João Pereira Coutinho
Folha
Alguém dizia que o verdadeiro problema de estar preso é não poder trancar a porta por dentro. Nunca estive preso. Mas imagino que esse seja o maior dos terrores: a porta se abre a qualquer momento para que o Estado exerça a sua violência sobre nós. Em ditadura, deve ser a mesma coisa. Aliás, o que é uma ditadura senão uma prisão coletiva?
O filme “Ainda Estou Aqui” ilustra essa dinâmica na perfeição. Verdade: os jagunços batem à porta dos Paiva. Mas é apenas uma cortesia ilusória.
UM CRIME MAIOR – A invasão do espaço íntimo, com seu cortejo de abusos e boçalidades, é o prelúdio de um crime maior: o assalto a uma família e a destruição física de um dos seus membros.
Para o poder ditatorial, a vida não tem paredes, eis o ponto. Só os sonhos estão a salvo, embora haja quem discorde: a escritora alemã Charlotte Beradt (1907–1986) dedicou-se a registrar os sonhos que os alemães tiveram entre 1933 e 1939 para mostrar os tentáculos invisíveis do totalitarismo.
O resultado é uma obra-prima intitulada “O Terceiro Reich do Sonho”, traduzida para o português por Mário Gomes e publicada pela editora lusa VS. É um dos meus grandes livros do ano.
ESTADO DE EXCEÇÃO – Não há violência física nesses sonhos, porque Beradt optou por não publicar esses relatos. Curiosamente, Walter Salles também ocultou essa dimensão mais primitiva e bárbara. Entendo. Não devemos dar aos algozes a alegria de contemplarem suas próprias atrocidades.
A violência assume outra forma: a transformação do cotidiano em um “estado de exceção”, onde não há lugar para segurança e previsibilidade e onde até os objetos mais banais se tornam provas incriminatórias.
Ou então, em vozes inquisitoriais, repetindo mecanicamente a propaganda do regime ou acusando os indivíduos de suas falhas e misérias, como em “1984”, de George Orwell.
AUTOCONDENAÇÃO – Os alemães sob Hitler sonhavam que as palavras mais inocentes —”eu”, “Deus”, “infelicidade”– os condenavam de imediato. Sonhavam que os próprios pensamentos estavam sob escuta. Sonhavam em língua estrangeira (e estranha) para que nem eles pudessem decifrar o que diziam ou pensavam.
Entre 1933 e 1939, sonhou-se muito com narizes grandes e peles morenas, mesmo entre os “arianos”, como se as dimensões do corpo ou a pigmentação da pele fossem marcas de infâmia.
Documentos ou passaportes eram constantes nesses filmes oníricos. Como se o papel certo, ou errado, fosse a diferença fundamental entre a vida e a morte. Ver os documentos destruídos, perdidos, esquecidos – o maior dos pesadelos, no sentido literal e metafórico.
ATÉ A MATEMÁTICA – E que dizer da professora de matemática que sonhava recorrentemente com uma Alemanha onde até a matemática tinha sido proibida? Ela, apesar de tudo, conseguia ainda escrever algumas equações em segredo, como se os números a mantivessem ligada a uma vida que perdera.
No livro de Beradt, dois sonhos em especial possuem qualidades literárias que os elevam acima de um simples documento histórico. Poderiam ter sido escritos por Kafka, não fosse ele já o autor de todos os pesadelos possíveis.
O primeiro, recorrente, pertence a um industrial alemão, social-democrata, que recebe a visita de Goebbels na sua fábrica. Em frente aos trabalhadores, o homem demora 30 longos minutos a levantar o braço para fazer a saudação nazi.
ESFORÇO DEMASIADO – Numa das versões, o esforço é tanto que o industrial quebra a coluna, como se fosse um boneco enferrujado.
No segundo sonho, um médico antinazista é chamado de urgência para tratar Hitler. O homem vai, cura o ditador, é elogiado por ele – e sente orgulho pelo seu feito ao mesmo tempo em que chora de vergonha por sentir orgulho.
Nos dois casos, a violência não vem apenas do regime, mas também dos próprios indivíduos contra si mesmos. Essa é uma das conclusões de Charlotte Beradt sobre o totalitarismo: o medo e o terror são tão interiorizados que os indivíduos acabam se tornando “cúmplices” involuntários da própria submissão.
HITLER ASSASSINADO – Aliás, se dúvidas houvesse, a autora apenas cartografou um único sonho em que Hitler era assassinado. Matar o tirano era não só indizível como inimaginável.
