Paulo Peres
Poemas & Canções
A professora, jornalista e poeta carioca Cecília Meireles (1901-1964) sente no poema “Irrealidade” que não há passado nem futuro, porque tudo que ela sonha e anseia está no presente.
IRREALIDADE
Cecília Meireles
Como num sonho
aqui me vedes:
água escorrendo
por estas redes
de noite e dia.
A minha fala
parece mesmo
vir do meu lábio
e anda na sala
suspensa em asas
de alegoria.
Sou tão visível
que não se estranha
o meu sorriso.
E com tamanha
clareza pensa
que não preciso
dizer que vive
minha presença.
E estou de longe,
compadecida.
Minha vigília
é anfiteatro
que toda a vida
cerca, de frente.
Não há passado
nem há futuro.
Tudo que abarco
se faz presente.
Se me perguntam
pessoas, datas,
pequenas coisas
gratas e ingrata,
cifras e marcos
de quando e de onde,
– a minha fala
tão bem responde
que todos crêem
que estou na sala.
E ao meu sorriso
vós me sorris…
Correspondência
do paraíso
da nossa ausência
desconhecida
e tão feliz.
O Amor da Rosa Branca
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Num certo mundo encantado havia um beija-flor
Que vivia muito ocupado a voar de flor em flor
Num constante vaivém, em repetidos clamores
Jurava sempre querer bem e amar todas as flores
Mas elas bem que sabiam que ele era louco pelo perfume
De uma rosa branca, o que causava a elas inveja e ciúmes
Um dia, porém, surgiu no jardim uma flor muito formosa
Pequena como o jasmin, e mais perfumada que as rosas
Com todo esse o seu encanto, logo o beija-flor seduziu
E a rosa branca, enciumada, de dor as pétalas tingiu
Seus dias então se tornaram sempre tristes e cinzentos
Sem que nela houvesse ao menos esperança ou alento
Certa manhã, porém, surpresa a rosa branca viu
Enxames de abelhas a voar, e um girassol que se abriu
Viu também milhares de jasmins, begônias, margaridas
Radiantes a festejar a primavera bem-vinda
Primavera! Primavera! Parecia a natureza clamar
E, por toda parte, fragâncias misturavam-se no ar …
De súbito a rosa branca viu num canteiro distante
Um pequenino beija-flor, falando às flores, galante
Um frisson incontido por suas pétalas correu:
Era ele que voltava, afinal, o seu amado Romeu!
(Sapo de Toga)