
Na chamada undécima hora, Fux vota em nome da lei
Hugo Henud
Estadão
Ministro adota postura mais garantista em casos ligados ao bolsonarismo do que em casos anteriores; em 21% das ações relatadas por Moraes na Primeira Turma, Fux votou em divergência; juristas veem inflexão política e apontam que dissenso pode fortalecer legitimidade do STF, desde que bem fundamentado.
Na última semana, Luiz Fux divergiu novamente de Alexandre de Moraes e contestou as medidas restritivas impostas a Jair Bolsonaro. O voto marca uma guinada do ministro, que passou a liderar as divergências contra Moraes, votando em sentido oposto em cerca de 21% dos casos – a maioria deles relacionada ao 8 de Janeiro e à investigação sobre a tentativa de golpe, na qual Bolsonaro é réu.
PADRÃO RECENTE – A posição reforça um padrão recente e contrasta com o histórico de Fux, tradicionalmente associado a posições mais duras em matéria penal, como nos julgamentos do Mensalão e da Operação Lava Jato.
Levantamento do Estadão, com base na plataforma Corte Aberta, mostra que, desde 2023, Fux é o ministro que mais divergiu em ações penais relatadas por Moraes na Primeira Turma do STF. De 100 processos, o ministro votou contra o relator em cerca de 21% dos casos e lidera o número de pedidos de vista, com 11 solicitações que suspenderam temporariamente os julgamentos para permitir uma análise mais aprofundada.
A maioria dos processos envolve réus dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, incluindo o próprio ex-presidente Bolsonaro. Já entre 2019 e 2022, em 108 ações penais relatadas por Moraes e outros ministros e julgadas no Plenário do STF, Fux divergiu apenas em cerca de 9% dos casos.
CASO DA TORNOZELEIRA – Fux foi o último a votar na decisão de Moraes que impôs cautelares a Bolsonaro, que incluem, entre outras medidas, o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de acessar redes sociais.
As restrições foram determinadas no âmbito da investigação que apura uma suposta atuação coordenada entre o ex-presidente e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, para coagir o Supremo, por meio de autoridades americanas, e tentar reverter a ação penal do golpe, na qual Bolsonaro é réu.
O dado reforça um movimento recente do ministro, avalia o pesquisador da UFMG Shandor Torok, especialista no comportamento judicial do STF. Ele destaca a mudança brusca de postura de Fux, a despeito da gravidade dos crimes investigados.
VIÉS GARANTISTA – Torok lembra que, ao longo da trajetória no Supremo, Fux teve uma atuação marcada pelo rigor punitivista, o que contrasta com o posicionamento adotado nos últimos julgamentos da Primeira Turma. “Justamente nesses casos, Fux faz uma guinada de 180 graus e se revela um garantista”, afirma.
Esse movimento não tem sido isolado. O ministro tem se notabilizado por abrir contrapontos com os demais integrantes da Primeira Turma em temas relacionados ao 8 de janeiro, especialmente na dosimetria das penas dos condenados. Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou, com batom, a frase “Perdeu, mané” na estátua A Justiça, em frente ao prédio do Supremo.
Fux pediu vista do processo e, posteriormente, divergiu da pena proposta por Moraes, que fixou 14 anos de prisão e foi seguido pela maioria. Para Fux, a pena adequada seria de 1 ano e 6 meses.
NÚCLEO CENTRAL – Além disso, Fux também fez ressalvas durante o recebimento da denúncia contra o núcleo central do golpe, que tem como réu Bolsonaro. Na ocasião, embora tenha votado a favor do recebimento da denúncia contra todos os acusados, ele foi o único ministro a acolher uma das preliminares da defesa: a de que o processo deveria ir para instâncias inferiores ou, caso permanecesse no STF, ser julgado pelo Plenário, e não pela Primeira Turma.
Ao mesmo tempo em que adota um posicionamento mais garantista nesses processos, Fux mantém seu perfil rígido em decisões individuais sobre liberdade. Entre 2023 e 2025, concedeu apenas 0,84% dos habeas corpus e recursos apresentados para contestar prisões supostamente ilegais ou abusivas, um dos índices mais baixos da Corte.
TUTELA DA LIBERDADE – Para o criminalista e pesquisador David Metzker, responsável pelo levantamento, a variação decorre do perfil do ministro. A rigidez nos pedidos de liberdade acompanha a trajetória de Fux. Ele votou de forma dura em casos como o Mensalão e a Lava Jato, defendeu a prisão após condenação em segunda instância e relativizou o princípio do in dubio pro reo, segundo o qual, na dúvida, a decisão deve favorecer o réu.
Da mesma forma, resistiu ao uso – em favor da defesa – das mensagens obtidas por hackers entre procuradores da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, e negou o pedido de entrevista de Lula enquanto este estava preso.
Para o professor do Insper e pesquisador da USP Luiz Gomes Esteves, o comportamento de Fux nos casos ligados a Bolsonaro e ao 8 de Janeiro não reflete, necessariamente, uma mudança de convicção jurídica, mas sim uma reação ao contexto do momento. “São pontos fora da curva no histórico do tribunal”, afirma.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Não era possível ver Fux votando em 17 anos ou 14 anos de prisão para os acampados do 8 de Janeiro. Mas o fez. Com isso, manchou sua biografia. Agora, revolveu acordar contra Moraes e seus desmandos. Mas na verdade é tarde demais. Fux dormiu como um porco, no meio da porcalhada. Tem esperança de sair limpo, daqui pela frente. Vai depender da intensidade de suas próximas colocações em nome da Justiça. (C.N.)