Cid e militares contestam tese de que reunião de oficiais era para dar golpe

Mauro Cid diz que Bolsonaro 'ficou milionário' enquanto sua vida  desmoronava | Jovem Pan

Cid não concorda com ilação do procurador Paulo Gonet

Cézar Feitoza
Folha

A PGR (Procuradoria-Geral da República) denunciou seis oficiais do Exército que participaram de uma reunião em novembro de 2022 na qual, segundo a acusação, foram elaboradas estratégias para pressionar os chefes militares a apoiarem um golpe de Estado.

A versão apresentada pela PGR é contestada pelo tenente-coronel Mauro Cid e pelos militares que participaram do encontro. Diante do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o delator reafirmou o argumento de que a reunião não tramava conspirações.

CONVERSA DE BAR – “Eu gostaria de caracterizar essa reunião como conversa de bar. Bate-papo de bar. Ninguém apresentou documento, ninguém sentou para organizar [a pressão contra os comandantes militares]”, disse Cid.

O encontro ocorreu na noite de 28 de novembro de 2022 no salão de festas do prédio em que morava o coronel Márcio Nunes de Resende Júnior, em Brasília. Era uma segunda-feira, dia que marcava o início das reuniões do Alto Comando do Exército naquela semana, quando a cúpula da Força se encontrava na capital federal.

Mauro Cid disse, em depoimento à Polícia Federal, que militares com formação nas Forças Especiais se encontravam com frequência mensal em Brasília para confraternizar. Como os “kids pretos” que assessoravam generais do Alto Comando tinham viajado a Brasília naquela semana, decidiu-se, segundo Cid, marcar um encontro dos antigos colegas.

SERIA CONSPIRAÇÃO? – A conversa durou cerca de três horas. Os militares denunciados tentam minimizar o teor das conversas, enquanto a PGR interpreta o encontro como parte das conspirações golpistas.

Segundo a Procuradoria, a reunião foi organizada pelo coronel Bernardo Romão Correa Neto —à época assistente do então comandante militar do Sul, general Fernando Soares.

“Resolvi tomar uma iniciativa e conto com o apoio do Nilton para isso. Reunir alguns FE [Forças Especiais] em funções chaves para termos uma conversa sobre como influenciar nossos chefes”, escreveu Correa Neto para o coronel Fabrício Moreira de Bastos em 26 de novembro de 2022.

ESTRATÉGIA DE PRESSÃO – A PF diz que cerca de dez militares participaram do encontro. A PGR reforça que a reunião buscava “desenvolver estratégia de pressão sobre os comandantes renitentes [aos planos por um golpe de Estado]”.

O procurador-geral Paulo Gonet destaca dois pontos principais para concluir que os militares presentes na reunião conspiravam contra a democracia.

O primeiro é o fato de que os oficiais tinham enviado entre si, pelo WhatsApp, um documento elaborado por militares do Exército cujo objetivo era pressionar o comandante da Força para apoiar o golpe.

CARTA DA ATIVA – A “carta dos oficiais da ativa ao Comando do Exército” passou a circular nos meios militares naquele dia, como mostrou a Folha. Os quatro coronéis autores do documento foram identificados em investigação do Exército e indiciados na Justiça Militar —Paulo Gonet, porém, não denunciou os indisciplinados.

O fato de os militares já terem acesso à carta e terem conversado sobre o documento na reunião é apontado pela PGR como prova de que eles pressionaram o comandante do Exército por um golpe.

A segunda prova apontada pela PGR são mensagens de WhatsApp trocadas entre os militares durante o encontro. Em uma delas, o coronel Bastos elencou cinco “ideias-força” supostamente definidas na reunião.

IDÉIAS-FORÇA – Seriam elas as seguintes, segundo o militar: 1) “Falta de coesão dentro da Força — Nec [necessidade] de atuação no curtíssimo prazo”; 2) “Nec de alertar os C Mil A [Comandos Militares de Áreas] acerca da realidade”; 3) “Rlz [realizar] ações concretas no campo informacional (comunicação estratégica)”; 4) “Criação de um Gab [gabinete de] Crise, inicialmente no campo informacional”; 5) “O EB [Exército Brasileiro] deverá falar com o Presidentes do Poder Legislativo e Judiciário”.

E o “estado final desejado” seria estabelecer “laços de confiança” entre o então presidente Jair Bolsonaro (PL) e o comandante do Exército, general Freire Gomes.

CENTRO DA GRAVIDADE – O coronel Bastos ainda apontava o ministro Alexandre de Moraes como o “centro de gravidade” —conceito militar que representa a fonte de força e de poder do inimigo, alvo principal para desestabilizar o oponente.

Mesmo com as provas apresentadas pela PGR, Mauro Cid disse em depoimento que o encontro entre os militares era informal e não foram elaborados planos para pressionar os chefes das Forças Armadas.

