A história do pracinha brasileiro que se apaixonou pela Gioconda na II Guerra

Inspiração da canção "Mia Gioconda"

O soldado brasileiro casou-se com a Gioconda

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor (tenor), ator e compositor carioca Antônio Vicente Felipe Celestino (1894-1968) lançou um estilo caracterizado pelo romantismo exacerbado, comovendo e arrebatando um grande público durante a primeira metade do século XX, através do teatro, do rádio, de discos e do cinema nacional.

“Mia Gioconda” é uma belíssima canção que conta a estória de amor entre uma jovem italiana e um pracinha brasileiro, na Itália, durante a participação da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. A música lançada por Vicente Celestino, em 1946, pela RCA Victor, cantada em português e italiano, é um verdadeiro documento histórico sobre a FEB.

MINHA GIOCONDA
Vicente Celestino

Do dia que nascemos e vivemos para o mundo
Nos falta uma costela que encontramos num segundo.
Às vezes, muito perto desejamos encontrá-la,
No entanto é preciso muito longe ir buscá-la.
Vejamos o destino de um pracinha brasileiro:
Partindo para a Itália transformou-se num guerreiro
E lá muito distante, despontar o amor sentiu
E disse estas palavras a uma jovem quando a viu:

“Italiana,
La mia vita oggi sei tu!
Io te voglio tanto bene,
Partiremo due insieme.
Ti lasciar non posso più.
Italiana,
Voglio a ti piccola bionda,
Ha il viso degli amori,
La tue lapri son due fiori.
Tu sarai mia Gioconda”.

Vencido o inimigo que antes fora varonil,
Recebeu ordem de embarcar para o Brasil.
Dizia a mesma ordem: “Quem casou não poderá
Levar consigo a esposa, a esposa ficará”.
Prometeu então o bravo, ao dar baixa e ser civil:
“Embarcarás amada, para os céus do meu Brasil!”
E, enquanto ela esperava lá no cais napolitano,
Repetia estas palavras no idioma italiano:

“Brasiliano,
La mia vita oggi sei tu!
Io te voglio tanto bene,
Chiedo a Dio que tu venga.
Ti scordar non posso più!
Brasiliano,
Sono ancora tua bionda!
Mio sposo hai lasciato,
Questo cuore abandonato
Che chiamasti di Gioconda.
Di Gioconda!
Di Gioconda!”

Antigos conselheiros do presidente Lula veem risco de deterioração prolongada

Charge do Baggi (Jornal de Brasilia)

Bruno Boghossian
Folha

Ninguém poderia descrever a ressaca do governo com tanta franqueza. O líder de Lula na Câmara, José Guimarães, reclamou de uma falta de comando e cobrou mudanças. “O risco de acomodação do governo é muito grande”, disse. Já o chefe da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o presidente enfrenta um cenário de governabilidade “muito difícil”.

A dupla verbalizou uma leitura comum entre personagens próximos de Lula. Guimarães fez o desabafo numa reunião interna noticiada pela Folha. Costa lançou o diagnóstico numa entrevista ao G1. Os dois foram até mais brandos do que outros petistas influentes, que andam fazendo queixas a portas fechadas.

DESPRESTÍGIO – As derrotas e tropeços das últimas semanas levaram antigos conselheiros de Lula a enxergarem um risco de deterioração continuada da capacidade política do governo. Na prática, estão em jogo a ampliação do poder de grupos do Congresso e a redução definitiva do peso do Planalto nas discussões travadas ali.

Esses petistas afirmam que Lula deveria refundar o pacto que mantém o governo de pé. O primeiro passo seria uma reforma para redistribuir os ministérios ocupados por cada partido disposto a integrar a coalizão governista. A mudança teria o objetivo de forçar as legendas a indicarem ministros que garantam votos de suas bancadas no Congresso.

A velha guarda lulista aponta ainda a necessidade de um arranjo dentro de casa.

VÁCUO NO PLANALTO – Lula mantém um vácuo no Planalto com sua atuação bissexta como coordenador político. Para piorar, tem uma equipe em atritos dentro e fora do governo. A esta altura, segundo esses observadores, deveriam estar na mesa mudanças de nomes, métodos e prerrogativas.

A avaliação já foi levada ao gabinete de Lula, de maneiras diversas, por aliados que gozam da confiança do presidente. Nenhum deles saiu com a certeza de ajustes imediatos.

O chefe, de acordo com eles, mantém um retrovisor voltado para seu segundo mandato e aposta numa decolagem econômica que tornaria qualquer mudança secundária.

Ao confraternizar com bolsonaristas, Campos Neto desprezou lição de César

Roberto Campos Neto – Wikipédia, a enciclopédia livre

Campos Neto bobeou e abriu a guarda para ser atacado

Bernardo Mello Franco
O Globo

Lula retomou a artilharia contra Roberto Campos Neto. Foi um movimento calculado. Hoje o Copom divulga a nova taxa de juros. A julgar pelas apostas do mercado, vai ignorar os apelos do governo e interromper a sequência de quedas.

Na véspera do anúncio, o presidente disse à CBN que o chefe do Banco Central “tem lado político” e “trabalha para prejudicar o país”. “A quem esse rapaz é submetido?”, questionou. “Cadê a autonomia dele?”

PRINCIPAL PROBLEMA – Ele ainda descreveu a política monetária do BC como o principal problema do país. “Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil neste instante: é o comportamento do Banco Central”, afirmou.

Lula exagerou nesse ponto. Há muita coisa a ser ajustada além dos juros altos, incluindo o desequilíbrio nas contas do governo. Mas é inegável que Campos Neto forneceu munição para ser alvejado.

Depois de colaborar com a campanha de Jair Bolsonaro e ir votar com a camisa amarela da seleção, o presidente do BC voltou a flertar em público com o grupo político do ex-chefe.

TUDO IMPRÓPRIO – Na semana passada, recebeu medalha de deputados bolsonaristas e foi homenageado em jantar pelo governador Tarcísio de Freitas, virtual adversário do petismo em 2026.

Entre as confraternizações, fez saber que aceitaria ser ministro da Fazenda num eventual governo Tarcísio. Tudo impróprio e incompatível com a festejada autonomia do banco.

Um provérbio romano do ano 62 a.C. ensina que à mulher de César não basta ser honesta: precisa parecer honesta. Ao presidente do BC, também não basta ser independente: precisa parecer independente. Ao colar a imagem ao bolsonarismo, Campos Neto despreza a lição.

Governo se omite na pauta de costumes e sofre derrotas em temas econômicos

Charge do JCaesar | VEJA

Charge do JCaesar | VEJA

Dora Kramer
Folha

O governo decidiu não se envolver nas chamadas pautas de costumes e concentrar esforços na agenda econômica, a fim de evitar derrotas em série para um Congresso de perfil conservador. Pois eis que vem perdendo embates (factuais e retóricos) na economia e não ganha nada ao se omitir em questões como aborto, drogas e combate ao crime.

Por outra, perde a oportunidade de construir marca e levar adiante um projeto de políticas públicas relativas à segurança e à saúde. Sem contar que se arrisca a figurar como conivente nos recentes retrocessos encaminhados por deputados e senadores.

JOGA PARADO – Abdicar da vontade de acertar não livra ninguém da possibilidade de errar. Como, de resto, tem acontecido.

Enquanto joga parado na seara onde há demandas reais da sociedade, o governo começa a sofrer desconfiança no mundo do dinheiro (empresarial e financeiro) e a ver aumento do desgaste no Congresso justamente na área à qual escolheu dar prioridade.

Passado o primeiro ano de bonança com a PEC da Transição, o arcabouço fiscal e a reforma tributária, começaram os tropeços, aos quais foram feitos remendos mediante o seguinte truque: o Executivo soltava a bomba, em geral como medida provisória, recuava diante da reação negativa, negociava e acabava levando parte do que havia inicialmente proposto.

ESGOTAMENTO – A fórmula, pelo visto na devolução da MP dos créditos do PIS/Cofins, se esgotou. Vai ser preciso outro tipo de organização nas tratativas com o Parlamento que apenas o argumento sobre a necessidade de aumentar a arrecadação.

