez mais a agenda do dia em Israel e sequestram o sionismo, transformando seu caráter moderno e secular em intolerância e fanatismo. Por fim, Uri Avineri propunha que a Israel secular e nacional reagisse enquanto houvesse tempo.

CONSTANTE MUDANÇA – Retornamos a Shlomo Avineri. No epílogo de sua obra, ele se refere ao sionismo como uma revolução permanente, que teria criado um sujeito judeu normativo, com uma dimensão pública e forte influência sobre os judeus tradicionais e relativamente religiosos da diáspora.

Algo que, por lógica, deve estar constantemente em transformação, a fim de se adequar à modernidade. Passaram-se anos, e é custoso imaginar que Simone de Beauvoir, 76 anos depois, pudesse ser solidária ao Estado de Israel, tomado por essa turba de messiânicos e intolerantes.

O sionismo, enquanto movimento de libertação, é legítimo e necessário. Da mesma maneira que ele provocou uma reinvenção dos judeus no século 19, urge que se reinvente agora. Antes que seja tarde demais.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Artigo definitivo de João Miragaya, mestre em História pela Universidade de Tel Aviv e colaborador do Instituto Brasil-Israel. É bom saber que ainda existem intelectuais israelenses que se opõem a esse tipo de guerra religiosa e genocida. Mas é pena saber que são tão poucos que nem fazem mais diferença. É lamentável. Jamais se imaginou que Israel pudesse cair tanto. (C.N.)

Lula desagrada ao eleitorado da frente ampla, que pode desprezá-lo em 2026

0

Lula errou ao nomear Paulo Pimenta para gerir a crise

Dora Kramer
Folha

A realidade afirma, o bom senso reafirma e as pesquisas confirmam: Lula queimou o cartucho da frente ampla e em 2026 não contará com esse recurso para tentar a reeleição, caso seja mesmo o seu plano.

Ao contrário do que dizem, o presidente entende sim que ganhou a eleição por um triz e que deve isso ao pavor provocado pela perspectiva de mais quatro anos do horroroso governo do antecessor. Tanto que está constantemente a relembrar aos brasileiros o que foi aquilo.

ELEITORADO VOLÁTIL – Só parece não compreender que a comparação não basta. Não dá mostra de perceber que o eleitorado fiel da balança em 2022 é volátil e precisa ser fidelizado.

O contingente nada desprezível de votantes antipetistas escolheu evitar o mal maior na expectativa do cumprimento da aquietação de ânimos prometida. No aguardo de um governo que corrigisse os erros do passado e correspondesse ao crédito de confiança dado pelos tradicionais oponentes.

Eles estão aí. E como não são adoradores, mas simpatizantes de ocasião, olham o panorama com senso crítico aguçado. Têm demonstrado desgosto nas pesquisas. Não gostam do que veem e certamente não gostaram nada de ver o sinal da volta do manejo da Petrobras como agência governamental e do uso político da tragédia do Rio Grande do Sul.

HÁ EMPENHO – Lula tem dedicado atenção e recursos ao socorro do estado. Faz visitas constantes e tem sempre dois ou três ministros despachando por lá. Descontados os de má-fé, os demais reconhecem o empenho.

Por isso, não precisava ter nomeado um ministro extraordinário para dar expediente na cena da tragédia e muito menos escolhido alguém do perfil de Paulo Pimenta: sem expertise em infraestrutura, pouquíssimo afeito à diplomacia no trato e um petista postulante ao governo do Rio Grande do Sul.

Dizer que a intenção não foi projetá-lo nem rivalizar com a figura do governador Eduardo Leite (PSDB) equivale a nos chamar a todos de tolos.

Comitê para Proteção de Jornalistas faz novo pedido para libertação de Assange

EUA: Em reviravolta inédita, Biden considera proposta para absolver Julian  Assange

Caso é confuso e há possibilidade de Biden anistiar Assange

Deu no Sputnik

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas está cobrando o Departamento de Justiça dos EUA a retirar as acusações contra o fundador do Wikileaks, Julian Assange, que atualmente corre o risco de ser extraditado para os Estados Unidos.

“A acusação de Assange nos Estados Unidos criaria vias legais ao abrigo da Lei de Espionagem e da Lei de Fraude e Abuso de Computadores que permitiriam a acusação de jornalistas que estão simplesmente a fazer o seu trabalho e a cobrir assuntos de interesse público”, disse o Comité em um ofício ao Departamento de Justiça.

EXTRADIÇÃO – Assange, que está atualmente preso no Reino Unido à espera de um processo de recurso no tribunal britânico, corre o risco de ser extraditado para os Estados Unidos após a sua próxima aparição em 20 de maio, continua a carta.

