
Ilustração de Pedro Vinicio (Folha)
Hélio Schwartsman
Folha
Do século 16 até principalmente a segunda metade do 18, soberanos de diversas nações tentaram proibir o café. Eles fracassaram. Basta ver que, hoje, porção não desprezível da humanidade se socorre matinalmente da infusão de grãos de plantas do gênero Coffea. Mas não dá para dizer que a intuição desses reis estivesse errada.
A bebida café deu origem aos cafés, lugares onde pessoas de diferentes estratos sociais se reuniam para apreciar o líquido e conversar. Eram, portanto, do ponto de vista das autoridades, verdadeiros antros de subversão.
ESPAÇO SOCIAL – O filósofo alemão Jürgen Habermas corrobora essa tese. Para ele, os cafés na Inglaterra, ao lado dos salões literários na França e das Tischgesellschaften (reuniões ao redor da mesa) na Alemanha, são a origem do que ele chama de esfera pública (Öffentlichkeit), o espaço social discursivo no qual cidadãos identificam problemas, trocam ideias e eventualmente formam consensos.
É um traço essencial das democracias contemporâneas, cujas políticas são influenciadas não só pelo voto, mas também pela opinião pública.
E vai ganhando tração na sociedade hodierna a noção de que existe o direito de não ser ofendido. O corolário disso é que as pessoas devem sempre contar com espaços seguros, nos quais as ideias que lhe são mais caras estariam ao abrigo de críticas e contestações.
DEBATE PÚBLICO – Não vejo como conciliar esse suposto direito de não ser ofendido com a Öffentlichkeit habermasiana. Na verdade, para que o debate público exerça sua mágica, é necessário que cada tese lançada na arena de discussões choque ou tire da zona de conforto uns 30% da população (imagino aqui uma distribuição gaussiana das opiniões).
Ninguém precisa ser mal-educado ao desafiar as crenças alheias. Como mostraram alguns dos filósofos iluministas, é possível fazê-lo com respeito e elegância. Mas, se precisarmos escolher entre examinar livremente todas as ideias e preservar suscetibilidades, não tenho dúvida de que devemos optar pelo primeiro.
Não dá para proibir o café.
Do café, no Brasil, proibitivo é o preço.
1) Bom artigo, e saber que o café “nasceu” lá na antiga Abissínia (África) com um pastor de cabras…
2) O menino Jesus também, quando precisou do exílio, foi buscá-lo na África, com os pais, pois muitos esquecem que o Egito bíblico fica na África…
Conta-se que Rousseau ao apresentar o livro “O contrato Social” que previa o retorno do homem à natureza ao Voltaire e pedindo opinião sobre a obra, ouviu como resposta, “Convido o senhor para que na minha quinta, (fazenda) entre cabras, vacas e ovelhas discutamos o valor das afirmações.”
Acho que ele não preservou a suscetibilidade de Rousseau.
Hehehe