Medir temperaturas e aplacar divergências antes da tomada de decisões seria o óbvio, notadamente quando se tem uma correlação de forças desfavorável.

No entanto, um travo de arrogância parece presidir as ações, que evidentemente provocam reações. O diagnóstico da problemática foi feito, mas a “solucionática” proposta não tem dado certo. Segue absolutamente ineficaz.

O mundo tem mudado, mas Lula não mudou na prática, apenas na retórica

Presidente Lula participou de coletiva com jornalistas na Itália, onde participa de encontro do G7

Lula continua a ser melhor falando do que governando

Merval Pereira
O Globo

O sucesso que o presidente Lula faz no exterior justifica suas viagens internacionais, polindo a própria imagem e a do país, que passou quatro anos sendo enxovalhada pelas atitudes radicais e retrógradas do seu antecessor. Mas não tem consequências para as crises de seu governo, onde se vê a cada dia mais aliados impotentes diante do avanço da oposição.

Agora mesmo, na reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra, Lula foi aplaudido de pé ao defender a democracia, e emitiu conceitos estimulantes a seus correligionários de esquerda no mundo, como a direta afirmação contra Elon Musk, ao afirmar que não precisamos buscar em Marte a solução de nossos problemas, é a Terra que precisa de cuidados.

CRÍTICAS INFANTIS – Outras críticas a Musk, que assumiu recentemente um apoio ao bolsonarismo e atacou o Supremo Tribunal Federal (STF), foram infantis ou/e equivocadas, como estranhar que quem nunca plantou “um pé de alface” no Brasil pudesse criticar os ministros do Supremo. O fato é que a platéia internacional continua sendo a melhor audiência para Lula, como sempre foi antes de estourar o escândalo do mensalão.

O ex-presidente dos Estados Unidos Barak Obama foi o primeiro a destacá-lo, chamando-o de “o cara” e dizendo que Lula era “o político mais popular do mundo”.

O mensalão não apenas tirou de Lula o Prêmio Nobel da Paz, como o colocou no ostracismo internacional, com exceção de núcleos esquerdistas.

LIBERADO PELO STF – Seu retorno à presidência, depois de ter sido liberado pelo Supremo, deu-lhe condições de retornar ao palco internacional, e ele tem recuperado o tempo perdido, cometendo os mesmos erros de supervalorização de sua persona, tentando um lugar de destaque no mundo multipolar de mediador das crises internacionais, que não corresponde à sua atuação internamente.

Lula já não consegue nem mesmo liderar nossa região em que o Brasil sempre foi destaque inconteste. O mundo mudou, e Lula não mudou com ele na prática, embora na retórica pareça ter mudado. Agora mesmo, ao citar a crise climática e a necessidade de resolver os problemas de nosso planeta, Lula não teve um só exemplo do que o Brasil está fazendo para ajudar nessa equação.

Se no plano interno tivesse colocado em prática as promessas de campanha, a esta altura já poderíamos ter ações para dar exemplo, e exigir dos países ricos uma ação mais consequente.

MUITOS ENTRAVES – Estamos, no entanto, nos debatendo sobre exploração de petróleo em áreas de proteção ambiental, sem um programa sério de combustíveis alternativos como o etanol, do qual fomos pioneiros, e abandonamos prematuramente como política de Estado para ganhar dinheiro com açúcar. Há projetos de retomada, mas nada que aponte para um programa estável a longo prazo.

O petróleo continua sendo prioridade na política energética brasileira, e a intervenção do governo no comando da Petrobras mostra como nosso projeto de futuro se baseia no passado de políticas populistas de controle de preço e intervenções estatais. Mas a imagem de Lula no exterior continua congelada no seu passado político. Ele mesmo faz questão de alimentar esse mito, pois, como fez agora no mesmo discurso da OIT, para defender a democracia, frisa que somente nesse regime um operário poderia chegar à presidência da República.

O que se aplaude nesses encontros internacionais são as teorias de Lula, não sua ação na atualidade. No exterior, essa postura de líder do mundo em desenvolvimento tem sua validade, ainda mais quando Lula defende pontos importantes, como acabar com a desigualdade. Mas, se o governo Lula não consegue levar adiante uma negociação no seu próprio país, como vai liderar uma ação global nesse sentido?

Secretária enviou R$ 1,3 milhão à ONG presidida por uma assessora de sua filha

Aprovado o fundo bilionário de dinheiro público para campanhas políticas –  Folha da Praia Online

Charge do Nani (nanihumor.com)

Tácio Lorran
Estadão

Atual secretária Nacional de Aquicultura, a ex-deputada federal Tereza Nelma (PSD) enviou R$ 1,3 milhão em emendas parlamentares para uma entidade que é presidida por sua antiga assessora na Câmara dos Deputados. O Instituto Guerreiras Pela Vida recebeu o valor em parcelas entre maio de 2023 e junho deste ano.

A ONG é presidida por Emanuelle Gomes, que foi assessora de Nelma na Câmara até 2020. Atualmente, além de presidir a ONG, a assessora trabalha no gabinete da vereadora de Maceió Teca Nelma (PT), filha mais nova da secretária do governo Lula.

TUDO EM CASA – Além de Emanuelle, outras cinco pessoas que participam do conselho de dirigentes do Instituto Guerreiras Pela Vida trabalharam no gabinete de Tereza Nelma na Câmara dos Deputados. Procurada, a ex-deputada negou irregularidades e disse que apoiou, ao longo de seu mandato, dezenas de ONGs que atuam por inclusão e no combate a desigualdades. Ela também disse que empregava “militantes sociais” em seu gabinete.

Um procurador do Tribunal de Contas da União (TCU) e especialistas afirmam, no entanto, que a situação é imoral, fere o princípio da impessoalidade e pode ser enquadrada até mesmo na Lei de Improbidade Administrativa.

A associação foi criada em julho de 2006, segundo dados da Receita Federal, mas até 2023 nunca havia recebido dinheiro do governo federal. A ONG foi fundada como Instituto Baobá, mas mudou o nome para Guerreiras Pela Vida após Tereza Nelma não se eleger nas eleições de 2022. A nova nomenclatura era usada politicamente pela parlamentar. O gabinete dela em Maceió levava o nome de “Guerreiras Pela Vida”.

ATRAVÉS DE EMENDAS – Os repasses ao instituto foram feitos para a elaboração de projetos de artesanato, música e empreendedorismo voltados a mulheres em situação de vulnerabilidade social, jovens e à população LGBTQIA+. A ONG já recebeu R$ 1,4 milhão dos Ministérios da Cultura, da Mulher e dos Direitos Humanos, no âmbito de cinco convênios. Desse total, R$ 1,3 milhão são frutos de emendas de Tereza Nelma.

A atual presidente do instituto, Emanuelle Melo, é assessora de Tereza Nelma há mais de uma década. Ela trabalhou com a parlamentar na Câmara de Vereadores e, entre fevereiro de 2019 e setembro de 2020, na Câmara dos Deputados. Hoje ele ganha R$ 10 mil no gabinete de Teca.

Procurada, Emanuelle explicou, inicialmente, que trabalha na ONG diariamente. “Todos os dias a gente tem o escritório, a gente acompanha as oficinas que estão sendo feitas, tem as pessoas que a gente contrata e a gente faz reuniões periódicas”, afirmou.

E OS HORÁRIOS? – Questionada em seguida sobre o horário de trabalho no gabinete de Teca, ela titubeou. “O meu horário de expediente no gabinete… da filha da deputada?”, questionou e, após uma pausa, respondeu: “Eu tenho os horários corridos. A gente tem… Os expedientes que a gente faz… Não tem nada a ver com questão de… São horários diferentes. Eu não preciso bater ponto na instituição”, afirmou, ao acrescentar que também vai diariamente para o gabinete.

Emanuelle disse, ainda, que Tereza Nelma, sua ex-chefe, é apenas uma “apoiadora” do trabalho do instituto. “A Guerreiras Pela Vida não é dela. É uma instituição não governamental.”

Ela explicou que os convênios firmados com os ministérios já resultaram em oficinas de artesanato e de música. Agora, o instituto trabalha em projetos de reciclagem, de pintura e de empreendedorismo para mulheres.

