O desafio brasileiro diante do tarifaço de Trump

Charge do J.Bosco (oliberal.com)

Pedro do Coutto

O anúncio recente do presidente Donald Trump de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros — como aço, café, carne e alumínio — não apenas criou uma crise diplomática com o Brasil, como também desencadeou reações imediatas do governo Lula. Nesta terça-feira, o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, anunciará que o governo editará um decreto para regulamentar a resposta brasileira ao impacto dessas tarifas.

Como se esperava, a reação interna foi de coesão: Lula contou com apoio expressivo da indústria nacional e de diferentes setores políticos. O sentimento geral é de que o Brasil precisa, com urgência, formular uma estratégia clara e assertiva para proteger suas exportações e sua base produtiva. A preocupação da indústria é palpável — afinal, os Estados Unidos seguem sendo um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, sobretudo em segmentos industriais de alto valor agregado.

RETALIAÇÃO – O situação escancarou o desconforto diplomático e também expôs uma verdade incômoda: o tarifaço de Trump ameaça diretamente o desempenho da balança comercial brasileira e a confiança nos acordos multilaterais. Lula, porém, evita o caminho da retaliação desordenada. Segundo fontes da Câmara Americana de Comércio, a expectativa é de que a medida brasileira siga princípios legais, possivelmente apoiada pela recém-regulamentada lei de reciprocidade.

Essa resposta, que deve vir na forma de um decreto ainda hoje, pode representar um ponto de inflexão na relação comercial Brasil-EUA. A equipe econômica trabalha sob forte pressão para encontrar uma saída que preserve os interesses brasileiros sem incendiar de vez a relação bilateral.

CAUTELA – Especialistas como Monica de Bolle (Peterson Institute for International Economics) e Cláudio Frischtak (Inter.B Consultoria) apontam que a medida de Trump pode estar mais vinculada ao cenário interno americano — uma tentativa de galvanizar apoio de setores industriais em estados-chave para sua reeleição — do que a qualquer justificativa econômica sólida. O próprio mercado financeiro americano reagiu com cautela, indicando que o aumento de tarifas poderá afetar também a cadeia produtiva dos Estados Unidos, especialmente em setores que dependem de insumos brasileiros.

A partir de 1º de agosto, o Brasil pretende aplicar sua nova estratégia comercial, que está sendo construída com base em dados técnicos, diálogo com o setor produtivo e forte articulação diplomática. O objetivo é duplo: mitigar os danos imediatos e evitar que o episódio crie jurisprudência para novos ataques protecionistas no futuro.

A crise, por mais grave que pareça, também traz uma oportunidade: revisar e fortalecer a política industrial brasileira, apostar em acordos comerciais mais diversificados e diminuir a dependência de mercados voláteis. Em tempos de nacionalismos exacerbados, manter a sobriedade e a legalidade como guia pode ser a chave para preservar a soberania sem perder o bom senso.

Governo americano volta a mencionar Bolsonaro para atacar Lula e Moraes

: There are ominous similarities between ‘color revolution’  tactics, efforts to oust Trump

Darren Beattie fez postagem em rede social sobre o Brasil

Deu em O Globo

O governo americano voltou a fazer ameaças ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio das redes sociais nesta segunda-feira.

Em um comunicado publicado em uma conta governamental da rede social X, o subsecretário Darren Beattie disse que o presidente dos EUA “impôs consequências há muito esperadas contra o Supremo Tribunal de (Alexandre de) Moraes e ao governo Lula por seus ataques a Jair Bolsonaro, à liberdade de expressão e ao comércio com os EUA”. O texto diz ainda que os EUA estão acompanhando de perto os desdobramentos no país.

RECIPROCIDADE – O comunicado foi divulgado no mesmo dia que o governo brasileiro assinou o decreto da Lei da Reciprocidade, uma alternativa ao tarifaço de 50% sobre os produtos importados do Brasil.

Beattie é subsecretário para Diplomacia Pública da Secretaria de Estado dos EUA, órgão que equivale ao Ministério das Relações Exteriores e é responsável pelas relações diplomáticas e pela facilitação de negócios com outros países, incluindo o Brasil.

No último dia 9, Trump enviou uma carta pelas redes sociais ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, informando que iria taxar em 50% os produtos brasileiros importados pelos EUA em retaliação ao que chamou de “ataques insidiosos do Brasil contra as eleições livres e os direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos”.

INVESTIGAÇÃO – Na carta, Trump diz ainda que determinou a abertura de uma investigação sobre supostas restrições à atividade de empresas de tecnologia americanas no Brasil e outras práticas comerciais desleais ou injustas, invocando a Seção 301 da Lei de Comércio americana.

A Seção 301 é um dispositivo da Lei de Comércio de 1974 dos Estados Unidos. A norma prevê a apuração de práticas estrangeiras desleais que afetam o comércio americano. Na prática, a medida funciona como um mecanismo de pressão internacional para defender os interesses dos EUA.

Outro patamar: EUA terão a maior tarifa média desde 1910 se Trump cumprir ameaças

LULA REAGE – Em resposta, o presidente Lula reforçou que medidas de retaliação já estão em estudo, sendo a principal delas a Lei da Reciprocidade, que permite ao país adotar sanções equivalentes às impostas por outros países.

Lula afirmou ainda que, além de desrespeitosa, a medida revela desconhecimento sobre a relação histórica entre os dois países e será respondida com firmeza pelo Brasil.

O petista disse que não é aceitável a diplomacia ser substituída por vídeos em redes sociais.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Comprem pipocas, porque também serão sobretaxadas. (C.N.)

Na véspera do AI-5, Roberto Marinho tentou humilhar o diretor de O Globo

Folha Online - Galeria de imagens

Marinho usou os militares para construir seu império

Carlos Newton

Muito interessante a comemoração dos 100 anos de O Globo, que serviu de base à formação de uma das maiores redes de comunicação social do mundo, que jamais poderia se formar em países verdadeiramente democráticos, porque neles a legislação não aceita que nenhum empresário possa deter tantas fatias de poder pessoalmente ou em sua relação com as autoridades dos três poderes.

Na festa dos 100 anos, é pena que os filhos não tenham a grandeza de traçar uma visão realista da organização e de seus criadores, preferindo exagerar na louvação a Roberto Marinho, cujos defeitos ultrapassavam em muito as possíveis qualidades.

AUTORITARISMO – Aliás, perscrutando em profundidade sua trajetória, a única qualidade que hoje consigo identificar em Marinho era a incontestável autoridade que exercia nas empresas e na vida pessoal.

Em sentido amplo, porém, essa qualidade pode ser também negativa, pois se transforma em autoritarismo, e realmente jamais conheci ninguém mais autoritário do que ele, pois os próprios filhos o chamavam de “Doutor Roberto”, embora não tivesse formação acadêmica.

Seu gabinete era colado na redação e havia uma porta, que ele raríssimamente usava. Em salas menores ficavam o diretor de redação e o editorialista, que eram os únicos que falavam diretamente com Marinho no dia-a-dia da Redação, além de Carlos Chagas, que escrevia a coluna de Política.

VÉSPERA DO AI-5 – Em 12 dezembro de 1968, uma quinta-feira de muito calor, o país estava fervendo com a tentativa de cassação do deputado Márcio Moreira Alves, devido a um pequeno discurso que pronunciara na Câmara, criticando o governo ditatorial e pedindo que as jovens não dançassem com os cadetes nos bailes de formatura das academias militares.

Era uma situação que começara ridícula e se tornava cada vez mais patética e perigosa. No início da noite, os editores se reuniam numa grande mesa, lá no final da Redação, para apresentar ao diretor Moacyr Padilha as matérias que mereciam sair na primeira página.

Abre-se a porta e Roberto Marinho entra na Redação. Faz-se um impressionante silêncio e só se ouvem os passos dele, que caminhava batendo os calcanhares no assoalho de madeira, e trazendo na mão um exemplar do jornal.

AUTORITARiSMO – Foi uma situação sinistra, a demonstrar o autoritarismo do dono de O Globo, que ostentava o título de diretor-redator-chefe, função que nunca exerceu. Ele não precisava fazer cena, bastava chamar a seu gabinete o diretor Padilha, um jornalista de vastíssima cultura e pessoa de finíssimo trato, filho do governador fluminense Raimundo Padilha. Mas o descontrolado Roberto Marinho queria humilhá-lo em plena Redação.

