Eliane Cantanhêde
Estadão
O ministro Alexandre de Moraes errou no julgamento dos primeiros réus, quando disse que, ao contrário do que “o terraplanismo e o negacionismo obscuro” propagam, o 8 de janeiro não foi um “domingo no parque”, como se aquelas pessoas “tivessem comprado ingresso para o Hopi Hari ou a Disney”. Erradíssimo, pelo menos para o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta. “Não foi golpe!”, declarou ele. Logo, foi o quê? Um domingo no parque, ou melhor, um sábado no parque?
O presidente da Câmara decretou que o ministro do STF está equivocado e o ministro do STF pode incluir o presidente da Câmara entre os terraplanistas e negacionistas obscuros.
PERTO DO JULGAMENTO – Durma-se com um barulho desses, enquanto o Supremo, Moraes à frente, se prepara para o julgamento, não mais de quem estava lá, mas dos donos e funcionários do parquinho. Perto disso, Hopi Hari e Disney não têm graça nenhuma.
A declaração do deputado, que tem 35 anos e obteve apoio do PT ao PL, reforça duas perguntas que não querem calar: afinal, quem é o verdadeiro Hugo Motta e o que esperar dele, que agora tem até a caneta do impeachment de presidentes da República à mão? (Ninguém acha que ele tocaria a cassação de Lula, mas a informação é apenas para exemplificar a dimensão do cargo.)
Ao visitar Lula no Planalto com Davi Alcolumbre, depois das posses de ambos no Congresso, Motta levou junto a avó, Francisca, que foi prefeita de Patos (PB) e, assim como o atual prefeito, pai do deputado, teve um vice petista. Francisca foi logo dizendo: “Lula, eu sempre votei em você, desde 1989!”. Roubou a cena, foi uma festa.
SÃO LULISTAS? – Então, os Motta são de esquerda e lulistas? E Hugo, o menino prodígio? Escolhido a dedo para a presidência da Câmara por Arthur Lira, ele é do Republicanos de Tarcísio Gomes de Freitas e enveredou pela política nacional pelas mãos de Eduardo Cunha, que deflagrou e comandou o impeachment da petista Dilma Rousseff, com apoio cotidiano e entusiasmado do jovem deputado paraibano.
A pergunta seguinte é: quem vai se decepcionar primeiro com o novo presidente da Câmara, Lula e o PT ou Jair Bolsonaro e a oposição?
Agradar aos dois lados parece missão impossível. No início, tudo são flores. Depois, a corda bamba, ora para um lado, ora para o outro, até que a corda arrebenta. Esse momento tende a ser no debate sobre a anistia para os do parquinho, ou durante o próprio julgamento dos seus donos e funcionários.
ANISTIA PREVENTIVA – Como “advogado e jurista”, o presidente do Republicanos disse à Rádio Eldorado que não existe anistia preventiva, mas para condenados. Assim, a intenção é empurrar com a barriga e ver como é que fica.
Aí, entra a segunda parte da declaração de Hugo Motta sobre o 8 de janeiro: as penas que ele considera excessivas e sem gradação. Citou até as senhoras no parquinho naquele sábado. (Coitadas, passaram dias nos quartéis pedindo golpe e contavam com tanques nas ruas, mas no 8/1 só estavam cuidando dos netinhos levados…)
REVISÃO DAS PENAS – Ironias à parte, hoje, a anistia é improvável, pela avalanche de provas e o acesso da população a elas, mas alguma revisão das penas é possível, como já diziam desde o início ministros do STF de lados opostos.
Ou seja, como tudo na política e nas delicadas fronteiras entre política e justiça, há muita negociação e diferentes gradações, mas uma coisa é certa: os rumos dependem da força de Lula e da recuperação do governo.
Até para que possamos saber quem, afinal, é Hugo Motta. Alcolumbre, todos já conhecemos muito bem.