“Obviamente, o que foi conversado e discutido é a mesma coisa da conjuntura, do que estava acontecendo. Se conversou sobre as manifestações, do pessoal pedindo [o artigo] 142, aquela pressão que estava acontecendo no Exército”, disse Cid à Polícia Federal.

QUERIA SABER – “O pessoal queria saber o que cada oficial estava pensando, porque ali tinha militares que eram assessores de generais. O que cada comandante estava pensando. Então o papo foi em torno disso daí.”

Segundo Cid, o coronel Cleverson Ney Magalhães disse no encontro que seu chefe, o general Estevam Theophilo, era “muito leal ao general Freire Gomes e que não iria fazer nada se não tivesse anuência do Alto Comando”.

Sobre a carta dos oficiais, Cid disse que o assunto foi comentado como se fosse um “tiro no pé”. “Quem assinasse seria punido e ia acabar não tendo muita relevância [na carreira], porque o militar não pode assinar abaixo-assinado”, completou.

CONFRATERNIZAÇÃO – O coronel Correa Neto defendeu linha parecida com Cid. Disse, segundo termo de depoimento, que na reunião “foi conversado [sobre] o momento pessoal de cada um e sobre o cenário político”.

O coronel Cleverson também afirmou à PF que tratou o encontro como uma “confraternização de final de ano extremamente informal”. Ele disse ainda que foi contra a carta que pressionava o general Freire Gomes: “Transparece uma transgressão disciplinar; [olhei] com esse enfoque para a referida carta”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Mas uma excelente matéria de Cézar Feitosa. Mostra a disparidade entre o que foi dito na delação e o que foi ouvido pela Procuradoria, digamos assim. O nome disso é manipulação. (C.N.)

6 thoughts on “Cid e militares contestam tese de que reunião de oficiais era para dar golpe

  1. O Supremo precisa se ajudar

    No dia seguinte à chegada da denúncia contra Jair Bolsonaro e outros 33 acusados de tramar um golpe de Estado, entre outros crimes, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli livrou mais um petista graúdo, corrupto confesso, apanhado pela Operação Lava Jato. Como foi noticiado, trata-se de Antonio Palocci, figura de proa nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff….

    https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/o-supremo-precisa-se-ajudar/ar-AA1zEa0o?ocid=BingNewsBrowse

    aquele abraço

    • O Supremo precisa se ajudar

      No dia seguinte à chegada da denúncia contra Jair Bolsonaro e outros 33 acusados de tramar um golpe de Estado, entre outros crimes, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli livrou mais um petista graúdo, corrupto confesso, apanhado pela Operação Lava Jato. Como foi noticiado, trata-se de Antonio Palocci, figura de proa nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff….

      Pode ter sido apenas uma infeliz coincidência, claro, mas pouco importa. Fato é que a decisão monocrática de Dias Toffoli, um ministro que dá mostras de estar cada vez mais determinado a arruinar o que ainda resta de reputação institucional ao Supremo, em nada contribui, muito ao contrário, para o resgate da aura de imparcialidade que há de orientar a Corte durante o julgamento mais importante do País sob a égide da Constituição de 1988 – a mesma que teria sido rasgada se o golpe urdido nos estertores do governo Bolsonaro tivesse prosperado.
      O julgamento do ex-presidente não pode apenas ser isento; ele precisa parecer isento. Trata-se de um processo crucial para o futuro próximo do País, com óbvias implicações políticas e sociais. O que está em jogo, afinal, é a punição exemplar daqueles que, como sustenta a Procuradoria-Geral da República (PGR), tentaram derrubar a democracia brasileira com emprego de violência para satisfazer um vil desejo de poder, ainda que o preço dessa ignomínia fosse a morte de concidadãos.

      A técnica e a imparcialidade do Supremo, portanto, são os únicos antídotos contra futuras contestações que possam levar à impunidade. À vista de todos, aí estão os erros que foram cometidos por agentes do Estado no curso da Lava Jato e o diligente labor de Dias Toffoli para destruir todo o trabalho da operação sem qualquer cuidado ou matiz. Hoje, criminosos confessos podem posar de “vítimas” e rir do sistema de Justiça, iluminando os riscos que a má condução do processo contra os golpistas representa para a higidez do Estado Democrático de Direito no Brasil.

      Bolsonaro é uma figura polarizadora, para dizer o mínimo, e sempre estimulou a cizânia contra o STF, de modo que o desgaste para a Corte está contratado. Seja ele condenado ou absolvido, a decisão reforçará as suspeitas de muitos cidadãos, satisfeitos ou não com o resultado, de que o Supremo se tornou um centro de intervenções políticas nos rumos da vida nacional.

      Não que o Supremo tenha de se preocupar com a repercussão de seus julgados perante a opinião pública. Afinal, somada às garantias da magistratura previstas na Lei Orgânica e na Constituição, a natureza contramajoritária da Corte serve justamente para que suas decisões pairem acima dos interesses que elas possam frustrar e, sobretudo, para assegurar aos ministros a tranquilidade necessária para que decidam as lides com técnica e imparcialidade.

