Jorge Béja
Eis a Justiça brasileira restringindo o tratamento de saúde da população. Sim, é isso mesmo que o leitor acabou de ler. A decisão da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao definir como taxativo o rol de enfermidades da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), como referência mínima para os planos de saúde, é gravosa e até demonstra fatal desprezo com quem tem plano de saúde.
A começar que no vocabulário jurídico não existe o adjetivo “taxativo”. Quando a lei limita casos e hipóteses, são estas chamadas de exaurientes. O verbo jurídico é o verbo exaurir. Nunca, o verbo taxar. E quando a legislação menciona situações e hipóteses que não se exaurem, só neste caso é que é juridicamente correto empregar o verbo exemplificar. Diz-se ser exemplificativo, ou seja, não acaba, não se limita, não se esgota, não se exaure naquelas hipóteses.
O QUE IMPORTA – Mas não é o erro vernacular que pesa e preocupa. Dos 9 ministros da Segunda Seção do STJ, os 6 deles que votaram em defesa dos planos de saúde e em detrimento da população titular de plano, esses ministros não levaram em conta – ou esqueceram – que a própria corte de Justiça, através desta mesmíssima Segunda Seção, já consolidou o entendimento de que portador de plano de saúde é consumidor. E que a relação contratual com o plano é relação consumerista.
A uniformidade das decisões neste sentido foi de tal ordem que já foram emitidas – apenas duas deles estão vigentes – três Súmulas a seguir transcritas:
Súmula 469 (cancelada): Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.
Súmula 608: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.
Súmula 609: A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.
FLAGRANTES VIOLAÇÕES – Nesta decisão que restringe aos consumidores, portadores de planos de saúde, o direito de serem atendidos pelos planos apenas quando sofrerem aquelas enfermidades que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) relaciona, há flagrante violação do princípio da vulnerabilidade e da hipossuficiência do consumidor.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor considera que todo consumidor é a parte vulnerável, a parte fraca, a parte hipossuficiente. Isto é, a parte leiga a respeito do que compra e contrata (artigos 6º, VIII, 38 e 51, V).
E como consequência desta impiedosa decisão da Segunda Seção do STJ, quem for contratar plano de saúde – ou já o tem contratado – passa a ter a obrigação de saber antes o diagnóstico preciso da sua doença e consultar, também antes, se a doença a ser tratada consta relacionada no rol da ANS.
DIREITO À VIDA – É um duro golpe que o STJ deu nos portadores de plano de saúde, em flagrante violação à Constituição Federal que garante a todos, como dois dos muitos direitos fundamentais, o direito à vida (e vida com saúde, porque vida sem saúde é vida moribunda) e o direito à saúde (CF, artigos 5º e 196).
Esta decisão da Segunda Seção do STJ, que ganha intensa repercussão e espalha ansiedade, causa mais doença e mais tormenta para todos os consumidores detentores de planos de saúde. É decisão que não contribui para a esperança da cura e para a felicidade de ninguém. É decisão que desafia necessariamente recurso para o Supremo Tribunal Federal, visto inexistir outra corte de Justiça com jurisdição acima do STJ.
E não será esta lamentabilísssima decisão que fará diminuir as ações na Justiça de todo o país contra os planos de saúde. Ações que chegam a milhares e milhares a cada ano, tantas são as recusas dos planos no atendimento a clientela-consumerista.