Em Cannes, De Niro ataca Trump em nome da arte e da democracia

Aos 81 anos, De Niro nem pensa em parar de fazer filmes

Thiago Stivaletti
Folha

Robert De Niro nunca trabalhou em westerns, mas chegou a Cannes como um autêntico caubói americano: não sorri jamais, fala pouco – responde quase tudo com sim ou não –, mas quando resolve falar é para mandar bala nos inimigos.

Na cerimônia de abertura do festival, na última terça, ele fez um discurso aclamado contra Donald Trump. Nesta quarta (14), o astro de “Touro Indomável” contou um pouco sobre o filme que prepara sobre seu pai e, aos 81 anos, não deu o mínimo sinal de que pretende se aposentar.

DISSE O ATOR – “Envelhecer tem seus benefícios. Você aprende sobre as coisas, as pessoas, aprende a observar muito a vida”, declarou para uma plateia lotada de mais de 1.000 pessoas numa das grandes salas do festival.

Esse otimismo se mistura à tenacidade com que fala da morte. “Claro que eu tenho medo [de morrer], mas não tenho escolha. E se não temos escolha, é melhor lidar com ela, abraçar a vida, seguir em frente”, declarou aos fãs.

O papo com De Niro durou uma hora e meia e decepcionou quem esperava ouvi-lo relembrar grandes momentos da carreira, falar sobre personagens icônicos ou contar curiosidades de filmagem. O evento teve mediação do artista visual francês JR, conhecido por seus grandes painéis de fotografias gigantes instaladas em paisagens urbanas – muitos o conhecem do filme que fez com a cineasta Agnès Varda, “Visages, Villages”.

FILME-ENSAIO – JR está preparando um filme-ensaio sobre De Niro em família e sua relação com o pai, um pintor abstrato que tinha o mesmo nome do filho e morreu em 1993. Um trecho do filme ainda em aberto, que tem participação de amigos do ator como Martin Scorsese e Sean Penn, foi exibido pela primeira vez.

Um tanto egocêntrico, JR focou mais de uma hora de conversa em seu próprio trabalho com De Niro, insistindo em perguntas que o astro já tinha se recusado a lhe responder.

Ainda assim, deu para saber um pouco mais sobre ele – por exemplo, que tem o hábito de acordar cedo e de guardar figurinos e objetos de todos os seus filmes. O material guardado era tão grande que nem sua assistente conseguiu dar conta, até que tudo foi transferido para a Universidade do Texas.

PAI E MÃE – A mesma preocupação com a posteridade fez com que guardasse todas as cartas escritas para a mãe, e o fez manter intacto o estúdio em que o pai trabalhava. Segundo JR, uma das grandes preocupações de De Niro era que a sua fama gigantesca em Hollywood ofuscasse o trabalho do pai.

O astro de “Assassinos da Lua das Flores” não quis dar grandes opiniões sobre o futuro do cinema, limitando-se a ressaltar a experiência única de ver um filme numa grande sala com outras pessoas.

Lembrou os seus grandes ídolos de infância e adolescência que o inspiraram a fazer cinema (Marlon Brando, James Dean, Montgomery Clift, Laurence Olivier) e lembrou dois filmes de Elia Kazan como obras que o marcaram nos primeiros anos: “Sindicato de Ladrões” (1954) e “O Clamor do Sexo” (1961), que assistiu quando tinha 18 anos.

ATACANDO TRUMP – No encontro desta quarta-feira, De Niro estava mais calmo e menos ferino do que na abertura do festival, na última terça (dia 13). Ali, seu discurso mostrou uma coragem bem maior que a de Tom Cruise na franquia “Missão: Impossível”, que teve sessão de gala com a presença do astro nesta quarta-feira.

A missão de De Niro parece bem mais impossível: abalar o poder de Donald Trump.

“No meu país, estamos lutando como loucos pela democracia que tínhamos como garantida. E isso afeta a todos nós. A arte abraça a diversidade, e por isso ela é uma ameaça a autocratas e fascistas. Nosso presidente presunçoso cortou fundos e investimentos para a arte e educação, e agora anunciou uma tarifa de 100% para filmes feitos fora dos EUA. Isso é inaceitável. Temos que agir agora. Sem violência, mas com paixão e determinação”, declarou, ao receber uma Palma de Ouro honorária das mãos de seu discípulo mais famoso em Hollywood, Leonardo DiCaprio.

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