IMPROBIDADE – Especialistas afirmam que os repasses ferem o princípio da impessoalidade da administração pública e podem configurar improbidade administrativa. A Constituição Federal proíbe atos motivados por sentimentos pessoais desvinculados dos fins coletivos, como favorecimentos e vínculos de amizade.

O princípio da impessoalidade também é exigido pela lei 13.019/2014, que regula as parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. “Se o beneficiado é o parlamentar, seja ONG ou assessora, é imoral. Tentar disfarçar pode ser crime de estelionato”, complementou o procurador Lucas Furtado, do TCU.

A lei 13.019/2014 também estabelece que as ONGs devem divulgar na internet todas as parcerias celebradas com a administração pública. O Instituto Guerreiras Pela Vida, porém, não tem um site oficial. Emanuelle foi questionada sobre esse assunto, mas não se manifestou.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
A coisa funciona assim: se o dinheiro é público, então o recurso tem de ser nosso. Se a gente não pegar, vai cair na mão de outro partido… Ou seja, isso significa que o tráfico de influência não vai acabar nunca em um país como o Brasil.
(C.N.)

Quem recusa convite de Gilmar para participar de seu evento em Portugal?

Gilmar Mendes, 'o tucano de toga', blinda Aécio Neves, denunciam petistas

Charge do Pataxó (Arquivo Google)

Conrado Hübner Mendes
Folha

Todo ano, pelo menos desde aquela sexta-feira pré-feriado de março de 2016, quando Gilmar Mendes, sozinho, impediu que Lula fosse nomeado ministro e abriu caminho para sua prisão, a cúpula do poder político, jurídico e econômico brasileiro se desloca para Lisboa por uns dias. Proprietário da empresa organizadora do evento, uma sociedade familiar com fins lucrativos, o ministro é anfitrião de encontro único no mundo.

Estavam no programa o vice-presidente Michel Temer, os senadores Aécio Neves e José Serra, empresários como o presidente da Fiesp, políticos de amplo espectro partidário, ministros do STF, advogados etc. Aquela liminar monocrática, com tese jurídica inédita, nunca chegou ao plenário. O resto é história. Mais precisamente: um capítulo da história do protagonismo do STF na degradação da democracia brasileira.

LOBBY ABERTO – Demorou para a esfera pública dar atenção ao curioso hábito de juízes das altas cortes frequentarem com tanta naturalidade o ambiente lobístico dentro e fora do país.

E demorou para se escandalizar com esse evento aos cuidados de empreendimento privado de ministro. Onde se costuma gastar, como já se apurou no passado, quantia incerta de recursos públicos (viagens de autoridades etc.).

Na semana que vem, a partir de 26 de junho, acontece o Fórum Jurídico de Lisboa 2024. Repórteres buscam pela lista oficial de palestrantes, ainda não divulgada. Nota do Poder360 anunciava dias atrás alguns participantes: todos os 11 ministros do STF, 12 dos 33 ministros do STJ, 5 dos 7 ministros do TSE, 14 dos 39 ministros de Estado, 9 dos 27 governadores, os presidentes da Câmara e do Senado.

“CONFIRMADOS” – Logo veio o desmentido. Aparentemente, alguém confundiu convidados com confirmados. É fundamental observar a distância entre um e outro. E procurar saber: quem recusa convite de Gilmar?

A resposta nos fornece um indicador de conjuntura das correlações de poder em Brasília. E outro indicador de ética profissional (judicial, empresarial, advocatícia).

Mesmo que lá não apareçam o deputado líder da “bancada do estupro” (como ficou conhecida a defesa do projeto de lei que equipara meninas estupradas que realizam aborto legal a homicidas); o senador líder da bancada da guerra a preto pobre (veiculada na proposta de emenda para criminalizar o porte de drogas); mesmo na ausência dos governadores a favor da letalidade policial, qual a gravidade do evento?

ALGO DE CORRUPTO – A qualidade dos eventuais comensais pode trazer tempero de perversidade, mas não traduz a essência do problema.

Mesmo se lá estivessem só pessoas de boas intenções, conforme o autoteste de caráter que o ministro Barroso sugere para aferir conflito de interesses, há na operação algo de estruturalmente corrupto (na acepção da sociologia política).

Pelo menos três dimensões de ilegalidade se destacam. A primeira: o modelo de negócio da empresa, em especial suas práticas, não parece compatível com as vedações da Constituição à magistratura, nem mesmo com as da Lei Orgânica (Loman). A segunda: parceiros, patrocinadores e participantes, sem exceção, têm interesses nos casos do STF. A terceira: o encontro dissimula o negocial sob a capa de atividade acadêmica.

LASSIDÃO ÉTICA – O evento também demonstra com eloquência uma cultura de lassidão ética das profissões jurídicas: apesar das especificidades das normas que disciplinam diferentes operadores do Estado de Direito (juízes, promotores, procuradores, advogados de Estado, advogados privados), estão todos lá. Retroalimentam-se numa violação ética compartilhada, não exclusiva de juízes.

Está na hora de a esfera pública descobrir a quebra de decoro advocatício. Advogados estão acostumados a caminhar num terreno livre da interpelação ética. Mas essa desejada liberdade não está entre suas prerrogativas (direitos especiais da corporação na defesa de clientes). O zelo pela respeitabilidade da profissão não tem sido proporcional ao zelo pelo qual tais prerrogativas são tradicionalmente defendidas.

Como se pode atribuir caráter republicano à reivindicação de prerrogativas quando se participa, em paralelo, desse singular encontro antirrepublicano?

CONVITE IRRESISTÍVEL – Importante perguntar por que, para tantos advogados e advogadas sérias, esse convite a Lisboa é tão irresistível. E perceber se a óbvia resposta a essa pergunta tem conexão com crônicos vícios da política do país.

Porque, se tiver, há também algum grau de cumplicidade. Ainda que involuntária. Ainda que compense para o cliente do advogado que pode se dar essa viagem. E se perpetue o acesso segregado a cortes superiores.

 

 

Brasileiros ligados ao PCC têm lucro milionário aplicando golpe em Portugal

Portugal: D. Rui Valério destacou ação da PSP na pandemia, evitando «maiores desigualdades e assimetrias» - Agência ECCLESIA

Polícia portuguesa sai na captura dos brasileiros do PCC

Gian Amato
O Globo

Acusação feita pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Ministério Público (MP) de Faro revela lucro milionário obtido por golpistas brasileiros e portugueses ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Uma parte dos 29 brasileiros, 30 portugueses e 12 africanos acusados têm conexão com a maior organização criminosa do Brasil, segundo o MP.

Eles agiam retirando dinheiro de contas bancárias das vítimas através do golpe de phishing. De acordo com a investigação, a facção criminosa tinha um gerente em Portugal e agiu no país do último trimestre de 2021 até dezembro de 2023.

CRIME ORGANIZADO – “Membros ligados ao PCC e com residência no Brasil desenvolvem este tipo de atividade e gerem a mesma com uma organização do tipo empresarial, em que possuem escritórios onde trabalham pessoas que são contratadas para desenvolver atividades relacionadas com o phishing”, diz o MP.

A organização teria movimentado em transações bancárias cerca de € 403 mil (R$ 2,3 milhões) com o golpe. A soma dos valores identificados nas contas bancárias dos acusados como vantagem ilícita é de cerca de € 321 mil (R$ 1,8 milhão).

Um mineiro de Belo Horizonte com cidadania portuguesa e um português lideram a lista de 34 criminosos que receberam dinheiro em suas contas bancárias. Juntos, eles dois lucraram mais de € 130 mil (R$ 755 mil).

ESCRITÓRIO PAULISTA – Além desses dois, um brasileiro e uma brasileira aparecem na lista do MP com € 30 mil (R$ 174 mil) e € 25 mil (R$ 145 mil), respectivamente. Somente os quatro criminosos obtiveram mais de R$ 1 milhão com o golpe.

Este português que está sendo acusado se mudou para São Paulo em setembro de 2022 e ampliou seus contatos com membros da organização:

“Foi residir num apartamento alugado pela organização e trabalhou num escritório com várias pessoas que faziam igualmente ligações telefônicas com vista a obter códigos dos titulares das contas bancárias”, informa a acusação do MP.