– Como é que vocês publicam essa entrevista do Djalma Marinho? – indagou bem alto, com aquela voz roufenha que o caracterizava.

Padilha, um homem muito educado, ficou lívido. Por acaso,  Roberto Marinho parara a meu lado, e vi que ele estava tão furioso que espumava pela boca, em meio ao silêncio constrangedor.

O QUE ESTÁ HAVENDO? – O editor de Política era o lendário Antonio Vianna, que tinha entrevistado o deputado Djalma Marinho, presidente da Comissão de Justiça, um jurista muito respeitado e que se manifestara contra a cassação de Moreira Alves.

– O que está havendo, Roberto? Nunca vi você assim. O assunto do momento é o caso Moreira Alves, e Djalma Marinho preside a Comissão que vai julgá-lo. Tínhamos de ouvi-lo.

Roberto Marinho caiu em si. Viu a bobagem que fizera ao humilhar Moacyr Padilha e não disse nada. Simplesmente virou as costas e voltou a seu gabinete, naquele caminhar de passos marcados, em meio ao silêncio dos jornalistas.

CORAGEM E MODÉSTIA – Quando a porta se fechou, todos os editores se levantaram das cadeiras e cercaram Vianna. O diretor Padilha estava impressionado e agradeceu. “Nunca vi ninguém tão corajoso quanto você. E ainda o chamou de Roberto!!!”

Modesto, Vianna tentou sair pela tangente: “Não tenho coragem, o que tenho é um cartório, que me dá uma situação financeira equilibrada. Assim, posso contestar nosso chefe e chamá-lo de Roberto, porque o conheço há 20 anos e somos amigos”.

Não era verdade. Vianna era tabelião do cartório mais furreca da cidade. O faturamento era tão pequeno que sua mulher e um de seus filhos tinham de trabalhar lá, para completar o orçamento familiar.

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P.S. 1
E assim o AI-5 foi baixado no dia seguinte, uma sexta-feira, 13. Em tradução simultânea, Roberto Marinho sabia que o AI-5 seria assinado. Se fosse mais jornalista do que empresário, teria dado a notícia como manchete do Globo, mas não teve coragem para tanto.

P.S. 2 – Quanto a Antonio Vianna de Lima, sua coragem era conhecida. Foi ele quem salvou a vida de Carlos Lacerda, quando um deputado do PSD tentou matar o líder da UDN, no plenário da Câmara, que ainda funcionava no Rio de Janeiro. Se amanhã eu estiver melhor da gripe, vou tentar contar essa história, que raríssimas pessoas conhecem. (C.N.)

“Governo Lula já tinha acabado, mas tarifaço o ressuscitou”, afirma Bacha“

Trump tem mentalidade de comerciante e negocia ameaçando parceiros', diz Edmar  Bacha

Bacha comenta que Lula é um político que tem sorte

Alice Ferraz e Malu Mões
Estadão

Dedicado à vida acadêmica e às análises profundas, de caráter estrutural, Edmar Bacha evita se envolver com a conjuntura. Após anos acompanhando o noticiário em tempo real, hoje ele recusa entrevistas. Ainda assim, um dos pais do Plano Real e imortal da Academia Brasileira de Letras recebeu a Coluna Alice Ferraz duas vezes na semana passada: antes e depois do tarifaço de Donald Trump. Na primeira conversa, na segunda-feira, dia 7, foi categórico: “O governo Lula já acabou. Ele apenas não sabe”.

Já na sexta, dia 11, embora mantivesse o tom direto e ácido – marca registrada de Bacha –, o cenário havia mudado. “A situação dele foi da água ao vinho. Mais uma vez, Lula mostrou que nasceu com o bumbum virado para a lua.”

LULA RESSUSCITOU – O economista avalia que se repetirá no Brasil o que foi visto no Canadá, na Austrália e no México. “Ao fazer esses ataques tributários, Trump criou condições para que seus supostos aliados perdessem as eleições.” Esse é seu diagnóstico sobre a taxação de 50% às importações brasileiras: “Lula estava na corda bamba e Trump o ressuscitou”.