      Isso não significa, contudo, que o STF exerça um poder olímpico sobre a Nação, como se decidisse para as suas paredes de mármore. Não faria mal um pouco mais de sensibilidade às críticas e aos apelos por contenção vindos de cidadãos de boa-fé. Se é certo que o julgamento de Bolsonaro provocará desgaste ao STF, quão profundo será depende exclusivamente do comportamento de seus próprios ministros. Vale dizer: mais do que nunca, o Supremo precisa se ajudar.

      E o Supremo não se ajuda, por exemplo, quando o ministro Alexandre de Moraes, suposta vítima e, ao mesmo tempo, investigador e relator do processo, sinaliza resistência à transferência do julgamento da Primeira Turma para o plenário do STF, onde aumenta a chance de haver votos contrários à condenação de Bolsonaro. O Regimento Interno assegura ao relator a prerrogativa de decidir em que esfera a ação penal sob sua relatoria será julgada. Por outro lado, a Corte não é propriamente conhecida pela solidez de sua jurisprudência. O entendimento dos ministros sobre as competências do plenário e das turmas já mudou um sem-número de vezes, a depender de quem estava sendo julgado. Ou seja, é uma questão de bom senso.

      Não é só o futuro penal de Bolsonaro que será definido no julgamento; o próprio STF estará sob escrutínio. Por isso, a Corte deve dar um exemplo de transparência e isenção.

  2. Sr. Newton

    Será que o Esquerdão e a Foice & Martelo estão largando a mão do Latrocida.??

    Com prejuízo para o Brasil, Toffoli livra Palocci da Lava Jato

    Decisão monocrática anula atos da operação contra ex-ministro de Lula e Dilma, o que não apaga os graves crimes apurados

    O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, aprontou mais uma. Sozinho, sem levar o caso para avaliação de seus colegas, anulou todos os atos da Operação Lava Jato contra Antonio Palocci.

    A decisão mantém válido, porém, o acordo de delação premiada firmado por Palocci, que atuou como ministro da Fazenda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da Casa Civil de Dilma Rousseff (PT) —e caiu de ambos os cargos devido a diferentes escândalos.

    Trata-se, na forma e no conteúdo, de reprodução da medida determinada pelo magistrado em relação a Marcelo Odebrecht. Em 2024, o empresário pleiteou a anulação de seu processo com base em irregularidades apontadas na investigação da Lava Jato após um hacker expor conversas da força-tarefa em Curitiba.

    Toffoli, que aquiesceu à solicitação de Odebrecht, agora fez o mesmo diante de pedido de Palocci. Para o ministro do Supremo, o combate à corrupção no âmbito da operação deu-se “de maneira clandestina e ilegal, equiparando-se órgão acusador aos réus na vala comum de condutas tipificadas como crime.”

    E, como se acreditasse na própria lamúria, afirmou: “O necessário combate à corrupção não autoriza o fiscal e aplicador da lei a descumpri-la, devendo-se lamentar que esse comportamento, devidamente identificado a partir de diálogos da Operação Spoofing, tenha desembocado em nulidade, com enormes prejuízos para o Brasil”.

    São, de fato, enormes os prejuízos para o Brasil —e todos eles decorrem da assinatura solitária de Toffoli. Pois foi ele, em setembro de 2023, quem julgou imprestáveis as provas reunidas pela Lava Jato contra a Odebrecht. Também foi ele quem suspendeu as multas bilionárias fixadas em acordo com a empreiteira.

    O mesmo magistrado ainda encontrou uma maneira de favorecer a companhia J&F, cujo processo nem passou pela vara federal de Curitiba, mas que contratou a esposa de Toffoli como advogada em um litígio empresarial.

    E esses são apenas os danos materiais. De um ponto de vista menos tangível, o ministro dilapida o patrimônio institucional dos órgãos de controle, ao fazer crer que, no Brasil, combater a corrupção é um esforço de Sísifo, fadado ao fracasso recorrente.

    Não se ignora a parcela de responsabilidade que cabe ao ex-juiz federal Sergio Moro e ao ex-procurador Deltan Dallagnol, figuras que contaminaram a Lava Jato com seu messianismo e sua ambição política depois revelada.

    As ações heterodoxas que conduziram, contudo, não apagam a existência dos gravíssimos crimes reconhecidos por dezenas de réus ao longo da operação nem justifica que suas penas sejam varridas para baixo do tapete.

    A Justiça brasileira precisa encontrar o devido equilíbrio ao lidar com políticos e empresários —vale dizer, precisa aplicar a lei. Ao oscilar entre a impunidade e a perseguição, só produz descrédito na instituição como um todo (Folha, 24/2/25)

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