Jos Carlos Werneck
Otto Maria Carpeaux foi um dos maiores intelectuais que conheci, quando, ainda criana, era levado por meu pai, o jornalista Geraldo de Andrade Werneck, redao do “Correio da Manh”, onde os dois trabalhavam.
Nascido em Viena, ento capital do Imprio Austro-Hngaro, em 9 de maro de 1900, filho nico do advogado e funcionrio pblico judeu Max Karpfen. e da catlica Gisela Karpfen, Otto Maria Carpeaux estudou Filosofia e Qumica na Universidade de Leipzig e Literatura Comparada na Universidade de Npoles e Sociologia e Poltica na Escola Superior Berlim.
FUGA PARA ANTURPIA – Em 1931, comeou a escrever ensaios e resenhas literrias e musicais. Em 1933 nomeado diretor da Biblioteca de Cincias Econmicas e Sociais de Viena, cargo exercido at 1938. Em 1934 torna-se tambm o segundo redator-chefe do jornal Reichspost, o “maior jornal catlico da ustria”.
Por esta poca, Carpeaux tornou-se homem de confiana dos primeiros-ministros Engelbert Dollfuss e Kurt Schuschnigg, antes da anexao da ustria pelo Reich alemo. Com a queda do Reich, em princpios de 1938 foge para Anturpia, onde trabalha como jornalista na Gazet van Antwerpen, maior jornal belga de lngua holandesa.
Diante da escalada nazista, Carpeaux sente-se inseguro e no final de 1939, foge para o Brasil com sua mulher. Durante a viagem de navio, estoura a II Grande Guerra. Recusando qualquer ligao com o que estava acontecendo no Reich, muda seu sobrenome germnico Karpfen para o francs Carpeaux.
TRABALHO NO CAMPO – Ao desembarcar, nada conhecia da literatura brasileira, no falava portugus e no conhecia ningum. Na condio de imigrante, foi enviado para uma fazenda no Paran, sendo designado para o trabalho no campo. Em seguida, o cosmopolita e erudito Carpeaux consegue ir para So Paulo. Inicialmente passa dificuldades; sem trabalho, sobrevive custa da venda de seus prprios pertences, inclusive livros e obras de arte.
Poliglota, o homem que j sabia ingls, francs, italiano, alemo, espanhol, flamengo, catalo, galego, provenal, latim e servo-croata, em um ano aprendeu e dominou o portugus, com muita facilidade devido ao conhecimento do latim e de outras lnguas dele derivadas.
Em 1941, j no Rio de Janeiro, comea a escrever artigos literrios para o Correio da Manh, do Rio de Janeiro, em francs, que eram publicados em traduo. Mostrando sua grande inteligncia e erudio, divulgou autores estrangeiros
CRIANDO SEM CESSAR – Nesse mesmo ano, naturalizou-se brasileiro e em 1942, publicou o livro de ensaios” A Cinza do Purgatrio”. E de 1942 a 1944 Carpeaux foi diretor da Biblioteca da Faculdade Nacional de Filosofia. Em 1943, publica Origens e Fins.
De 1944 a 1949 foi diretor da Biblioteca da Fundao Getlio Vargas. Em 1947 publica a monumental “Histria da Literatura Ocidental”, considerado o mais importante livro do gnero em lngua portuguesa, no qual analisa a obra de mais de oito mil escritores, partindo de Homero at mestres modernistas, que era o estudo de sua predileo.
Em 1950, torna-se redator-editor do Correio da Manh e em 1951, publica a “Pequena Bibliografia Crtica da Literatura Brasileira”, obra singular na literatura nacional, reunindo, em ordem cronolgica, mais de 170 autores de acordo com suas correntes, da literatura colonial at nossos dias.
OUTRAS OBRAS – Sua produo crtica literria intensa, escrevendo em jornais semanalmente. Em 1953, publicou “Respostas e Perguntas” e “Retratos e Leituras”, em 1958,”Presenas”, e em 1960, “Livros na Mesa”.
Carpeaux foi forte opositor do Regime Militar, redigindo artigos sobre o Governo, participando, tambm, de debates e eventos polticos. No obstante, escreveu os famosos editoriais do “Correio da Manh” de 1964 pedindo o fim do Governo de Joo Goulart: Basta! e Fora!.
Nesse perodo foi tambm, ao lado de Antnio Houaiss, coeditor da Grande Enciclopdia Delta-Larousse. Em 1968, participou da Passeata dos Cem Mil, contra o Regime Militar. E Otto Maria Carpeaux morreu, no Rio de Janeiro, em 3 de fevereiro de 1978, de ataque cardaco.
SOBRE CARPEAUX – Jos Roberto Teixeira Leite, que conheceu Carpeaux quando vivia no Rio de Janeiro, descreve a figura do sbio austraco: Carpeaux foi um dos homens mais feios que conheci… sua aparncia neanderthalesca, todo mandbulas e sobrancelhas, fazia a delcia dos caricaturistas: parecia, sem tirar nem por, um troglodita, mas troglodita de ler Homero e Virglio no original, de se deliciar com Bach e Beethoven e de diferenciar entre Rubens e Van Dyck. E acrescenta que Carpeaux era totalmente gago, o que o afastou da ctedra e das universidades para confin-lo em bibliotecas, gabinetes e redaes.
Fbio de Souza Andrade diz que “ao cabo de quase meio sculo de participao pblica no Brasil, […] Otto Maria Carpeaux conquistou o respeito e o reconhecimento de autores ideologicamente to diversos como Antonio Candido e Olavo de Carvalho”.
LENDO AS PARTITURAS – Carlos Heitor Cony, membro da ABL, afirma que Carpeaux dominava alguma espcie de mnemnica com a qual, por meio de chaves e cdigos, penetrava em todos os campos do saber humano. Segundo o jornalista, Carpeaux preferia ler partituras a escutar msicas, pois lendo a pauta achava mais fcil de memorizar as canes.
Para Srgio Augusto, “Carpeaux conhecia a fundo todos os clssicos, todos os pensadores, todos os compositores eruditos, todos os pintores (…) Era generoso, paciente com jovens ignaros como eu e divertidamente intransigente e irascvel quando provocado por fatos e juzos que julgasse equivocados, insultuosos ou apenas absurdos.” E, “na verdade, no era ortodoxo nem heterodoxo, preferindo uma relao dialtica entre esses dois extremos.”
Alfredo Bosi ressalta que Carpeaux atravessou a crtica positivista, a idealista, a psicanaltica, o new criticism, a estilstica espanhola, o formalismo, o estruturalismo, a volta crtica ideolgica… Mas, educado junto aos culturalistas alemes e italianos do comeo do sculo, ele sabia que nada se entende fora da Histria.”
REBELDE INATO – Franklin de Oliveira afirma que Otto Maria Carpeaux “no era um escritor, mas uma enciclopdia viva. Porm, mais do que uma enciclopdia viva, era um homem: na coragem de suas convices, na bravura de suas atitudes, na limpidez de sua viso, um rebelde inato. Sua linhagem a dos grandes humanistas.”
Para lvaro Lins, Carpeaux tem um estilo “muito pessoal, muito direto, muito denso”. Notar-se- que um estilo vivo, preciso e ardente. s vezes, enrgico e spero. Nestas ocasies, sobretudo, este estilo est confessando um temperamento de inconformista, de panfletrio, de debatedor.”