METADE DOS LUCROS – Ainda segundo o MP, um membro da facção identificado como 02 ofereceu ao português 50% do dinheiro obtido em Portugal. E pediu que recrutasse uma equipe para trabalhar em solo português.

O português concordou, contactou amigos e estruturou uma rede de “mulas”, pessoas que sacavam quantias ou cediam suas contas em troca de comissão para lavar o dinheiro retirado sem consentimento das contas bancárias das vítimas:

“Neste processo foram angariadas dezenas de pessoas que venderam as suas contas bancárias e cederam os seus cartões multibanco e respectivos códigos de movimentação, mediante o pagamento de quantias monetárias”.

PÁGINAS FALSAS –Os criminosos utilizavam diversas maneiras de direcionar as vítimas para páginas falsas e semelhantes às das contas bancárias verdadeiras para roubar dados de acesso.

Eles aproveitam o desespero dos imigrantes. Eles enviavam mensagens com logotipos idênticos aos dos bancos e completavam o golpe com chamadas telefônicas feitas por pessoas recrutadas para se fazerem passar por funcionários das instituições. Em troca, recebiam comissões.

Os suspeitos foram acusados pelo DIAP de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e falsidade informática. A acusação é baseada em investigação da Polícia Judiciária (PJ). Um dos brasileiros está em prisão preventiva. Foi detido enquanto se preparava para deixar o país. Outros cinco foram detidos, prestaram depoimentos e foram liberados.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Os brasileiros têm por que se orgulhar. Agora, estamos exportando golpistas, assaltantes e até facções criminosas. Como dizia Olavo Bilac, não verás país nenhum como este. (C.N.)

Piada do Ano! Gilmar Mendes assume controle da anistia aos presos do 8 de Janeiro

O deputado Rodrigo Valadares e o ministro Gilmar Mendes

Valadares foi pedir a benção a Gilmar, que manda no país

Paulo Cappelli
Metrópoles

Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes recebeu, nesta quarta-feira (19/6), o deputado Rodrigo Valadares (União Brasil), relator do projeto de lei que pretende conceder anistia a presos do 8 de Janeiro.

A conversa entre o magistrado do STF e o parlamentar bolsonarista foi cordial. Nela, Gilmar lembrou que ainda há réus a serem julgados. E, por conta disso, pediu que Valadares analise com calma o melhor momento para que o texto seja levado a plenário.

NOVO ENCONTRO – Ambos combinaram de agendar um novo encontro quando o deputado finalizar a redação do projeto de lei. A expectativa é que a proposta de Valadares beneficie ampla maioria dos envolvidos no 8 de Janeiro. Sem, contudo, contemplar Jair Bolsonaro.

O próprio ex-presidente, que ainda aguarda julgamento no STF, pediu ao deputado aliado que fique fora do referido PL da Anistia para “despolitizar a pauta”.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
– Rodrigo Valadares já participou de viagens internacionais ao lado de Eduardo Bolsonaro. Eleito para seu primeiro mandato de deputado federal, Valadares caiu nas graças da família Bolsonaro e, hoje, é considerado mais próximo do ex-presidente do que muitos políticos do Partido Liberal. Em tradução simultânea, o deputado agora foi pedir orientação a Gilmar Mendes sobre como fazer para conduzir o projeto. E o decano do Supremo, que é uma espécie de Rasputin sem barbas, gentilmente se ofereceu para fazê-lo, assim que voltar da festança em Portugal, que ele oferece anualmente com dinheiro dos patrocinadores. (C.N.)

Acredite se quiser! Críticas de Lula fortaleceram credibilidade do Banco Central

Só impostores tratam a macroeconomia como ciência exata -

Charge do Clayton (O Povo/CE)

Valdo Cruz
g1 e GloboNews

As fortes críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, acabaram ajudando a fortalecer a credibilidade do Banco Central.

Mesmo diante de pressões de Lula, os quatro indicados por ele também votaram pela interrupção da queda dos juros, sinalizando ao mercado que tomam decisões com base em suas convicções técnicas e não de acordo com orientações políticas.

UNANIMIDADE – A votação unânime foi bem recebida não só pelo mercado, mas também pela equipe econômica. E a decisão de manter Selic a 10,50 mostra independência de Gabriel Galípolo, indicado por Lula.

A avaliação é que os juros até poderiam cair pelo menos mais uma vez, mas o entendimento é que, neste momento, reforçar a credibilidade do Banco Central era mais importante para conter as pressões sobre o preço do dólar e evitar, assim, impactos na inflação.

O PT criticou a decisão do Banco, classificando-a de sabotagem, só que desta vez os petistas não podem personalizar a crítica em Roberto Campos Neto, porque o grupo dos diretores indicados por Lula, inclusive Gabriel Galípolo, também seguiram a posição de parar a flexibilização da política monetária, depois de sete cortes na taxa Selic.

ACESSO A LULA – Galípolo tem acesso direto a Lula e é cotado para suceder a Roberto Campos Neto no ano que vem, quando termina o mandato do atual presidente do BC.

O fato é que as pressões de Lula não deram certo e tiveram o efeito de contribuir para dar mais credibilidade à equipe do Banco Central, principalmente o grupo indicado por Lula que passará a ser maioria no ano que vem, quando Lula irá indicar o substituto de Campos Neto, que deixará o banco em dezembro deste ano.

SEM CONTAMINAÇÃO – Economistas de mercado defendiam a posição unânime exatamente para que não fossem contaminadas as previsões para o próximo ano.

Se o placar desta quarta-feira (19) fosse novamente uma divisão, com os quatro indicados por Lula divergindo a decisão de manter a taxa Selic em 10,5%, a avaliação seria a de que o BC no próximo ano seria mais tolerante a uma inflação perto do teto da meta.

Recuo de Moraes mostra que Supremo não tem poderes para tutelar imprensa

Graças à censura que TSE impôs, processo eleitoral está verdadeiramente  corrompido - Flávio Chaves

Charge do Duke (O Tempo)

Thiago Amparo
Folha

Pode um jornal entrevistar Jullyene Lins, ex-mulher do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que afirma ter sido agredida fisicamente por ele, sem ter que pagar uma multa diária de R$ 100 mil? A liberdade de imprensa permite que veículos possam dar a versão da ex-mulher de Lira, mesmo ponderando —como prega o bom jornalismo— a posição do parlamentar e notando que este fora absolvido pela Justiça? O ministro do STF Alexandre de Moraes primeiro respondeu que não, e, 24 horas depois, mudou de ideia.

O recuo de Moraes em sua própria decisão diz muito sobre a ausência de critérios judiciais que justifiquem limitar publicações a respeito do caso.

IDA E VOLTA – Na primeira decisão, pela censura, Moraes repetiu lugares-comuns —como o binômio liberdade e responsabilidade— para justificá-la quando justificativa legal não havia.

Na segunda, contra a censura, tergiversou: diz ter percebido serem “veiculações de reportagens jornalísticas” e não um “novo movimento em curso, claramente coordenado e orgânico” de replicar acusações contra Lira.

Não se trata da primeira vez que a Justiça decidiu censurar reportagens sobre o deputado. Em abril deste ano, o TJ-DF manteve a censura judicial à Agência Pública sobre o caso. O relator emitiu um voto, digamos, ilustrativo: “Amanhã eu serei chamado de censor e vou ter que dizer isso aqui: não sou censor e nunca fui a favor da censura, porque pela minha idade eu sei o que a Revolução de 1964 fez em termos de censura neste país”. O que era para ser uma sentença virou um ato falho.

CENSURA JUDICIAL – O caráter sistemático das ações de Lira contra jornalistas é sintoma de um problema mais profundo no país hoje: a censura judicial. Aumentou em 95% o número de casos de restrições à liberdade de imprensa por meio de ações judiciais em 2023.

Quando não se trata de um discurso de ódio, nem ameaça direta a instituições, nem inverdades, nem ofensas, não cabe ao Judiciário, STF incluso, tutelar paternalisticamente o que o público tem acesso ou não.

