Cessar-fogo não significa que seja alcançada a paz no Oriente Médio

homem de terno diante de mapa de gaza

Netanyahu não quer aceitar a existência de dois Estados

Demétrio Magnoli
Folha

O acordo oficial de cessar-fogo em Gaza, que está nas manchetes, inclui outros dois acordos ocultos sobre os quais se sustenta. Os três têm a marca de Trump. O primeiro, formal, assinala derrotas para Israel e para o Hamas. Israel aceita retirar parcialmente suas forças sem destruir o Hamas, objetivo declarado pelo governo de Netanyahu, e paga um preço elevado com a libertação de centenas de valiosos presos palestinos.

O Hamas, degradado à condição de insurgência guerrilheira, fica isolado regionalmente após a queda da ditadura síria, a derrota militar do Hezbollah e a humilhação do Irã.

DOIS VITORIOSOS – Desse acordo, emergem dois vitoriosos. Os palestinos de Gaza ganham um respiro em meio à colossal tragédia humanitária que se estende por 15 meses.

Trump surge como patrocinador da paz, antes ainda de sua posse. Mas a guerra está nas cartas dos acordos subterrâneos.

O segundo acordo é entre Netanyahu e os ministros supremacistas que mantêm seu governo à tona. Smotrich e Ben Gvir obtiveram do primeiro-ministro as promessas de expandir os assentamentos israelenses na Cisjordânia e, além disso, de retomar a ofensiva em Gaza após a fase 1 do cessar-fogo.

LIMPEZA ÉTNICA – Os dois supremacistas votaram contra o acordo, mas não derrubarão o governo. No lugar disso, farão gestos vazios dirigidos à sua base política —e, sobretudo, oferecerão as promessas informais extraídas de Netanyahu. A meta final deles é a limpeza étnica em Gaza e a recolonização israelense do território palestino.

O terceiro acordo é entre Netanyahu e Trump. Basicamente, trata-se de um compromisso pela derrota total do Hamas — ou seja, de deposição das armas e exílio de seus combatentes ou de extermínio físico deles.

Os sinais estão em declarações públicas dos dois lados.

ACORDO TRADUZIDO – Lado israelense. Um “oficial sênior”, senha utilizada por Netanyahu para dizer aquilo que não pode dizer, emitiu um comunicado com a seguinte passagem: se, nas negociações da fase 2, “o Hamas não concordar com as exigências de Israel para o fim das hostilidades (os objetivos da guerra), Israel permanecerá no Corredor de Philadelphi até nova notícia”. Tradução: Israel retomará a ofensiva caso não obtenha a rendição completa do Hamas.

No lado dos EUA, Pete Hegseth, o indicado por Trump para o Pentágono, afirmou o seguinte na sua audiência de confirmação no Senado: “Eu apoio Israel destruir e matar até o último integrante do Hamas”. Quase simultaneamente, Mike Waltz, novo conselheiro de Segurança Nacional, esclareceu: o Hamas “deve ser destruído até o ponto em que não possa mais se reconstruir”.

Foi ainda mais explícito numa entrevista à Fox News. Na hora em que o cessar-fogo era anunciado por Biden, pediu a atenção do “povo de Israel”: “se precisarem voltar para dentro, estaremos com eles”.

DIA SEGUINTE – Trump jamais criticou Israel pela ausência de um plano político para o “day after”. Essa é a crítica impotente mantida por Biden e Blinken. Do ponto de vista de Trump, o erro de Israel foi conduzir uma guerra lenta que se converteu num desastre de relações públicas.

O novo ocupante da Casa Branca aposta na rendição completa do Hamas —e, na falta disso, numa etapa decisiva de ações militares.

Assinando o cessar-fogo, Netanyahu assume o risco da queda de seu governo. Mas enxerga uma porta de saída na qual está pintado o nome de Trump.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
É triste constatar que a paz duradoura é apenas uma ilusão no Oriente Médio, enquanto Netanyahu estiver no poder. Sem ele, pode ser que a situação melhore e possa haver dois Estados. Devemos  manter a esperança, porque sem ela nada existe. (C.N.)

5 thoughts on “Cessar-fogo não significa que seja alcançada a paz no Oriente Médio

  1. Não esqueçam o bebê 🍼 Kfir
    O Fórum de Reféns e Famílias Desaparecidas disse que a família Bibas “fará um apelo apaixonado pela libertação de Kfir, bem como pela libertação de seus pais Yarden e Shiri e de seu irmão mais velho, Ariel”.

    O evento será realizado no que passou a ser conhecido como “Hostages Plaza” [praça dos reféns, em tradução literal], em Tel Aviv, às 15h30 no horário local (10h no horário de Brasília).

    No entanto, não está claro se Kfir Bibas ainda está vivo.

    • O Hamas em 2007 eleito para o parlamento, exterminouu a democracia palestina.

      Netanyahu, seja lá qual ideologia professa, foi legitimaente eleito e não é uma ameaça pra Democracia Israelense.

      Estamos vivendo épocas estranhas em que humanistas pouco importam com a pena de morte imposta pelo Hamas e os massacres de seus adversários em Gaza.

      Ainda que seja o fim da guerra, o povo palestino não chegou, nem chegará so paraíso.

      Em 2010:

      https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/04/100415_hamaspenamortegaza_gf

      Pós-guerra, quantos “colaboradores com Israel” serão executados?

    • Aliás, tudo indica que o povo palestino estará entregue à sua própria sorte.

      A menos que os países árabes, que não suportam e veem o Hamas como ameaça, importem com a reconstrução de Gaza, como muito bem sugerido pelo jornalista desta coluna, Carlos Newton.

      Oremos!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *