Congresso impõe pautas e vende caro seu apoio a Lula
Caio Sartori e Renata Agostini
Folha
Guardadas as peculiaridades de cada país, a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos deu recados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, provável candidato à reeleição em 2026, e animou a extrema direita brasileira, que demonstrou euforia com o triunfo trumpista.
No cerne do alerta a Lula está a necessidade de melhorar a percepção das pessoas sobre a economia, que não acompanha o bom desempenho do governo em indicadores macroeconômicos — assim como ocorreu com a gestão Joe Biden, da qual a derrotada Kamala Harris era vice.
MUITOS COMPONENTES – Em outra frente, especialistas ouvidos pelo Globo acreditam que “não é só a economia, estúpido”, para parafrasear a célebre máxima do estrategista democrata James Carville. Na eleição dos EUA, entraram em cena componentes como migração e aborto.
O caso americano ilustraria, segundo essa visão, uma mudança no comportamento do eleitorado no mundo todo, com novos temas em jogo e convicções mais consolidadas. Lula, então, até poderia melhorar a avaliação entre os que hoje consideram o governo regular, mas dificilmente vai conquistar quem o avalia como negativo.
No campo econômico, criou-se nos Estados Unidos o termo “vibecession” para se referir ao descompasso entre os indicadores e o que a população de fato sente no dia a dia.
EFEITO PANDEMIA – O neologismo junta as palavras “vibe” e “recessão” para indicar que o país estaria em clima de crise econômica, apesar de os números dizerem o contrário. Trata-se sobretudo de um reflexo da pandemia, período em que a inflação disparou — e é sentida até hoje, a despeito de ter estabilizado.
— Os preços estabilizaram, mas lá em cima — observa o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, especialista em pesquisas eleitorais. — Tem que ver o filme completo: houve um aumento de preços lá atrás, a maior inflação de 50 anos (nos EUA), e hoje os preços não crescem, mas também não caem. E a renda não acompanha, apesar do índice de desemprego baixo.
A pressão sobre os preços já vem sendo utilizada pela oposição para atacar o governo Lula. O preço da picanha — em alusão a uma frase do presidente durante a campanha — é constantemente motivo de embates entre bolsonaristas e esquerda nas redes. Na quarta-feira, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) avaliou que a economia será decisiva em 2026, sobretudo inflação e poder de compra.
EXEMPLO DE SARNEY – Analistas como Lavareda costumam colocar a inflação, ou o preço dos produtos de maneira geral, como o componente econômico mais decisivo para o voto. Um exemplo no Brasil, diz, é o do governo José Sarney. Com o país enfrentando a chaga da hiperinflação, que fez do emedebista um presidente impopular, ninguém se lembra do crescimento médio do PIB de mais de 4% ao ano naquele período.
A disputa presidencial americana teria sido um embate entre o “sim” e o “não” para a continuidade de um governo, assim como tende a ser a brasileira em 2026. Lavareda, no entanto, coloca Lula em situação menos problemática que a de Biden. Nas pesquisas, o petista chega a ter mais avaliação positiva do que negativa, ao contrário do americano.
CENÁRIO APERTADO — Mas não está confortável, claro. Continua um cenário apertado no cálculo de aprovação versus desaprovação. Isso porque a eleição de 2022 não terminou. As redes sociais, hoje, fazem as campanhas não terminarem — pondera.
Assim como Biden, Lula não vê a percepção econômica melhorar, mesmo com PIB surpreendendo, inflação controlada e desemprego baixo. Em setembro, cresceu na pesquisa Quaest o percentual dos que acham que a economia vai piorar nos próximos 12 meses: 41%, contra 33% que acreditam que haverá melhora.
— O nível de desemprego está muito menor, mas o nível de salários está mais baixo. A inflação está sob controle, mas a inflação dos pobres, do feijão, do arroz, da carne, subiu. Não adianta fazer o discurso de números se as pessoas não acham que a vida está melhorando — diz o jornalista Thomas Traumann, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social. — Afinal, ninguém come PIB.