O Comité argumentou na carta que as promessas do Departamento de Justiça assegurando que Assange seria autorizado a “confiar” nos direitos da Primeira Emenda se fosse extraditado para os EUA não têm em conta a liberdade de expressão ao abrigo do direito internacional dos direitos humanos ou do endereço o fato de que as próprias acusações “desafiam diretamente seus direitos da Primeira Emenda”.

“No entanto, todo este processo legal poderia e deveria ser rapidamente encerrado se o Departamento de Justiça retirasse as acusações, que acreditamos firmemente que prejudicam a liberdade de imprensa tanto a nível nacional como internacional”, continua a carta.

VIOLAÇÃO DA SENTENÇA – Assange, um cidadão australiano, foi transferido para a prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres, em abril de 2019, sob acusação de violação da fiança.

Nos EUA, enfrenta acusação gravíssima, ao abrigo da Lei da Espionagem, por obter e divulgar informações confidenciais que esclarecem crimes de guerra e violações dos direitos humanos cometidas pelas tropas dos EUA no Iraque e no Afeganistão.

Se for condenado, o fundador do WikiLeaks poderá pegar até 175 anos de prisão. Um dos últimos meios de impedir a sua transferência para os EUA pode ser um recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Assange perdeu o seu recurso anterior no Supremo Tribunal do Reino Unido em junho passado.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
O tribunal agendou a próxima audiência no caso de extradição de Assange para esta segunda-feira, 20 de maio. Em março, o  fundador do WikiLeaks teve sua extradição para os Estados Unidos adiada após o Supremo Tribunal de Londres sinalizar que lhe permitiria recorrer do caso. Na decisão, o tribunal britânico deu ao governo dos EUA um prazo de três semanas para fornecer uma série de garantias em torno dos direitos de Assange. De toda forma, Assange cumpriria prisão perpétua nos EUA. Seu caso significa a desmoralização da Primeira Emenda e da democracia reinante desde a declaração de independência das 13 colônias inglesas. (C.N.)

Leite vê tentativa de criar “governo paralelo” no RS, e o clima fica azedo

Governo Lula vai dar moradia gratuita para quem perdeu casa na tragédia no RS | Revista Fórum

Lula quer se livrar de Pimenta,, mas não está dando certo

Catia Seabra
Folha

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), não chegou a fazer um agradecimento nominal ao presidente Lula (PT) durante o anúncio do pacote de ações federais para enfrentamento da crise no estado. Na solenidade, ocorrida na quarta-feira (15) em São Leopoldo, Leite enfatizou a superação de divergências ideológicas e afirmou que as necessidades urgentes da população gaúcha serão atendidas com “o maior esforço de seu presidente, de seu governador e de prefeitos”.

A ausência de um agradecimento direto a Lula não passou despercebida por integrantes do Palácio do Planalto e foi interpretada como demonstração de contrariedade do tucano com a nomeação de Paulo Pimenta (PT) para a Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.

SOUBE PELA IMPRENSA – Aliados do governador admitem, sob reserva, que Leite ficou muito incomodado com a designação de um político com pretensões eleitorais no estado. O governador soube pela imprensa da nomeação de Pimenta, como informou a coluna Painel, da Folha.

Segundo esses aliados, o temor de Leite é que Lula queira criar um governo paralelo no estado, em que os ministros passem a discutir medidas diretamente com Pimenta, desviando do Palácio do Piratini.

Um integrante da equipe de Leite afirmou, na condição de anonimato, que o governo do estado não se opunha à constituição de uma autoridade desde que ela se limitasse ao acompanhamento das ações federais no Rio Grande do Sul.

OUTRA PROPOSTA – Segundo relato, o Ministério da Fazenda já havia apresentado uma proposta segundo a qual caberia ao governo Lula a definição do destino dos recursos oriundos da suspensão do pagamento da dívida do estado com a União.

A Fazenda chegou a elaborar o texto em que o governo Leite se comprometeria a submeter à União a aplicação do dinheiro mantido nos cofres do estado graças à suspensão do pagamento da parcela da dívida. Mas Leite não concordou e convenceu Lula de que essa fórmula seria inviável diante da urgência de medidas para reconstrução do RS.

O medo agora é que a secretaria represente nova tentativa de controle dos recursos no estado. O mal-estar poderá se acentuar caso Pimenta indique o ex-prefeito Emanuel Hassen De Jesus, conhecido como Maneco Hassen, para a secretaria-executiva da autoridade federal.

INSATISFAÇÃO – O presidente do PSDB, ex-governador de Goiás Marconi Perillo, foi um dos porta-vozes dessa insatisfação. “Causou muita estranheza o fato de o presidente ter anunciado a autoridade federal sem ter sequer falado disso com o governador, que é a principal autoridade constitucional no estado”, afirmou.

Perillo disse esperar que essa autoridade apoie a reconstrução do Rio Grande do Sul, “com recursos que precisam ser destinados ao estado”.

“A gente espera que a ajuda seja em forma de transferência gratuita, ou seja, em doação, porque o estado não suporta mais operações de crédito. Então a gente espera que realmente essa autoridade possa ajudar e não atrapalhar”, disse.