Para Bacha, o Brasil precisa ter uma atitude dura, mas não responder com um tiro no pé. “Retaliar com a reciprocidade nas tarifas vai acabar com o comércio entre o Brasil e os EUA.” A solução, segundo ele, será negociar – e, até lá, a incerteza paira.

“Trump é essa coisa maluca. Nunca se sabe se é ameaça ou se virá uma medida concreta. Esse é o problema. A incerteza é paralisante. Ninguém sabe que atitude tomar. E, nesse caso, é melhor esperar do que produzir.” O resultado? Será de prejuízo à economia global. “Minha dúvida é apenas sobre o grau do dano que vamos enfrentar.”

FREAR O CRESCIMENTO – A China também está no radar de Bacha. Em sua avaliação, a política mercantilista agressiva adotada por Xi Jinping tende a frear o crescimento global. “Se eles mantiverem o modelo atual, vai ser difícil para todos. Mas, se a China passar a priorizar o consumo interno, o país crescerá mais – e o mundo também.” Para ele, essa transição é fundamental para aliviar as tensões no comércio internacional.

Apesar das mudanças no contexto nacional, Bacha mantém o alerta para a falta de governabilidade. Uma das vozes mais respeitadas da economia brasileira, ele fala com a autoridade de quem já viu o presidencialismo de coalizão funcionar por dentro.

Durante o governo FHC, presidiu o BNDES e acompanhou de perto os bastidores do poder. “Naquele tempo, havia de fato uma partilha entre o Executivo e o Legislativo – mas o presidente mantinha o comando. Isso acabou. Lula não controla nada.”

EXEMPLO DO IOF – A crise ficou escancarada no episódio do IOF – medida proposta por Lula que Bacha classifica como “absurda”. Para o economista, o erro foi duplo. De um lado, o governo tentou utilizar o imposto como instrumento arrecadatório, o que ele considera inconstitucional. De outro, o Congresso respondeu com outra irregularidade: derrubou o decreto, também de forma inconstitucional. “É muito atípica a situação que estamos vivendo”, resume.

Bacha não minimiza os desafios atuais, mas argumenta que eles estão longe da complexidade do período em que esteve no setor público – marcado por uma hiperinflação de 3.000%.

Não por acaso, foi descrito em perfil da The Economist, em 2017, como um “lutador contra a inflação”, em referência ao seu papel central na criação do Plano Real.

SITUAÇÃO MAIS GRAVE – “Era outro Brasil. A situação era muito mais grave. O cenário externo também era desfavorável. Enfrentamos a crise da moeda mexicana em 1994, a dos países asiáticos em 1997, a da Rússia em 1998 – e a nossa própria, em 1999.”

O economista tem se dedicado à produção intelectual – entre artigos econômicos e a rotina como membro da Academia Brasileira de Letras, onde marca presença semanalmente. Está especialmente animado com a chegada da nova imortal, Ana Maria Gonçalves. Um Defeito de Cor, diz ele, é “o melhor romance brasileiro do século 21”. E elogia: “É um retrato extraordinário do Brasil do século 19, escrito de forma fascinante”.

Na próxima terça, dia 16, ele vestirá o fardão verde e dourado também para falar sobre as grandes potências globais. A ABL se transformará em sala de aula para Bacha abordar a evolução da ordem econômica mundial, do pós-guerra até antes do segundo mandato de Trump.

“Agora está uma confusão infernal, não dá para incluir enquanto o Trump estiver aí fazendo bagunça.” Mas o cenário a partir de 2029 estará presente. Bacha trará hipóteses de como deve ficar o cenário pós-Trump. Um spoiler: “O mais provável é um mundo ainda mais multipolar, com presença mais forte da China e da União Europeia, vis-à-vis aos EUA, que sofrem com a erosão de sua hegemonia”. A palestra também será transmitida ao vivo, já as inscrições para acompanhar presencialmente podem ser feitas neste link.