Tendência política de Campos Neto deu margem a Lula em suas declarações

Lula retomou sua ofensiva contra Campos Neto

Pedro do Coutto

Independentemente de qual seria a decisão do Comitê de Política Monetária sobre os juros no dia de ontem, o fato evidente é a clara falta de sintonia entre Lula e Roberto Campos Neto.

Na véspera de uma das decisões mais importantes do Copom deste ano, o presidente Lula da Silva, retomou sua ofensiva nesta terça-feira contra Campos Neto. Em entrevista à Rádio CBN, Lula disse que o chefe da autoridade monetária não demonstra capacidade de autonomia, tem lado político e trabalha para prejudicar o País.

NEGATIVA – A entrevista do presidente Lula foi negativa, mas não teve grande impacto na decisão do Copom que poderia dar um tiro no pé caso se sujeitasse a pressões políticas num momento de aumento da desconfiança acerca da condução da política monetária a partir de 2025 e de maior desancoragem das expectativas de inflação.

Não se trata de analisar o mérito dos ataques, mas uma impossibilidade de convergência de ideias sobre a questão dos juros que regem o reajuste da dívida interna do país.

Essa questão traz consigo uma certeza de que a impossibilidade da demissão do presidente do BC gera um conflito com o Planalto, isso porque a nomeação para a Presidência do Banco Central depende de um ato do presidente da República, sendo indispensável  esse ato do Executivo para colocar alguém no comando do Bacen.

SEM EXONERAR – Porém, quem nomeia não pode exonerar. O mandato do presidente do Banco Central não pode adotar uma posição contrária a do governo, pois isso indicaria uma contradição total. A sua independência não pode ser absoluta, já que ele dependeu de um ato do Executivo, conforme dito, para assumir o posto.

Na forma da lei, Lula até pode demitir Campos Neto, mas precisaria ter autorização do Senado, e isso ele jamais conseguirá com a atual formação dessa casa do Congresso.

“Em que espelho ficou perdida a minha face?”, perguntou Cecília Meireles

frase-cecilia-meireles - Colégio Estadual Igléa GrollmannPaulo Peres
Poemas & Canções

A poeta, professora, pintora e jornalista carioca Cecília Meireles (1901-1964) no poema faz um “Retrato” de si própria através do seu “eu” lírico, constatando as mudanças, as transformações psicológicas e físicas pelas quais foi passando ao longo da vida.

RETRATO
Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— em que espelho
ficou perdida a minha face?

Banco Central despreza faniquitos de Lula e mantém a Selic em 10,5% ao ano

Lula: 'Eu não bato no Banco Central porque não é gente'

É triste o declinio de Lula, ninguém se importa mais com o que ele diz

Nathalia Garcia
Folha

O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central interrompeu nesta quarta-feira (19) o ciclo de cortes de juros e manteve a taxa básica, a Selic, em 10,50% ao ano. A decisão foi tomada de forma unânime, com o voto do diretor Gabriel Galípolo, cotado para ser o próximo presidente da instituição, alinhado com o do atual chefe do BC, Roberto Campos Neto.

Mesmo sob pressão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), houve convergência no colegiado, inclusive entre os indicados pelo atual presidente.

MOTIVOS – “O cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas [em relação à meta] demandam maior cautela”, disse.

O comitê afirmou também que se manterá “vigilante” e que “eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

Ao longo do ciclo de flexibilização de juros, iniciado em agosto do ano passado, foram seis reduções consecutivas de 0,50 ponto percentual e uma de 0,25 ponto. A taxa básica se mantém agora no menor patamar desde fevereiro de 2022, quando estava fixada em 9,25% ao ano.

PRESSÃO DE LULA – Com o breque nos cortes, o colegiado do BC ignorou a pressão feita pelo governo Lula às vésperas do encontro decisivo e agiu em linha com a expectativa do mercado financeiro.

Levantamento feito pela Bloomberg mostrou que a pausa da Selic no atual patamar de 10,50% ao ano era a projeção quase unânime dos economistas –apenas dois dos 33 analistas consultados esperavam um novo corte de 0,25 ponto percentual.

Mas as atenções dos investidores não se restringiam aos números e estavam concentradas sobretudo no placar de votos dos membros do Copom. Isso porque a tensão entre governo e BC voltou a crescer depois de Lula afirmar que Campos Neto “tem lado político” e que “trabalha para prejudicar o país”. Membros do governo e aliados também colocaram o presidente do BC na mira e aumentaram a artilharia em defesa da redução dos juros.

OUTRAS REUNIÕES – Até o fim do ano, quando termina o mandato do atual chefe da autoridade monetária, o Copom tem mais quatro encontros programados – 30 e 31 de julho, 17 e 18 de setembro, 5 e 6 de novembro e 10 e 11 de dezembro.

A partir do posicionamento dos quatro indicados pelo governo Lula – em especial de Gabriel Galípolo, diretor de Política MonetáriaC–, dessa vez sem divergências, os economistas buscam sinais sobre a atuação futura do BC.

Em 2025, a gestão petista terá maioria no Copom, com sete dos nove membros do BC indicados por Lula, incluindo o presidente, e então veremos se existe ou não autonomia do BC.

Devemos reconhecer que Marx e Engels obrigaram o capitalismo a se humanizar

Qual a contradição expressa na charge "grandes momentos do capitalismo"? - brainly.com.br

Charge do Allan Sieber (Arquivo Google)

Carlos Newton

Aqui na Tribuna da Internet, temos analisado o surrealismo da política brasileira, algo verdadeiramente estarrecedor. Fala-se muito na tal polarização, mas na verdade não há nada de novo no front ocidental, como diria o genial escritor alemão Erick Maria Remarque, que era filho de uma portuguesa e desenvolveu uma visão política transnacional.

Na verdade, sempre houve polarização na política e jamais deixará de haver, a não ser que se generalize o partido único de países como China, Cuba e Rússia, uma perspectiva que seria o fim da democracia e das liberdades individuais.

MARX E ENGELS – Nos sonhos de Karl Marx e Friedrich Engels, poderia surgir um mundo melhor ou menos injusto, circunstância que os situa na História Universal como grandes benfeitores da Humanidade. Graças às revolucionárias teorias de Marx e Engels, o capitalismo se viu forçado a se aperfeiçoar, surgiram os direitos trabalhistas, a exploração do homem pelo homem foi sendo combatida, o mundo ficou melhor, sem a menor dúvida.

O capitalismo selvagem, contra o qual eles lutavam, não existe mais nos países desenvolvidos que seguem a trilha do socialismo democrático e conseguem antevir um mundo melhor, com o avanço do bem-estar social.

Uma das grandes surpresas do craque Rai, ao viver na França, foi ver sua filha estudando no mesmo colégio da filha da empregada doméstica da família. Isso é democracia, que começa na igualdade de oportunidades de educação e saúde.

IGUALDADE – O mundo terá de caminhar nessa direção. No futuro, não pode mais haver colégios e hospitais exclusivamente para ricos, dotados da melhor tecnologia, com os pobres sendo atendidos em colégios e hospitais de baixa qualidade, sem especialistas para todas as doenças.

Igualdade, Liberdade e Fraternidade, pediam os revoltosos franceses, 250 anos atrás. Mas até hoje isso não existe, fazendo com que continue atual o conceito de Kenneth Clark (1903-1983). “Civilização? Sei bem o que significa, e nunca a encontrei. Mas sei que, se algum dia achar alguma, saberei reconhecê-la”, dizia o grande pensador britânico.

Na verdade, avançamos bastante em liberdade, mas igualdade e fraternidade continuam a ser um sonho, perguntem aos israelenses e palestinos.

###
P.S. 1
Começamos o artigo falando em polarização, que sempre existiu e tão cedo não deixará de prevalecer, pois apenas significa que há dois grupos disputando o poder. A terceira via é apenas uma exceção ocasional, que não muda a regra da política rotineira, que implica em polarização.