PRECEDENTE PERIGOSO – Já o ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou que questionará, na Câmara dos Deputados, os fundamentos legais para a constituição desse ministério. Na opinião de Aécio, abre-se um precedente perigoso. “É uma intervenção no estado não prevista na Constituição”, disse ele.

Aécio pergunta se o PT consideraria razoável se o governo Jair Bolsonaro (PL) criasse secretarias extraordinárias nos estados brasileiros para combater a pandemia da Covid-19.

Segundo Aécio, o episódio começa com uma indelicadeza de Lula ao instituir a autoridade sem avisar ao governador do Rio Grande do Sul e pode acabar com uma imprudência.

LEITE SAI BEM – O próprio Leite, entretanto, negou incômodos na relação com Pimenta. “Não contem comigo para disputa política, não contem comigo para disputa de vaidades, de egos, é em favor da sociedade. Temos uma população nesse momento que está sofrendo”, afirmou.

“Não temos o direito de permitir que qualquer tipo de diferença ideológica, programática, divisão política ou de aspiração pessoal possa interferir na nossa missão que atender essas pessoas. Vou me reunir em breve, inclusive com o ministro [Pimenta] e vamos atuar para que possamos coordenar essas ações conjuntamente”, concluiu.

Na cerimônia de quarta, Pimenta posou ao lado de Lula e Leite após o presidente assinar medida provisória que institui o vale reconstrução, apoio financeiro destinado a famílias de desabrigados. Os três ergueram o documento para fotos.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
C
omo diz Délcio Lima, é óbvio que esta bagaça não vai dar certo. Lula quer Pimenta longe do Planalto e tentou arranjar um jeitinho… Mas Pimenta já avisou que não deixará o gabinete no palácio. A confusão aumenta, e Lula deveria se envergonhar de querer faturar a tragédia. (C.N.)  

Tortura não é novidade na Terra Santa; o que há de novo é apenas a motivação

Palestinos percorrem os escombros na Faixa de Gaza

Demétrio Magnoli
Folha

Khirbet Khizeh, de S. Yizhar, a história ficcional da expulsão dos palestinos de seu povoado pelas forças do proto-Estado judeu, na guerra de 1948, foi publicado no ano seguinte. “Atirar – e, depois, chorar”: o remorso do narrador, um jovem soldado que cumpre a ordem de remoção dos habitantes, pertence ao mito nacional de Israel. Hoje, porém, sob um governo controlado por extremistas, Israel não chora mais: atira e, depois, tortura.

Tortura não é novidade na Terra Santa. Agentes israelenses torturam prisioneiros palestinos. Policiais da Autoridade Palestina torturam prisioneiros do Hamas e vice-versa, na Cisjordânia e em Gaza. O Hamas cometeu abusos sexuais contra reféns israelenses. A novidade, porém, está na motivação.

TORTURAS TERRÍVEIS – Uma investigação da CNN, baseada em fotos e depoimentos de funcionários israelenses anônimos, lançou luz sobre o centro de detenção estabelecido na base militar de Sde Teiman. É uma Guantánamo no deserto do Neguev.

Os prisioneiros, manietados em ambientes contaminados por fezes e ratos, impedidos de se locomover durante dias inteiros e proibidos de falar, sofrem abusos e sevícias intermitentes. Direito humanitário? Convenção da ONU contra Tortura? Nada disso existe naquele inferno.

A tese da bomba-relógio, um cenário que só aparece no cinema, forma a base lógica da prática estatal da tortura. Contudo, não funciona em Sde Teiman: no cárcere para supostos combatentes de campo, não há dirigentes do Hamas ou da Jihad Islâmica que possam guardar segredos sensíveis. Tortura-se, ali, por vingança.

O SOLDADO CHORA… – O soldado do romance de Yizhar cumpre ordens terríveis. Sua disciplina resignada sintetiza o conceito que fabricou Israel: um país seguro para judeus expulsos de suas pátrias originais por meio século de perseguições que culminaram no Holocausto.

A Nakba palestina emergiu de uma guerra, não de uma deliberação genocida. Se perdessem, os judeus é que seriam expulsos, conforme prometiam os líderes das forças árabes. Mas o soldado chora porque reconhece a humanidade de suas vítimas.

O escritor Amos Oz, autor do ensaio “Como curar um fanático”, inflexível defensor da solução de dois Estados, combateu nas guerras do Sinai, dos Seis Dias e do Yom Kippur. Ele captou o dilema moral inscrito no “atirar – e, depois, chorar”: “Fiz muitas coisas que lamento ter sido obrigado a fazer, mas nenhuma de que me envergonhe”. O antissemita de plantão (disfarçado ou não no manto conveniente do “antissionismo”) dirá que são lágrimas hipócritas – e, como sempre, estará errado.

