“No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo”, dizia o poeta.

LÍNGUA PORTUGUESA | Morreu nesta terça-feira (4) o escritor mineiro Affonso  Romano de Sant'Anna. O poeta, cronista e ensaísta ficou conhecido pelo  papel... | InstagramO jornalista e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna (1937/2025) descreve no poema “Separação” tudo que acontece quando se desmonta a casa e o amor: sentimentos, momentos, conversas, filhos, vizinhos, perplexidade, futuro, indecisão etc.

SEPARAÇÃO
Affonso Romano de Sant’Anna

Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juizo final do desamor.

Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
– pareciam se amar tanto!

Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.

Amou-se um certo modo de despir-se
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa. Amou-se
um certo modo de amar.

No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos
malas desesperadas, soluços embargados.

Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa
de ir embora envergonhado.

Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.

1 thoughts on ““No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo”, dizia o poeta.

  1. Ai, meu Deus do céu, até parece que vivo em outro mundo! Se a separação fosse tão drástica como descrita, as estatísticas seriam outras!
    Vejam a letra de trocando em miúdos de Chico Buarque. O que segue é poesia, o resto é história mal contada.

    Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
    Não me valeu
    Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim?
    O resto é seu

    Trocando em miúdos, pode guardar
    As sobras de tudo que chamam lar
    As sombras de tudo que fomos nós
    As marcas do amor nos nossos lençóis
    As nossas melhores lembranças

    Aquela esperança de tudo se ajeitar
    Pode esquecer
    Aquela aliança, você pode empenhar
    Ou derreter
    Mas devo dizer que não vou lhe dar
    O enorme prazer de me ver chorar
    Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
    Meu peito tão dilacerado

    Aliás
    Aceite uma ajuda do seu futuro amor
    Pro aluguel
    Devolva o Neruda que você me tomou
    E nunca leu
    Eu bato o portão sem fazer alarde
    Eu levo a carteira de identidade
    Uma saideira, muita saudade
    E a leve impressão de que já vou tarde

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