P.S. 2 – E quando falamos nos portentosos Marx e Engels, faço a ressalva de que, na minha opinião, Engels é muito mais importante do que Marx. Lembrem que Engels era um rico aristocrata, filho de um dos primeiros empresários multinacionais do mundo, que tinha fábricas de fios e tecidos na Alemanha e na Inglaterra. Assim, ao defender os pobres, Engels estava desprezando seus próprios interesses pessoais e empresariais, enquanto Marx não tinha esse dilema, porque era de classe média baixa e aceitava que o amigo Engels o ajudasse a pagar as contas, fraternamente. (C.N.)

Lula já arranjou um bode expiatório para a crise anunciada: Roberto Campos Neto

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, é o bode expiatório de Lula

Roberto Campos Neto abriu a guarda e falou o que não devia

Merval Pereira
O Globo

O presidente Lula está num momento em que precisa de um bode expiatório para explicar a perspectiva ruim da economia brasileira. E já escolheu: é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Este, também, não deveria ter ido ao jantar oferecido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Todos sabem que ele foi indicado por Bolsonaro, é membro da equipe do ex-presidente e tem pensamentos econômicos liberais que diferem do PT.

Tudo isso está na conta do Banco Central autônomo. Mas ser homenageado e ainda deixar escapar que aceitaria ser ministro da Fazenda num eventual governo de Tarcísio na sucessão de Lula, dá margem à interpretação de que ele está fazendo a coisa errada – quando está fazendo o certo – para prejudicar o governo do PT.

IMPASSE – E então entramos na discussão que não acaba nunca. O governo quer jogar a culpa para outros que não os aliados da sua base, e Roberto Campos tenta segurar a inflação, vendo que a coisa está ficando meio destrambelhada.

Ao ser confirmado que não haverá corte de juros, com a decisão por unanimidade, como estava previsto, os últimos meses dele no BC serão muito ruins politicamente. Vai ser atacado e a escolha do próximo presidente do banco será mais política do que técnica.

Lula já disse que vai escolher alguém que não pense apenas na inflação, que pense no desenvolvimento do país. São critérios que farão o mercado ficar em dúvida. Ele tem razão em alguns pontos quando fala de subsídios, mas grande parte deles veio dos governos petistas.

Novo documento dos EUA prova que prisão de Filipe Martins é mesmo ilegal

Filipe estava no Paraná com a mulher e a Polícia Federal sabia

Caio Vinícius
Poder360

O DHS (Departamento de Segurança Interna dos EUA, em tradução livre) atualizou o registro da última entrada do ex-assessor de Jair Bolsonaro, Filipe Martins, no país para 18 de setembro de 2022. A mudança contraria as informações usadas pela PF (Polícia Federal) para prender Martins pela suspeita de tentativa de fugir do país em dezembro de 2022, na viagem presidencial para Flórida.

No relatório que deu base para prisão, os investigadores da PF usaram registros do “View Travel History”, lista que cataloga todos os registros de entradas e saídas das pessoas que viajam para os EUA, a partir de passaporte comum e diplomático.

ARQUIVO OFICIAL – Ao entrar nos EUA, todo viajante recebe o documento “I-94”, arquivo oficial do governo norte-americano que atesta entrada e saída no país. No caso de Filipe Martins, esse último documento foi atualizado pelo DHS.

O “View Travel History” usa como base de dados as informações de diferentes fontes. Por isso, justifica a divergência dos registros do I-94 com a lista usada pela PF. Quando consultado o passaporte diplomático de Filipe Martins, consta a viagem para Orlando em 30 dezembro de 2022.

Os dados continuam mesmo depois de a alfândega da Flórida negar ter registros de entrada do ex-assessor. A defesa de Filipe Martins tentam realizar a alteração no “View Travel History”.

INDÍCIOS FRÁGEIS – O ex-assessor de Bolsonaro foi preso em 8 de fevereiro de 2024 na operação Tempus Veritatis e segue detido. A prisão foi autorizada sob o argumento da PF, aceito por Moraes, de que Martins estaria foragido e havia risco de ele fugir do país.

O “risco de fuga” teria sido embasado pela suposta viagem para a Flórida em 30 de dezembro de 2022, mas essa informação nunca foi comprovada pelas autoridades do Brasil nem dos Estados Unidos.

Segundo a Polícia Federal, a ida de Martins com Bolsonaro para os EUA poderia “indicar que o mesmo tenha se evadido do país para se furtar de eventuais responsabilizações penais”. O relatório está na decisão de Moraes.

TUDO ERRADO – O documento desfaz  a própria afirmação da PF: “O nome de FILIPE MARTINS também consta na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial no dia 30.12.2022 rumo a Orlando/EUA. Entretanto, não se verificou registros de saída do ex-assessor no controle migratório, o que pode indicar que o mesmo tenha se evadido do país para se furtar de eventuais responsabilizações penais. Considerando que a localização do investigado é neste momento incerta, faz-se necessária a decretação da prisão cautelar como forma de garantir a aplicação da lei penal e evitar que o investigado deliberadamente atue para destruir elementos probatórios capazes de esclarecer as circunstâncias dos fatos investigados.”

A informação de que Filipe Martins teria embarcado para os EUA, como se observa, não havia sido confirmada – mas a prisão foi sido requerida mesmo assim.

PARADEIRO CONHECIDO – Sobre “a localização do investigado” ser “incerta”, a PF desconsiderou fotos do ex-assessor de Bolsonaro publicadas em perfil aberto na internet.

Além disso, quando Martins foi preso, a PF soube onde procurá-lo para efetuar a detenção: no apartamento de sua namorada em Ponta Grossa (PR), a 117 km de Curitiba – logo, o seu paradeiro era conhecido.

Ele hoje está no Complexo Médico Penal de Pinhais (PR), o mesmo onde ficavam os presos na operação Lava Jato.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
A prisão ilegal de Filipe Martins desmoraliza os métodos investigatórios da Polícia Federal e a capacidade judicante do ministro Alexandre de Moraes. É certo que Moraes não tem equilíbrio psicológico e a imparcialidade que devem conduzir a atuação de qualquer magistrado. Ao manter a prisão sob argumentos que já foram derrubados, sua ranhetice envergonha o Supremo e a Justiça brasileira. (C.N.)

Governo caiu na real quanto ao aumento da arrecadação e tem de mostrar serviço

Sob fundo amarelo e azul, como na bandeira do Brasil, homem grisalho de barba inclina a cabeça para ouvir homem que aparenta idade de 60 anos falar como se fosse um segredo, cobrindo a mão com a boca. Ambos usam terno escuro e gravata com camisa clara

Lula e Haddad enfim acordaram do sonho arrecadatório

Elio Gaspari
O Globo/Folha

A alta do dólar, a queda da Bolsa e a confirmação de que o aumento da arrecadação era um sonho levaram o governo a admitir a relevância do controle de gastos e a consequente valorização de uma administração comprometida com o feijão com arroz.

Em dois anos de governo, o ministro Fernando Haddad teve vitórias e derrotas. Brilhou com o projeto de reforma tributária, mas seu déficit zero era lorota. Ele conseguiu restabelecer as boas relações de um governo petista com a banca.

DRENO DOS INCENTIVOS – Na segunda-feira (17), Haddad e Simone Tebet, sua colega do Planejamento, mostraram a Lula o dreno provocado pela distribuição de incentivos. A iniciativa tem mérito, mas não tem valor, o Sol congelará antes que um Congresso resolva podar os benefícios dados à Zona Franca de Manaus. Cada incentivo é um jabuti velho, escolado e bem relacionado.

A discussão da política de incentivos, como a taxação das grandes fortunas, é um tema que lustra a biografia de quem a propõe, mas não vai a lugar algum.

Infelizmente o déficit zero era uma espécie de pau do circo de Haddad: arrecadando mais, o governo poderia induzir o crescimento. Daí viriam as picanhas prometidas durante a campanha. Sem esse salto arrecadador, Lula 3.0 arrisca tornar-se um governo durante o qual a economia andou de lado. É melhor andar de lado do que ir galhardamente na direção errada, como sucedeu com a nova matriz econômica do governo de Dilma Rousseff.

UMA OPORTUNIDADE – Vendo que não pode gastar, Lula terá a oportunidade de se voltar para a boa administração do dia a dia. Apesar do estilo triunfalista do presidente, seu governo vai bem no feijão com arroz. Vai bem mesmo quando é comparado a outros governos, sem levar em conta o caos de Bolsonaro.