CURRÍCULO ESCOLAR – Khirbet Khizeh entrou no currículo escolar oficial judeu em 1964, tornou-se best-seller e inspirou uma série de TV. Numa palestra a estudantes, ninguém menos que Moshe Dayan, ministro da Defesa na Guerra dos Seis Dias, recitou cada um dos nomes dos povoados palestinos destruídos e enterrados sob povoados israelenses.

A mais completa descrição da extinção da paisagem material e simbólica palestina e sua substituição pela paisagem israelense deve-se não a um árabe-palestino, mas a um judeu israelense: Sacred Landscape, de Meron Benvenisti, que foi vice-prefeito de Jerusalém.

As lágrimas, porém, secaram. As provas estão em Sde Teiman e na guerra de punição coletiva conduzida em Gaza, duas faces de uma mesma moeda, coisas que envergonhariam Oz, se ele estivesse vivo para contemplá-las.

ATIRAR E TORTURAR – Haverá, sempre, um propagandista disponível para racionalizar os massacres de civis e as torturas de prisioneiros, atribuindo-os ao trauma criado pela barbárie do 7 de outubro.

A tentativa de, por essa via, justificar as ações estatais israelenses, é historicamente falsa. O “atirar – e, depois, torturar” reflete a natureza do governo de Netanyahu e deita raízes na prolongada ocupação, que corrompe a alma do Estado judeu.

Os judeus israelenses precisam da paz em dois Estados tanto quanto os árabes palestinos.

Todas as calamidades aqui no Brasil têm raízes nas desigualdades sociais

Enchentes no Rio Grande do Sul: várias cidades inundam após temporais; fotos

Para os pobres, as calamides sempre significam perda total

Janio de Freitas
Poder360

O chão inundado tem mais prestígio e poder emotivo do que o seu oposto. Do interior baiano para cima, ano a ano, século a século, a seca reprisa a marcha dramática dos retirantes, os cadáveres do gado em pele e osso, a lavoura perdida, as mortes não contadas de crianças ainda no colo ou de pés arrastados no cansaço. A sede, a fome, as dores.  As secas não perdem em nada das inundações. No entanto, nem nos seus ataques mais furiosos emocionaram e moveram solidariedades como fazem as águas do sul.

As causas da diferença são aquelas, sim. As de sempre. As calamidades brasileiras, todas, têm raízes na dimensão absurda das desigualdades entre os níveis socioeconômicos. É prudente não esperar que os poderes públicos extraiam do desastre gaúcho as noções de sua responsabilidade não extraídas de outros acidentes ambientais.

OUTROS DESASTRES – Brumadinho, por exemplo, nem recebeu o socorro de um movimento semelhante ao atual, nem foi seguido de ações governamentais de prevenção pelo país afora. Um bom pedaço de Maceió está afundando, por causa da exploração subterrânea de uma mina de sal-gema.

Há enormes desastres em curso ou em risco no país todo. Se reflexões sobre esse problema nacional são infrutíferas, a inundação gaúcha encaminha olhar consequente para alguns desastres do mundo.

A perda repentina de todos os bens domésticos há de ser um abalo muito forte, emocional e racional. Poucos e pobres bens não mudam a reação: 2 ou 3 pratos de uma casa da pobreza valem tanto quanto um aparelho de jantar para a casa rica.

PERDAS TOTAIS – As vítimas gaúchas de perdas totais têm variadas possibilidades de reposição, ao menos parcial, dos bens perdidos nas águas.

Para a imensa maioria de famílias pobres na Faixa de Gaza, já dependentes de ajuda internacional antes da guerra, a perda causada pelas bombas norte-americanas lançadas por Israel é perda literal. E não há o que esperar.

A própria moradia deixa de existir. Com a cama, vão-se o teto e o chão. Os bens que restam, quando restam, são humanos. Na Ucrânia, os russos atacam mais prédios residenciais do que alvos militares, que nem são muitos. Guerra urbana à distância, por artilharia e drones, também leva as famílias à perda até da própria moradia.

SEM COMPARAÇÃO – Nos primeiros dias do desastre gaúcho, muitos falaram em “guerra contra a inundação”, em “destruições de guerra”.

Não há como comparar os sofrimentos dos vitimados em Gaza e Ucrânia com os do desastre ambiental.

Mas as vítimas daqui, mesmo que por uma semelhança ínfima, chamam a sensibilizar-se com as vítimas de lá. E, também aí, a sair da indiferença.

Ministério da Saúde infla equipes sem concurso e esconde lista de contratados

Ministra gosta de ajudar Cabo Frio, onde o filho foi contratado

Raquel Lopes e Mateus Vargas
Folha

O Ministério da Saúde emprega milhares de funcionários não concursados, contratados principalmente como bolsistas e consultores, para atuar em áreas essenciais da pasta. A lista com nomes e remunerações desses cargos é mantida em sigilo, mesmo após a CGU (Controladoria-Geral da União) mandar a pasta divulgar os dados em processo baseado na Lei de Acesso à Informação aberto pela Folha.