Nessa galeria de sonhos, Beradt dedica um capítulo aos sonhos dos judeus, que, estranhamente, tragicamente, oscilam entre a tentativa de cortejar as boas graças de Hitler e a imperiosa necessidade de fugir dele. Num desses sonhos, um judeu viaja ao Único País que não Odeia Judeus (assim referido), atravessando as terras geladas da Lapônia. Mas, ao chegar à fronteira da salvação, até essa última porta se fecha na sua cara.
Entre as portas que não conseguimos trancar e aquelas que não conseguimos abrir, que venha o diabo e escolha.
Pior do que a perda de uma vida é antecipar a morte de quem de quem nem ainda viveu:
“Ela nem pensou duas vezes. Não deu lição de moral, uma dura, não reagiu emocionalmente, usou a razão, como sempre. Deu o dinheiro, apoio, e ainda exigiu o melhor”, escreveu ele no capítulo que ficou de fora do filme que rendeu o primeiro Oscar ao Brasil.
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https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/eunice-paiva-financiou-o-aborto-do-proprio-neto/#success=true
H-I-P-Ò-C-R-I-T-A-S…..
Tem que expor a hipocrisia desses hipocritinhas duma figa……
Viva a Hipocrisia!!
Viva Fidel!!
Viva Cuba!!
Viva El Ratón…!!!
O que as feministas – naturais ou trans – podem dizer a respeito do “pagamento para abortar” ?
Seria a namorada filha de militar ?
Sr. Newton
Em um Pais Comunista todos são iguais, desde um morador de rua, até um desembargador….
Todos iguais..
“…Oito dos dez juízes mais bem pagos do país em 2024 são aposentados
Cada um dos magistrados recebeu de R$ 2 milhões a R$ 2,5 milhões em suas contas…””
aquele abraço
Não conheço João Pereira Coutinho, mas meus aplausos ao oportunismo e brilhantismo de sua reflexão.
Uma oportunidade para aqueles que prezam sua família e o país e têm um QI razoável, meditarem e pensarem que vida desejam para eles.
DEUSES E RELIGIÕES, AS MAIS COVARDES E HIPÓCRITAS CRIAÇÕES POLÍTICAS DO HOMEM ANIMALESCO, PELA SUA PREPOTÊNCIA E IRRESPONSABILIDADE EM RELAÇÃO À PROLE. Os seres humanos vêm ao mundo em situação muito pior do que a dos animais e só não se dá conta disso os próprios animais humanos descerebrados, religiosos, hipócritas, dissimulados, sonsos, astutos, maquiavélicos. Os animais pelo menos não são hipócritas pois apresentam a vida a seus filhotes como ela é, pura e simples, sem discursos, sem justificativas divinas falsas, mentirosas, enganadoras. Os animais instintivamente sabem que os filhotes vão amar a vida com se a vida fosse divina, ‘’uma dádiva dos deuses ou de deus’’. Os filhotes dos animais das selvas, das savanas, do deserto, do gelo, só precisam ser ensinados em coisas básicas em sua sobrevivência e perpetuação da espécie. Muitas espécies, como os répteis, são abandonadas ao nascerem, ‘’se virem’’, ‘’dizem’’ os progenitores, da mesma forma que a maior parte dos animais humanos. Pelo menos as serpentes e as hienas escolhem um lugar protegido até o nascimento dos filhotes. A humanidade é a mais animalesca, dentre todas as espécies, haja vista que colocam 10, 15 filhos em favelas, cortiços, zonas de fome, violência, criminalidade, ou em palácios riquíssimos de disputas medievais sanguinárias, como Versalhes e Vaticano, etc.: ‘’virem-se!’’. Só que os cleros não se envolvem diretamente nas lutas, pois são covardes, dissimulados, astutos, maquiavélicos, inteligentes, como Bolsonaro, são 2 mil anos de aprendizado dos clérigos cristãos! Venha a nós o reino político, miserável, dos ricos, violentos, de conquistas e invasões escravistas e territoriais, tal qual ‘’ A Guerra dos Tronos, Uma História Real’’ ou ‘’Herdeiros da Terra’’, dentre milhares de outros filmes e séries sobre fatos reais, pelo menos para aqueles que ignoram completamente a verdadeira história sanguinária do cristianismo, de onde veio a descomunal riqueza das igrejas cristãs teocráticas! Os analfabetos brasileiros que adoram futebol, carnaval, baladas, e praias ensolaradas, mas que nem mesmo leem uma página de um livro por ano! Escravistas ricos ou escravos assalariados miseráveis felizes pela dádiva da vida ‘’dada por Deus’’. Os deuses justificam tudo! Observemos as palavras do padre Antônio Vieira, um dos maiores canalhas do ‘’Reino de Deus’’: “Somente assim cumprir-se-ia seu glorioso destino [dos escravos], enquanto devotos de Nossa Senhora do Rosário, filhos prediletos no mundo”. (…) as dores de Cristo na cruz e a dureza do cotidiano escravo nos engenhos. (…) Imitação de Cristo – era essa a gloriosa vida dos negros escravos (…) “A Paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias [escravos]. Cristo despido, e vós despidos: Cristo sem comer, e vós famintos: Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo’’. Por isso mesmo os deuses foram criados pelo Homem político e religioso, mafioso, organizacional, oportunista, escravista, também para calar a boca das crianças com suas perguntas difíceis, inexplicáveis também para os adultos. ‘’Deus quer assim”, ‘’Os Deuses fizeram assim e não gostam que perguntem sobre isso’’, ‘’Só Deus sabe’’, ‘’Graças a Deus’’, ‘’Deus tudo sabe, tudo vê’’. Hasta la vista Deus! LUÍS CARLOS BALREIRA. PRESIDENTE MUNDIAL DA LEGIÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA.