No meio da confusão, abre-se espaço para a famosa terceira via

Tarcisio de Freitas, governador de SP

Submissão a Bolsonaro faz Tarcísio perder muito espaço

Merval Pereira
O Globo

Não fossem Trump e Bolsonaro quem são, seriam surpreendentes os erros que cometem, um atrás do outro, na tentativa de evitar a punição deste último, que parece inevitável. Teria também o mesmo fim Trump, mas uma questão de prazo técnico, não de culpabilidade, o livrou da cadeia, pois foi eleito presidente, e com isso suspendeu o processo que pende sobre ele pelo mesmo crime, o de tentativa de golpe para impedir a posse do seu sucessor.

A Justiça brasileira, vejam só, foi mais ágil e mais eficaz que a americana, e Bolsonaro perdeu o direito de se candidatar por outro crime, cometido com a intenção de justificar perante os embaixadores dos principais países do mundo o golpe que se preparava para dar.

INELEGIBILIDADE – O timing político-eleitoral não foi favorável a Bolsonaro, pois ele foi condenado à inelegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em junho de 2023, enquanto Trump ainda não vencera a eleição americana, o que só veio a acontecer em janeiro de 2025.

Nesse intervalo, Trump tinha mais do que fazer. Mesmo, porém, se ainda não estivesse inelegível e dependesse da decisão do Supremo nesse processo de agora para poder se candidatar, é quase nula a possibilidade de o presidente dos Estados Unidos, ou de qualquer outro país, ter condições de interferir numa decisão da nossa mais alta Corte de justiça.

 Tanto Trump quanto os Bolsonaro cometem um erro crasso de imaginar que um país com instituições que resistiram a um golpe de Estado, notadamente o Supremo, possa submeter sua soberania às ordens de um simulacro de tirano de filme de James Bond.

MAIS ERROS – Portanto, quando anuncia, no alto de sua ignorância, que a única saída para evitar as sanções dos Estados Unidos seria anistiar seu pai, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro revela seu desconhecimento do país que pretende governar, além do desprezo pela soberania do país que o pai desgraçadamente governou.

É claro que ainda falta mais de um ano para a eleição, e nesse país em que tudo acontece, tudo pode acontecer para virar mais uma vez a roda da fortuna.

Até o tiro no pé imperialista (nunca esse clichê se mostrou tão adequado), a popularidade de Lula estava em decadência e a direita tinha um candidato com grandes chances de vencer a eleição do ano que vem. Hoje, já não há tanta certeza assim, e temos que esperar as pesquisas para constatar o estrago que esse arreganho autoritário provocou no sentimento do povo brasileiro.

NACIONALISMO – O fato é que o nacionalismo, tão explorado por Bolsonaro e os seus, nunca foi tão provocado quanto agora, e desta vez quem está do lado certo é Lula.

Mesmo os que já não viam com bons olhos a reeleição de Lula, examinando a possibilidade de apostar em um bolsonarista menos radical como o governador de São Paulo, estão hoje sem uma boia de salvação, pelo menos no momento.

Para obter as graças de Bolsonaro à sua candidatura, que pareceria bem encaminhada, Tarcísio de Freitas tinha que carregar certos fardos. Mas a atitude submissa de agora, sua falta de autonomia para se colocar a favor dos interesses nacionais contra uma agressão externa inaceitável, o coloca como um direitista radical, não um político de direita com propensão ao diálogo e mente mais aberta que seu tutor.

RECUPERAR APOIO – O certo é que o governador de São Paulo vai ter que fazer muita força para voltar a ter o apoio de uma parcela do eleitorado mais interessada no futuro do país do que no futuro dos Bolsonaro.

Se Tarcísio acha que os dois se confundem, não é o candidato procurado por larga parcela do eleitorado. Caberia a Lula aproveitar-se da situação de unidade nacional pela nossa soberania e voltar a atrair esse eleitorado que lhe fugia das mãos.

Para isso, porém, teria que retomar a postura de um candidato em busca da conciliação política e de união nacional. Não será fácil convencer os eleitores novamente, pois seu governo, até agora, é um fiasco nesse quesito, e promessa não cumprida, para reaver credibilidade, precisa de esforço maior e provas incontestáveis. Abre-se espaço para a famosa terceira via que quebre essa polarização que nos leva a um beco sem saída.