Derrapou feio na compra de arroz importado, pretendendo comercializá-lo a preços tabelados. Esse desastre só aconteceu porque no lance estava a mão peluda do interesse político.

Talvez algum petista lembrou-se de que, em 1962, o governador gaúcho Leonel Brizola teve 200 mil votos no Rio porque vendeu arroz barato em caminhões.

OBRAS PARADAS – Terminar obras que estão paradas é uma das boas maneiras de administrar o trivial variado. Infelizmente ela vem sendo instrumentalizada em marquetagens.

Getúlio Vargas foi um presidente de grandes ideias, mas, lendo-se seu diário, percebe-se a atenção quase obsessiva com a rotina da administração.

Lula, ou qualquer político brasileiro, dispõe de um boqueirão, resgatando o agronegócio e colocando-o na galeria do orgulho nacional, como Juscelino Kubitschek colocou a indústria no final dos anos 50. Por diversos motivos, Lula jogou fora essa oportunidade e hoje ela está em cima de um montinho de cal, esperando que alguém bata esse pênalti.

Visitando uma colônia penal kafkiana, acompanhado pelo próprio Franz Kafka

Ilustração reproduzida do Arquivo Google

Flávio Gordon
Gazeta do Povo

Como se sabe, já virou uma espécie de senso comum recorrer a Franz Kafka para descrever a sensação de insignificância experimentada pelo indivíduo perante o monstruoso aparato repressor e burocrático do Estado contemporâneo. Com efeito, Kafka é um daqueles raros autores cuja obra é tão influente e cujo estilo é tão característico que o seu nome foi convertido no adjetivo kafkiano, usado para descrever situações marcadas por aquela sensação terrificante, assim como orwelliano virou um adjetivo quase sinônimo de distópico; proustiano, um adjetivo referente à reminiscência introspectiva; e dantesco, um adjetivo associado a horrores infernais.

Mas, em vez de falar de “O Processo”, a obra mais diretamente associada ao referido adjetivo, gostaria de falar de um livro menos comentado de Kafka, escrito uma década antes da publicação do outro, mas igualmente impactante e profético.

PRÉ-TOTALITARISMO – Refiro-me ao pequeno livro “Na Colônia Penal” (Strafkolonie), redigido em 1914 e publicado em 1919, antecedendo, portanto, o estabelecimento pleno dos sistemas totalitários dos anos seguintes e a própria consolidação do conceito de “totalitarismo”.

Recorrendo a uma técnica literária extremamente sutil e inteligente, Kafka propõe um exercício imaginativo perspicaz sobre a tentação totalitária que começava a pairar sobre a Europa e que, nas próximas décadas, transformaria definitivamente o destino do continente e do mundo.

O livro foi concluído cerca de dois meses após o início da Primeira Guerra, evento que primeiro concedeu às nações europeias um sentimento esmagador de unidade, mergulhando-as, em seguida, em batalhas sangrentas.

VIAJANTE EUROPEU – A trama apresenta um viajante europeu educado, acostumado a raciocinar em termos de direitos universais e humanismo, indo visitar algum lugar no exterior. Especificamente, seu destino é o local de uma execução que, de acordo com as ideias do viajante, se lhe afigurava como desprezível.

O condenado à morte, um soldado, havia falhado em executar uma ordem completamente nonsense. Pego em flagrante, foi sentenciado à morte sem qualquer tipo de julgamento, e sua execução seria consumada com o auxílio de uma complicada máquina, numa sessão de tortura com 12 horas de duração.

Recorrendo a uma técnica literária extremamente sutil e inteligente, Kafka propõe um exercício imaginativo perspicaz sobre a tentação totalitária que começava a pairar sobre a Europa

O DIÁLOGO – “Como o senhor vê, o aparelho é composto de três partes. Com o passar do tempo, foram criadas denominações um tanto populares para cada uma delas. A inferior chama-se cama, a superior chama-se desenhador, e aqui, no meio, a parte suspensa se chama rastelo,

“Rastelo?” – perguntou o viajante. Ele não ouvira com muita atenção, o sol forte demais se emaranhava no vale das sombras, era difícil reunir os pensamentos.”

O oficial responsável pela execução porta-se como uma espécie de sacerdote, tanto do totalitarismo quanto da violência. Do totalitarismo, na medida em que habita um mundo extremamente lógico – o que nos faz recordar a caracterização de Hannah Arendt sobre a logicidade macabra dos Estados totalitários –, no qual vigem normas claras, as quais se devem aplicar e aceitar sem questionamentos. Da violência, na medida em que nela enxerga não apenas um meio de domesticação, mas também de transfigurar o indivíduo e purificar a sociedade.

O NOME COMBINA – “É, rastelo, disse o oficial. – O nome combina. As agulhas estão dispostas como as grades de um rastelo e o conjunto é acionado como um rastelo, embora se limite a um mesmo lugar e exija muito maior perícia. Aliás, o senhor vai compreender logo. Aqui sobre a cama coloca-se o condenado. Quero, no entanto, primeiro descrever o aparelho e só depois fazê-lo funcionar eu mesmo. Aí o senhor poderá acompanhá-lo melhor. No desenhador, há uma engrenagem muito gasta, ela range bastante quando está em movimento, nessa hora mal dá para entender o que se fala; aqui inelizmente é muito difícil obter peças de reposição. Muito bem: como eu disse, esta é a cama. Está totalmente coberta com uma camada de algodão; o senhor ainda vai saber qual é o objetivo dela: O condenado é posto de bruços sobre o algodão, naturalmente nu; aqui estão, para as mãos, aqui para os pés e aqui para o pescoço, as correias para segurá-lo firme. Aqui na cabeceira da cama, onde, como eu disse, o homem apoia primeiro a cabeça, existe este pequeno tampão de feltro, que pode ser regulado com a maior facilidade, a ponto de entrar bem na boca da pessoa. Seu objetivo é impedir que ela grite ou morda a língua. Evidentemente, o homem é obrigado a admitir o feltro na boca, pois caso contrário as correias do pescoço quebram sua nuca.

“Isso é algodão?” – perguntou o explorador, inclinando-se para frente.

“Sem dúvida”, respondeu sorrindo o oficial. “Sinta o senhor mesmo”. Pegou a mão do explorador e passou-a sobre a cama.

“É um algodão especialmente preparado, por isso parece tão irreconhecível; ainda volto a falar sobre a sua finalidade”.

CURIOSIDADE – A essa altura, o viajante começa a se interessar pelo aparelho, demonstrando uma curiosidade meramente técnica, a qual o lado humanista não conseguiu conter. Em seguida, como que voltando a si do transe, lembra de perguntar sobre a sentença.

O oficial executor explica-lhe que, no caso desse condenado, ela consiste em ter gravada no corpo, por meio da máquina, o mandamento por ele infringido: “Honre os seus superiores!”. O viajante quer saber se o condenado conhece a própria sentença, e o diálogo que se segue revela a natureza kafkiana de um outro lugar igualmente distante, e não menos desconhecido:

A SENTENÇA – “Não”, disse o oficial, e logo quis continuar com as suas explicações. Mas o explorador o interrompeu: “Ele não conhece a própria sentença?”

“Não”, repetiu o oficial e estancou um instante, como se exigisse do explorador uma fundamentação mais detalhada da sua pergunta; depois disse: “Seria inútil anunciá-la. Ele vai experimentá-la na própria carne”.

O explorador já estava querendo ficar quieto quanto sentiu que o condenado lhe dirigia o olhar; parecia indagar se ele podia aprovar o procedimento descrito. Por isso o explorador, que já tinha se recostado, inclinou-se de novo para frente e ainda perguntou.

SEM CONDENAÇÃO – “Mas ele certamente sabe que foi condenado, não?”

“Também não”, disse o oficial e sorriu para o explorador, como se ainda esperasse dele algumas manifestações insólitas.

“Não”, disse o explorador, passando a mão pela testa.  “Então até agora o homem ainda não sabe como foi acolhida sua defesa?”

“Ele não teve oportunidade de se defender”, disse o oficial, olhando de lado como se falasse consigo mesmo e não quisesse envergonhar o explorador com o relato de coisas que lhe eram tão óbvias.