A dependência das bolsas atravessa governos, foi intensificada pela redução dos concursos e mantida na gestão Lula (PT). Com baixa transparência, parte dos cargos abriga nomes ligados a autoridades.

Primo da esposa do secretário-executivo da Saúde, Swedenberger Barbosa, o jornalista José Camapum recebe cerca de R$ 8 mil para atuar na Ouvidoria do ministério. Ele ganha mais do que os colegas, pois tem uma bolsa originalmente destinada a um setor com salário mais alto.

Filho do general Villas Bôas, o dentista Marcelo Haas Villas Bôas atuou de 2020 a janeiro de 2023 no ministério como bolsista, com remuneração de cerca de R$ 7,5 mil. Parte do trabalho neste período era representar a Secretaria de Saúde Indígena, loteada por militares sob Bolsonaro, em reuniões sobre a Covid.

PARTE DA RELAÇÃO – Em 2021, sob Bolsonaro, o ministério chegou a liberar parte da relação de funcionários não concursados. Havia mais de 2,5 mil nomes e cerca de R$ 16,3 milhões em salários mensais. O pagamento mais alto da tabela alcançava R$ 12 mil.

Ainda que parcial, essa lista é maior do que a soma de servidores concursados ou comissionados da administração do Ministério da Saúde, em Brasília. A pasta informou, em novembro de 2023, que havia cerca de 2.130 funcionários nesta categoria.

No governo Lula, o ministério apresentou dados ilegíveis aos pedidos feitos pela Folha sobre a lista de bolsistas e consultores. Questionada novamente, a pasta passou a se recusar a divulgar qualquer tabela.

AÇÕES TRABALHISTAS – O ministério argumenta que as instituições que contratam esses funcionários detêm os dados e devem apresentá-los. Integrantes da equipe de Nísia Trindade dizem, reservadamente, que há temor de a lista mostrar o vínculo de bolsistas com o ministério e se tornar munição em ações trabalhistas.

Em nota, a Saúde disse que está finalizando o levantamento dos dados para divulgar a relação de não concursados, mas não deu prazo para resposta. “É importante esclarecer que o ministério depende de respostas dos parceiros que realizam projetos junto às instituições, que são responsáveis pelas contratações dos bolsistas e consultores que desenvolvem tais tarefas”, afirmou a pasta.

A Fiotec, fundação ligada à Fiocruz, e a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) são as entidades que fornecem maior parte da mão de obra da Saúde por meio de bolsas e consultorias.

DIZ A CGU – “Se existem consultores atuando como agentes públicos, no âmbito desses acordos de cooperação, nas instalações ou com recursos do Ministério da Saúde, tais colaboradores precisam ter seus dados devidamente publicados”, disse a CGU ao mandar a Saúde entregar os dados sobre funcionários não contratados.

A reportagem pediu à Saúde o acesso à lista dos funcionários não concursados em 9 de outubro do ano passado. Após diversos recursos, a Controladoria determinou, em 6 de fevereiro, que a Saúde teria até o dia 7 de março para entregar os dados. Em nota, a CGU afirmou que a Saúde agora apresentou um recurso no processo de Lei de Acesso à Informação, chamado de incidente de correção, que suspendeu este prazo.

Gerente de Pesquisa e Advocacy da Transparência Internacional Brasil, Guilherme France disse que CGU tem competência para julgar recursos e suas decisões devem ser cumpridas no prazo legal por todos os órgãos do governo federal, sob pena de responsabilização dos agentes públicos.

EUROPA E EUA – Em um dos projetos, o coordenador Guilherme Franco Netto recebeu em diárias R$ 310 mil por viagens à Europa e aos Estados Unidos. Como a Folha mostrou, Netto ainda ganha bolsa de R$ 4,7 mil mensais, além de salário de R$ 28,4 mil pago pela Fiocruz.

A Fiocruz afirmou que as viagens de Netto foram para desenvolver atividades relacionadas à cooperação técnica com universidades desses países.

Para dirigente da Transparência Internacional, Guilherme France, o nível de transparência das contratações de não concursados deve ser, no mínimo, equivalente àquele aplicado aos concursados.

TRANSPARÊNCIA – “Conforme a administração pública passa a se valer, cada vez mais de contratos de consultoria e bolsa, é fundamental que as políticas e práticas de transparência desses órgãos se adaptem para conferir a devida publicidade às informações relativas a esses contratos”, disse Guilherme France.

A Fiotec afirmou que diversos projetos desenvolvidos pela Fiocruz são voltados a apoiar ações do Ministério da Saúde. “As atividades desenvolvidas pelos bolsistas possuem prazo determinado, vinculadas ao prazo de execução dos projetos”, disse a fundação ligada à Fiocruz.

