Lula acerta em dar entrevista coletiva, mas não tinha o que mostrar

Lula durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto

Lula obedece ao marqueteiro e dá entrevista coletiva

Vera Magalhães
O Globo

Um Lula bem disposto, com fala escorreita, propositalmente simpático com os jornalistas e aparentando ter consciência de que precisa dar uma volta por cima em seu governo concedeu uma rara entrevista nesta quinta-feira. Prometeu que esses eventos serão mais frequentes, mas falta a ele ter o que mostrar em termos de realizações e a nós, da imprensa, fazer o dever de casa para aproveitar a oportunidade de estar diante do presidente da República para um questionamento mais incisivo, que reflita a complexidade do momento político, econômico e internacional.

A coletiva foi boa para Lula. Ponto para Sidônio Palmeira, que conseguiu, em duas semanas, convencer o petista a falar com a imprensa.

LEVE DEMAIS – Espertamente, demonstrando que ainda mantém um tanto da boa forma de uma raposa política que é, o presidente começou se desdobrando em gracinhas para os jornalistas e fazendo menção à sua recente cirurgia, e terminou agradecendo as perguntas e dizendo que os editores ficariam bravos. Foi, portanto, mais leve do que ele esperava –e do que o momento pedia.

Lula, foi, sim, questionado sobre os principais assuntos. Mas o modelo que não permite réplicas quando o presidente circula a pergunta impediu que ele fosse mais “apertado”.

Ainda assim, é positivo que a mudança na Secom traga logo nas primeiras semanas uma abertura maior para a exposição de Lula diante da imprensa. O modelo pode ser aperfeiçoado a cada oportunidade, inclusive com maior preparação prévia por parte de nós, da imprensa.

SEM ARGUMENTOS – O maior problema para o presidente é que o que ele tem para mostrar de positivo do terceiro mandato se restringe a 2023: do combate ao golpismo à baixa do preço da picanha, que ele mesmo reconheceu que subiu um ano depois, todas as vitórias, inclusive no Congresso, foram na largada do governo.

Mais: para além da disposição de Lula de dizer que vai dialogar e voltar a percorrer o país, nada sobressaiu como plano de voo para os dois últimos anos, que ele mesmo classificou como os mais importantes.

Só a defesa da democracia e uma espécie de uma ameaça velada de que, sem ele, o Brasil estará entregue à direira autoritária, mas isso não enche barriga nem garante popularidade a quem precisa dela e já fez bem mais nas ocasiões anteriores em que ocupou o Planalto.

FALTA DINHEIRO – A volta de Donald Trump ao poder, depois do Capitólio e com tudo que explicitou ao longo da campanha que pretendia fazer caso eleito, é um alerta para o quanto o eleitor pode relativizar a defesa da democracia quando sente — corretamente ou não — que algo lhe falta no bolso ou, de forma mais difusa, no ambiente social e cultural em que está inserido.

O ponto mais complicado da entrevista foi justamente no começo, quando Lula foi questionado sobre a decisão do Banco Central, na primeira reunião sob o comando de Gabriel Galípolo, ter aumentado a taxa básica de juros em 1 ponto percentual e, ainda assim, isso não ter ensejado críticas de sua parte como as feitas nos tempos de Roberto Campos Neto.

JUROS ALTOS – Lula poderia ter aproveitado para exercitar o que ele mesmo disse na entrevista que pretende fazer: reconhecer quando erra.

Neste caso, para dizer que demorou, mas compreendeu que a autoridade monetária é autônoma e que seu principal mandato é levar a inflação para a meta. Mas não: ele preferiu adotar uma postura paternalista e condescendente em relação a Galípolo, desnecessariamente dizer que “fala” coisas para seu indicado ao BC e que tem confiança de que no futuro a instituição vai baixar os juros.

Não ajuda a construir a credibilidade que, também de forma correta, reconheceu na coletiva de que precisa aumentar.

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