
Charge do Amarildo (amarildocharge.wordpress.com)
Pedro do Coutto
Na véspera da entrada em vigor das novas tarifas impostas pelo presidente Donald Trump, o mundo observa com apreensão um redesenho abrupto das regras do comércio internacional. A política tarifária agressiva adotada pelo governo norte-americano não apenas inaugura uma nova fase de protecionismo, mas também desencadeia uma série de reações em cadeia que prometem confundir preços, desorganizar cadeias produtivas e intensificar tensões geopolíticas.
A iniciativa de Trump parte da lógica de fortalecer a indústria e a economia dos Estados Unidos, protegendo empresas e empregos nacionais. No entanto, a aplicação diferenciada das tarifas — com percentuais variando de país para país — transforma o cenário internacional em um verdadeiro labirinto. Para o Brasil, a tarifa imposta chega a 50%, uma taxa considerada exorbitante e com potencial devastador para setores exportadores, sobretudo os de alimentos, minérios e manufaturados.
ARBITRAGEM TARIFÁRIA – Essa diferença de tratamento entre países parceiros cria um fenômeno conhecido no comércio exterior como “arbitragem tarifária”: empresas buscam formas alternativas de exportar seus produtos indiretamente via países menos tarifados, gerando relações triangulares e complexas. O resultado será um mercado com distorções severas, onde o preço final de um produto pode variar drasticamente dependendo da rota comercial adotada.
No caso brasileiro, as consequências são especialmente preocupantes. Exportadores nacionais, já fragilizados por variações cambiais e altos custos internos, enfrentam agora uma barreira quase intransponível. A tarifa de 50% inviabiliza a competitividade de diversos produtos nos Estados Unidos, principal mercado de destino de várias cadeias produtivas nacionais. O impacto será sentido não apenas no faturamento das empresas, mas também na geração de empregos e no saldo da balança comercial.
Paradoxalmente, o próprio mercado americano pode sofrer com a medida. Como alertam economistas do Peterson Institute for International Economics, tarifas elevadas tendem a aumentar os preços para o consumidor final, reduzir a oferta de determinados produtos e provocar reações retaliatórias de países afetados. Ou seja, em vez de proteção, os EUA podem estar plantando uma colheita amarga de inflação, desabastecimento e isolamento comercial.
ACORDOS – A predominância do dólar como moeda de referência global ainda confere aos Estados Unidos uma posição privilegiada, mas não inabalável. Ao provocar um terremoto tarifário, Washington pode estar incentivando outras nações a fortalecerem acordos bilaterais e multilaterais que reduzam a dependência da economia americana. Nesse contexto, surgem novos blocos e alianças comerciais que tendem a enfraquecer a centralidade dos EUA no comércio mundial.
O cenário que se anuncia é o de uma “tempestade perfeita”: confusão de preços, reconfiguração de rotas comerciais, embates diplomáticos e um rearranjo global impulsionado por interesses nacionais conflitantes. Para especialistas da Organização Mundial do Comércio (OMC), trata-se de um momento crítico. Em pronunciamento recente, o diretor-geral da OMC afirmou que “ações unilaterais desestabilizam o sistema multilateral que sustentou décadas de crescimento”.
Frente a essa conjuntura, crescem as pressões sobre o governo Trump para que reveja, ou ao menos adie, a imposição dessas tarifas. Diversas associações empresariais, tanto americanas quanto estrangeiras, alertam que o efeito colateral será uma retração da atividade econômica e uma maior incerteza para os investimentos globais. No Brasil, entidades como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne) já articulam medidas diplomáticas e técnicas para tentar mitigar os efeitos.
DESEQUILÍBRIO – O comércio internacional, por sua própria natureza, exige previsibilidade, confiança e regras claras. Tarifas que mudam abruptamente esse equilíbrio criam uma atmosfera de insegurança, na qual os países, empresas e consumidores saem perdendo. O realinhamento será inevitável, mas poderá ser doloroso.
O tarifaço promovido por Trump inaugura um capítulo controverso nas relações comerciais globais. Resta saber se os danos colaterais serão suficientes para frear essa ofensiva protecionista ou se o mundo precisará, mais uma vez, se adaptar aos caprichos de um gigante que parece ignorar as lições da interdependência econômica.