A OPAS disse que possui diversos tipos de contrato com empresas ou pessoas físicas que ofertam serviços pontuais, como consultoria técnica, produção de estudos. A instituição afirmou que não repassa as informações para “manter a privacidade de todas as pessoas contratadas”.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Como dizia Tom Jobim, é a lama, é a lama, é a lama. (C.N.)

Pesquisa indica desvantagem de Michelle em relação a Tarcísio na disputa com Lula

Michelle e Tarcísio lideram como opções para substituir Bolsonaro em 2026,  diz Quaest

Tarcisio tem menos rejeição e mais chance de ganhar votos

Malu Gaspar
O Globo

Não foi só Jair Bolsonaro que não se animou com o resultado da pesquisa Genial/Quaest que traz Michelle Bolsonaro (PL-DF) com mais intenções de voto do que Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) na disputa contra Lula em 2026. Os estrategistas do PL, o partido do ex-casal presidencial, também têm ressalvas a uma eventual candidatura de Michelle, mas por razões diferentes do ex-presidente.

De acordo com a Genial/Quaest, Michelle tem mais intenções de voto do que o governador de São Paulo em todos os cenários pesquisados. O resultado é semelhante ao que já vinha sendo constatado nos levantamentos que o PL encomendou ao instituto Paraná Pesquisas.

DADO NEGATIVO – Mas enquanto Bolsonaro prefere não discutir e nem estimular nenhum substituto à sua candidatura por ainda ter esperança de derrubar a inelegibilidade e poder disputar a eleição em 2026, marqueteiros e lideranças do partido acreditam que Michelle tem um calcanhar-de-Aquiles que pode colocá-la em desvantagem e impedi-la de vencer o petista quando a briga for para valer.

A própria Genial/Quaest traz o dado que vinha sendo apurado nas internas do PL. Apesar de estar à frente de Tarcísio, Michelle tem bem mais rejeição do que o governador – 50% dos entrevistados dizem que não votariam nela, enquanto 30% dizem que não votariam nele. Para comparação, a rejeição de Lula no mesmo levantamento está em 49%.

“Michelle vem crescendo porque está viajando pelo Brasil e angariando muito apoio entre as mulheres, especialmente as evangélicas. Mas ela não fala tanto com o público mais ao centro como Tarcísio, então ele é um candidato mais fácil de trabalhar na campanha”, comenta um aliado próximo de Valdemar Costa Neto, dirigente nacional do PL.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Além de Tarcísio tem rejeição muito menor, ainda não é conhecido por uma expressiva parcela dos eleitores. Somando as duas perspectivas, a indicação é de que ele disputaria a eleição de 2024 com muita chance contra Lula, se o petista tiver condições físicas e mentais para ser candidato, sem discursar falando das calcinhas das eleitoras, por exemplo. (C.N.)   

Agronegócio articula uma dura reação à Lei Antidesmatamento da União Europeia

Agronegócio articula resposta à Lei Antidesmatamento da União Europeia

Europeus tentam bloquear as exportações agrícolas do Brasil

Victor Irajá
CNN Brasil

O setor agropecuário articula uma resposta à União Europeia por barreiras impostas aos produtos brasileiros a partir da nova Lei Antidesmatamento aprovada pelos europeus, que prevê a necessidade de fiscalização de toda a cadeia produtiva de alimentos vendidos no Velho Continente por parte dos próprios membros do bloco.

A medida, segundo membros da UE, visa garantir que os produtos não estejam ligados a ações de desmatamento — o que foi visto como uma retaliação por parte de representantes do agronegócio no Congresso Nacional.

SOBRETAXAÇÃO – A resposta da bancada ruralista envolve ampliar a taxação sobre produtos da Europa, sobretudo as fabricantes de veículos automotivos, e destinar os recursos ao Fundo Amazônia.

Deputados e senadores acreditam que o Código Florestal brasileiro é o mais moderno do mundo, e que a Europa utiliza a agenda verde para utilizar medidas protecionistas contra os produtores do resto do mundo.

Este, tem sido, inclusive, o posicionamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já teceu duras críticas à França, por exemplo.

LEI DE RECIPROCIDADE – Até o momento, a estratégia dos ruralistas é fortalecer a articulação do projeto que cria a Lei de Reciprocidade Ambiental, que é promovida por dois expoentes da bancada no Senado: o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) e a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MT).

O Congresso Nacional deve realizar uma audiência pública sobre o tema no próximo dia 22 de maio.

Já na Câmara um projeto similar foi apresentado por outro líder da bancada, o deputado federal Tião Medeiros (PP-PR).

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Nem precisa o governo se mexer, pode deixar que a própria bancada do agronegócio sabe se mexer e vai encontrar as saídas. Essa Lei da Reciprocidade é a forma ideal para enfrentar o protecionismo dos países europeus. Vamos aprovar logo a nova legislação e emparedar a concorrência, que tem baixa produtividade, mas gosta de botar banca. Como dizia o genial Assis Valente, chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor… (C.N.)