“Mas ele deve ter tido oportunidade de se defender”, disse o explorador erguendo-se da cadeira.

POSIÇÃO DE SENTIDO – O oficial se deu conta de que corria o perigo de ser interrompido por longo tempo na explicação do aparelho; por isso caminhou até o explorador, tomou-o pelo braço, indicou com a mão o condenado, que agora se punha em posição de sentido, já que a atenção se dirigia a ele com tanta evidência – o soldado também deu um puxão na corrente – e disse:

“As coisas se passam da seguinte maneira. Fui nomeado juiz aqui na colônia penal. Apesar da minha juventude. Pois em todas as questões penais estive lado a lado com o comandante e sou também o que melhor conhece o aparelho. O princípio segundo o qual tomo decisões é: a culpa é sempre indubitável. A violência não é evitada com escrúpulos, mas é tomada e usada como um instrumento de purificação, salvação e transfiguração”.

Enquanto prepara a máquina, o oficial carrasco relata detalhadamente ao viajante episódios anteriores de execução. Ressalta que os delinquentes são transfigurados ao fim da tortura, o que se vê claramente em seus rostos. Para as pessoas presentes, ademais, todo o processo representaria uma espécie de redenção e elevação espiritual.

UM CERTO FASCÍNIO – O argumento é apresentado de modo a causar um certo fascínio no viajante (e não menos no leitor). Kafka procede a uma modelagem sutil da situação narrativa, alternando o texto entre a perspectiva dos atores envolvidos e a da impessoalidade do próprio relato.

É de especial importância o fato de que a glorificação do regime totalitário e da máquina de tortura primeiro emane do oficial de execução; em seguida, é de certa forma reconstruída ou condescendida pelo viajante e, finalmente, confirmada de maneira a exercer um efeito objetivador altamente sedutor.

Kafka quer que a situação do viajante seja a situação do leitor. No livro, antes é sugerido sobre o viajante o modo como ele agiria diante da execução sádica de alguém condenado sem julgamento: de maneira negativa e a mais desencorajadora possível.

SE DEIXA SEDUZIR – No entanto, ao presenciar o procedimento, o espectador se deixa seduzir pelos arroubos do oficial, claramente animado pela suspeita, talvez até pelo desejo, de que, para além da sua sempre meticulosa ideia humanista e liberal sobre ordem e direito, exista um reino excepcionalíssimo, ou uma possibilidade para a qual a ordem e o direito são sempre “indubitáveis”, como diz o oficial.

 Aqui, a violência não é evitada com escrúpulos, mas é tomada e usada como um instrumento de purificação, salvação e transfiguração.

Por fim, é escusado dizer que qualquer semelhança entre o pequeno romance kafkiano e a realidade próxima terá sido mera coincidência.

(Artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)

Argentina fecha acordo com El Salvador para rigor total no combate ao crime

A ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, e o ministro da Justiça e Segurança Pública de El Salvador, Gustavo Villatoro, na prisão Centro de Confinamento Terrorista (CECOT), em Tecoluca — Foto: PRESIDÊNCIA DE EL SALVADOR / AFP

Ministra argentina foi conhecer o sistema salvadorenho

Deu em O Globo
Agência FP

Os ministros da Segurança de El Salvador, Gustavo Villatoro, e da Argentina, Patricia Bullrich, assinaram na terça-feira um acordo para “fortalecer” a luta contra o crime organizado. O regime de exceção salvadorenho, que o governo argentino e vários presidentes da região querem copiar, é alvo de críticas de organismos de defesa de direitos humanos nacionais e internacionais.

Um relatório de 2023 apontou sinais de tortura, asfixia, choques elétricos e todo tipo de violações de direitos humanos contra presos durante o regime.

COMPARTILHAMENTO – “Seguindo as orientações dos líderes de El Salvador e da Argentina, nosso presidente Nayib Bukele e o presidente Javier Milei, assinamos, juntamente com a ministra Patricia Bullrich, um acordo de trabalho entre os dois países, com o firme compromisso de fortalecer a luta contra o crime organizado”, afirmou Villatoro, em uma rede social.

Segundo o comunicado conjunto, “serão criados espaços de análise especializados para desenhar estratégias e desenvolver ferramentas inovadoras que permitam combater eficazmente os grupos criminosos”.

A visita de quatro dias de Bullrich a El Salvador começou no domingo, quando a ministra argentina conheceu uma megaprisão inaugurada em 2022 com capacidade para 40 mil presos. Na terça-feira, Bukele a recebeu na sede do governo.

COMPARTILHAMENTO – “Compartilhamos com a delegação do Ministério de Segurança da Argentina as ferramentas e ações que implementamos no desenvolvimento do Plano de Controle Territorial, a estratégia de segurança bem-sucedida que deixou resultados sem precedentes em nosso país”, destacou Villatoro.

“Estamos muito impressionados com todo o processo, obtivemos informações absolutamente completas” — disse Bullrich ao presidente salvadorenho.

Em uma América Latina atormentada pela violência, Bukele é o presidente mais popular, segundo uma pesquisa regional. Outros governantes, como Daniel Noboa (Equador) e Xiomara Castro (Honduras), já tentaram imitar seu modelo — até agora sem sucesso.

REGIME DE EXCEÇÃO – A Human Rights Watch e a Anistia Internacional, por sua vez, denunciaram mortes, tortura e detenções arbitrárias durante o regime de exceção, que é sistematicamente prorrogado. Do total de detidos, quase 8 mil já foram libertados — milhares porque são inocentes.

O custo da segurança é pago pela “população injustamente detida”, resume o coordenador da Comissão dos Direitos Humanos, Miguel Montenegro.

No poder desde 2019, Bukele trava uma “guerra” contra gangues sob um regime de emergência em vigor desde 2022. A medida extraordinária, que permite prisões sem ordem judicial, foi decretada pelo Congresso a pedido de Bukele, em resposta a uma escalada de violência que ceifou a vida de 87 pessoas, entre 25 e 27 de março de 2022.

NAS REDES SOCIAIS – Com um forte apelo nas redes sociais e alto índice de aprovação, Bukele foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos depois de pulverizar a oposição e obter históricos 85% dos votos nas eleições de fevereiro, nas quais seu partido também abocanhou quase todas as cadeiras do Congresso (54 dos 60 assentos).

Antes mesmo da reeleição, o Parlamento dominado por aliados de Bukele, aprovou uma reforma que lhe dará o poder de reformar quantas vezes quiser a Constituição, o que provocou críticas e temores de que o presidente possa prolongar a duração dos períodos de qualquer funcionário no poder, suprimir direitos dos cidadãos e abrir caminho para sua reeleição indefinida.

À época, 11 organizações da sociedade civil se declararam preocupadas com a reforma, pois estimam que ela levará a uma concentração de poder que deixará os salvadorenhos expostos “a abusos por parte do Estado”.

AMEAÇA À DEMOCRACIA – “A reforma constitucional aprovada enfraquece a democracia, enfraquece o Estado de Direito e também enfraquece a institucionalidade democrática do país” — declarou Ramón Villalta, da ONG Iniciativa Social para a Democracia, à AFP.

Mas, depois de derrotar as gangues e tentar concentrar o poder, os especialistas acreditam que a lua de mel com a população salvadorenha pode acabar por questões financeiras. O país enfrenta uma dívida pública de US$ 30 bilhões (R$ 164 bilhões), 29% dos seus 6,5 milhões de habitantes são pobres e muitos continuam emigrando para os Estados Unidos em busca de trabalho. Os 3 milhões de salvadorenhos que vivem no exterior enviam remessas no valor de US$ 8 bilhões por ano (R$ 43,74 bilhões), o equivalente a 24% do PIB do país.

— A segurança está melhor, não temos mais medo de sair (agora), espera-se que haja mais trabalho, melhores condições de vida. Tudo está caro — disse à AFP Sandra Escobar, de 27 anos, caixa de um café na capital.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG –
Na realidade atual, maior rigor contra o crime dá voto, muito voto. Mas o perigo é a sedução da ditadura, como é o caso de El Salvador. (C.N.)