Caro Balreira
Por favor nao intrepete como arrogancia ou intromissão mas cono humilde sugestão.
Seus textos são caudalosos, cheios de vigor , devem brotar de forma expontane criativa, mas longos e de dificil acompanhamento.
Por qye voce nao o divide em paragrafos, sem alterar a essencia mas tornando-os mais amigaveis ao visual e a leitura?
Perdoe o atrevimento mas o intuito é só colaborar.
Abs
Eduardo Bolsonaro: Ditadura de verdade foi a de 64, que os Bolsonaros vivem a celebrar
A fuga do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para os EUA, sob a tresloucada justificativa de que o Brasil estaria sob regime de exceção (ditadura), emite um potente sinal político.
A família Bolsonaro já dá como favas contadas a condenação e a prisão de Jair Bolsonaro pelos crimes dos quais o ex-presidente foi acusado pela PGR no âmbito da tentativa de golpe para aferrá-lo ao poder em 2022.
E à medida que Bolsonaro se aproxima desse encontro com o destino, aos membros de seu clã parece não haver alternativa a não ser reivindicar a condição de “perseguidos políticos” por uma “ditadura”.
Ora, ditadura de verdade, sem aspas, é o que vigorou de 1964 a 1985, período no qual muitos cidadãos brasileiros não tiveram escolha senão exilar-se no exterior porque as alternativas eram a prisão e a tortura.
Pois é essa ditadura que os Bolsonaros e seus seguidores frequentemente celebram, há décadas.
Na “ditadura” denunciada pelo Eduardo Bolsonaro, recentemente, Jair Bolsonaro pôde liderar livremente uma manifestação política no Rio de Janeiro, na qual os bolsonaristas expressaram sua hostilidade ao Judiciário.
Ademais, que ditadura é esta da qual um dos deputados mais bem votados do Brasil se apresenta como “vítima”, malgrado manter intocados seus direitos políticos e suas prerrogativas parlamentares?
Se nesta “história” mal contada há um inimigo declarado do Estado Democrático de Direito, este é o próprio Eduardo Bolsonaro, useiro e vezeiro em desmoralizar as instituições republicanas. Trata-se de alguém que já disse que, para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), bastam “um cabo e um soldado”.
O Brasil não está sob regime de exceção (ditadura). Jair Bolsonaro e sua prole têm plena consciência disso. Afinal, na condição de entusiasmados admiradores de uma ditadura de verdade, sabem exatamente reconhecer quando estão diante de uma.
É evidente que o STF tem tomado decisões juridicamente controvertidas, como se a democracia brasileira ainda estivesse sob ataque permanente.
Em que pesem esses abusos, não se pode falar em “ditadura” no Brasil sem falsear a realidade dos fatos.
Fonte: Estado de S. Paulo, Opinião, 21/03/2025 | 03h00 Por Editorial
Você estava vivo no período de 1964 a 1985 ? Tinha consciência daquele momento político ?
Editorial do Estadão, jornal do grupo Mesquita, que apoiou a deposição de João Goulart, defendendo a intervenção militar, que serviria para impedir um golpe da esquerda, segundo suas palavras.
Eufemismo para responder não.
Leiam o livro “Sussurros: a Vida Privada Na Rússia de Stalin” de Orlando Figes.
De todos os períodos obscuros da história russa, talvez um dos mais negros tenha sido a era de Stalin. Aos milhões de mortos pela fome e pela guerra somam-se outros tantos que pereceram sob a brutal máquina repressiva soviética. Estimativas mostram que cerca de 25 milhões de pessoas foram oprimidas pelo regime soviético entre 1928, quando Stalin assumiu a liderança do partido, e 1953.