Há um país abençoado por verbas e outro país na incerteza dos recursos extraordinários

Área alagada perto do mercado municipal de Porto Alegre, capital gaúcha, após chuvas recordes na região

Quando as águas baixarem, o país carimbado se renovará

Demétrio Magnoli
Folha

As águas do Guaíba submergiram vastas áreas da Grande Porto Alegre. Mas as enchentes trouxeram à tona o contraste entre dois países: um abençoado por verbas carimbadas; outro suspenso na incerteza dos recursos extraordinários. No ápice da tragédia, com águas ainda superando a cota dos 5 metros, o Congresso e o governo concordaram em desviar as emendas de parlamentares do RS para as urgências da catástrofe.

Generoso, à luz dos holofotes, o país carimbado estendia uma mão ao país mendicante. Lá, na trincheira, voluntários empregavam barcos, jet skis e até pranchas de surfe no resgate das vítimas.

LAGOAS DE DINHEIRO – O país carimbado navega em lagoas de dinheiro. O valor total previsto para emendas parlamentares atinge, em 2024, quase R$ 50 bilhões, enquanto o fundo eleitoral consumirá R$ 4,9 bilhões.

Ninguém sabe ao certo o custo da reconstrução das infraestruturas destruídas pelas enchentes no RS, mas as estimativas iniciais giram em torno de R$ 10 bilhões. O governo percorre um labirinto jurídico para excluir o “orçamento da tragédia” dos limites desenhados no arcabouço fiscal.

A captura do Orçamento da União pelo país carimbado, expressa nas despesas obrigatórias, já cruzou a fronteira dos 90%. Na mão oposta, entre 2013 e 2023, os gastos federais com prevenção de desastres reduziram-se, em valores desinflacionados, de R$ 6,8 bilhões para menos de R$ 1,5 bilhão. Regra geral, estados e municípios seguem a mesma rota. “Alguém viu a Defesa Civil?”, indagavam desesperados os voluntários na Cidade Baixa e Menino Deus.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS – Marina Silva, ilhada no Meio Ambiente, rabisca planos numa folha de papel. São projetos esperançosos de adaptação às mudanças climáticas de nossas cidades, redes viárias e estruturas produtivas.

A hegemonia do país carimbado, somada à trajetória ascendente da dívida pública, colore cada um deles nos tons cinzentos do devaneio. Como reinventar padrões de urbanização, circulação e produção quando todo o dinheiro destina-se a custear a administração do passado?

Ilhada no ministério do Planejamento, Simone Tebet ensaia uma reconquista parcial da casamata orçamentária capturada. Numa entrevista ao Valor Econômico, a ministra anunciou planos para desvincular alguns benefícios previdenciários da correção do salário mínimo. “Teremos que cortar o gasto público pela convicção ou pela dor”, alertou, numa referência velada à farra fiscal devastadora que inundou os mandatos de Dilma Rousseff.

PERTO DE DESABAR – É um programa mínimo de salvação de um arcabouço fiscal em vias de desabar. Tebet enfatizou que cogita corrigir os benefícios previdenciários pelo IPCA mais 1%, garantindo-lhes ganhos reais. Ninguém falou nas verbas carimbadas da Educação, que crescem acima da inflação sem produzir qualidade ou resultados, nas sacrossantas emendas parlamentares ou nas rendas nababescas dos fidalgos do alto funcionalismo.

Mesmo assim, nada feito. O país carimbado armou seus canhões, deflagrando um bombardeio preventivo que gerou um efeito pretendido: Haddad abandonou Tebet na chuva e outros ministros protestaram.

CRÍTICAS EXAGERADAS – “Sou totalmente contra essa proposta absurda” (Luiz Marinho, Trabalho). “Isso é tirar renda da parte mais pobre da população” (Carlos Lupi, Previdência, que não entendeu a parte do 1%). “Podem cortar despesas de juros. Por que cortar em cima dos mais pobres?” (Gleisi Hoffmann, PT, clamando por um desastroso calote na dívida pública e anunciando que o partido reivindicará “tirar a educação de qualquer limite fiscal”).

Os três artilheiros do país carimbado confiam no amparo presidencial. Tudo indica que têm razão: na hora da entrevista de Tebet, Lula insurgiu-se novamente contra a meta de déficit zero de seu próprio governo difundindo a fake news de que “essa é uma discussão que nenhum país do mundo faz”.

Quando as águas baixarem, a vida volta ao normal: o país carimbado situa-se acima da cota dos 5 metros.

Supremo gastou R$ 100 mil com viagem de um segurança de Toffoli à Europa

Toffoli desiste de evento em Madri após participar de fórum bancado por empresa com ação no STF

Toffoli só viaja acompanhado do chefe da sua segurança

Constança Rezende e Lucas Marchesini
Folha

O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), gastou R$ 99,6 mil de recursos públicos em diárias para o exterior para um segurança que o acompanhou em viagens para Londres, no Reino Unido, e Madri, na Espanha.

A quantia foi paga no mês de abril ao servidor Marcelo Ribeiro Pires, segundo o portal da transparência do tribunal. O funcionário, lotado no gabinete de Toffoli, é responsável pela segurança do ministro.

25 DIÁRIAS – De acordo com o Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) do governo, a quantia corresponde ao pagamento de 25 diárias internacionais, de 23 de abril até esta sexta-feira (17).

Os ministros do STF estão sob pressão devido à falta de transparência sobre as viagens para eventos na Europa, sobre as quais não divulgaram informações como custeio e período fora do Brasil.

Toffoli participou de eventos jurídicos no exterior nesse período, entre eles o 1º Fórum Jurídico Brasil de Ideias, que ocorreu em Londres de 24 a 26 de abril.

GRUPO VOTO – O encontro foi organizado pelo Grupo Voto, presidido pela cientista política Karim Miskulin, que em 2022, às vésperas da campanha eleitoral, promoveu almoço de Jair Bolsonaro (PL) com 135 empresárias e executivas no Palácio Tangará, em São Paulo.

Empresas com ações nos tribunais superiores bancaram palestrantes ou patrocinaram o evento. Entre elas, estão a indústria de cigarros BAT Brasil (British American Tobacco) —antiga Souza Cruz— e o Banco Master.

Em seguida, Toffoli esteve em Madri, onde foi convidado a participar de um debate jurídico no dia 3 de maio, mas não compareceu ao evento. No dia 2 de maio, ele participou remotamente da sessão do tribunal.

MAIS UM EVENTO – Depois, ele foi a um terceiro evento jurídico, também na capital espanhola, ocorrido de 6 a 8 de maio. Na ocasião, o ministro palestrou no programa internacional de alta formação Segurança Jurídica e Tributação, realizado pela Escola Superior de Advocacia Nacional, braço educativo do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Um levantamento feito pela Folha no início deste mês constatou que Toffoli foi o recordista em participações de sessões do plenário por videoconferência em 2024, em um total de 10. Desde que foi à Europa, o ministro participa das sessões online, como foi o caso desta semana.

O tribunal aprovou uma resolução regulamentando o uso de videoconferência durante a pandemia da Covid, em 2020. À época, a inovação fez com que a corte não parasse de realizar sessões durante o período de distanciamento social.

DENTRO DA LEI – Segundo a assessoria de imprensa do STF, o pagamento das diárias de servidores segue o previsto na instrução normativa 291, editada em fevereiro deste ano.

De acordo com a norma, terão direito ao benefício os funcionários que, “no interesse do STF e em caráter eventual ou transitório”, desloquem-se para fora do Distrito Federal ou para o exterior.

A quantia deve ser destinada a despesas com hospedagem, alimentação e locomoção urbana. Ela não inclui os gastos com passagens, que entram em outra rubrica pelo tribunal.

AUTORIZAÇÃO PRÉVIA – A resolução ainda estipula que o pagamento de diárias para missão no exterior depende de autorização prévia do afastamento do funcionário. A autorização é feita por ato do diretor-geral do tribunal, “observada a disponibilidade orçamentária e a lei de diretrizes orçamentárias vigente”.

O servidor deve apresentar o motivo do convite ao exterior, “demonstrando a capacidade técnica, jurídica, científica ou cultural que evidencie a importância dos serviços a serem prestados ao STF”. Além do cronograma das atividades a serem desenvolvidas, se for o caso.

Os valores para diárias internacionais são de US$ 959,40 para ministros e US$ 671,58 para demais beneficiários. Os recursos são pagos antecipadamente, de uma só vez, exceto em casos de afastamentos emergenciais; ou quando compreender período superior a 15 dias, quando poderão ser pagos em parcelas, segundo a norma.

FICA MAIS CARO – A assessoria de comunicação do tribunal disse à Folha que “a contratação do serviço de segurança no exterior custa mais caro do que a concessão de diárias a servidores que, inclusive, já conhecem a rotina e a necessidade dos ministros”.

Também disse que “a despesa com segurança no exterior é necessária em razão do aumento de ataques e incidentes envolvendo os magistrados no exterior”.

Toffoli disse, no início deste mês, quando ainda estava em Madri, que as reportagens a respeito das viagens dos magistrados à Europa para participar de eventos jurídicos de outras instituições são “absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Enviada por José Guilherme Schossland, a matéria mostra que uma atitude pode ser legal, estar rigorosamente dentro da lei, mas ser amoral e aética. O Brasil de hoje está cheio de coisas assim, que alguns operadores da justiça consideram morais e éticas, simplesmente porque eles são favorecidos por essas excrescências. (C.N.)