Barroso mostra seu estilo e responde com serenidade à agressão de Trump

Agência - TARIFA DE 50% | Em carta divulgada na noite de domingo (13), o  presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso,  afirma que a tarifa de 50% impostaVicente Limongi Neto

Muito boa, lúcida, firme, serena, esclarecedora e patriótica carta a nação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Roberto Barroso, repudiando declarações duras do presidente Donald Trump contra a soberania e a democracia brasileira. 

Nesta linha, domingo, no Correio Braziliense, a colunista Ana Dubeux, diretora de redação do jornal, antecipou-se a Barroso, publicando enfático artigo afirmando que “o Brasil não tem vocação para ser quintal”. Não é mesmo? Parabéns, Dubeux.

COPA DE CLUBES – O Chelsea fez por merecer o título de campeão da primeira Copa do Mundo de Clubes. Marcante competição, realizada nos Estados Unidos e patrocinada pela Fifa. O presidente da CBF, Samir Saud, já manifestou ao presidente da entidade, Gianni Infantino, que o Brasil pretende sediar, em 2029, a segunda copa do mundo de clubes.

O pleito, caso seja vitorioso, é excelente oportunidade para que a competição passe a contar e instituir a taça João Havelange ao clube campeão. Iniciativa justa para quem dedicou a vida ao desenvolvimento do futebol, brasileiro e mundial.

Na presidência da Fifa, de 1974 a 1998, Havelange transformou a entidade em potência respeitada e milionária. Havelange incluiu nações africanas e asiáticas nas Copas do Mundo. Uniu o mundo com o futebol. Como presidente da então CBD, Havelange conquistou três copas do mundo.

FALSO HUMOR – O brasileiro não merece, ao ver o domingo se encaminhando para a segunda-feira, ter que engolir uma nova porcariada global. Uma TV que se gaba de ser rica e moderna deveria ter vergonha na cara e produzir um novo programa que pelo menos tente deixar o telespectador animado na hora de botar a cabeça no travesseiro.

Ao invés disso, jogar na poltrona dos brasileiros uma descarada apelação fantasiada de programa de humor. Coisa mais desprezível e agonizante para fechar o domingo. Os humoristas de araque usam a ingênua plateia em troca de 50 reais. Princesa Isabel precisa reencarnar e dar dura bronca na falta de sensibilidade da destrambelhada e sovina direção de um amontoado de bobagens chamado torpe e infamemente de programa “aberto ao público”.

O Programa Silvio Santos é mais generoso, paga 100 reais para a ruidosa plateia. Sem usar artimanhas e piadinhas medonhas.  Francamente. Chico Anisio, Renato Aragão, Jô Soares, Costinha, Golias precisam ser respeitados. Decadência televisiva é isso. 

Pela primeira vez, um governante americano interfere em eleição  no  Brasil

Um homem de cabelo loiro e curto, vestido com uma camisa branca e um paletó escuro, está falando em um microfone. Ele parece estar expressando uma opinião forte, com as mãos gesticulando. Ao fundo, há uma escadaria e vegetação, sugerindo que a cena ocorre em um ambiente externo, possivelmente em um jardim ou pátio.

Trump quer que o Brasil abandone a China e a Rússia

Elio Gaspari
O Globo

Desde 2005, quando Bush 2 impôs sanções específicas contra a ditadura venezuelana, não se via coisa igual. A sanção de 50% contra o Brasil, atingindo todas as exportações nacionais, foi geral, ampla e irrestrita.

As primeiras sanções contra a Venezuela foram pontuais, contra pessoas. A carta de Trump tem 496 palavras e as 65 do primeiro parágrafo tratam de Jair Bolsonaro com clareza cristalina: “A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!” (ênfase dele).

DEFESA DAS TARIFAS – Segue-se o anúncio e a defesa das sobretaxas. Valendo-se de mais uma realidade paralela, Trump disse que elas compensarão políticas comerciais que “causaram (…) déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!”.

Na verdade, desde 2009 os EUA têm superávit comercial com o Brasil. A batatada sugere que o texto não passou pelo crivo dos profissionais do Departamento de Estado.

O sujeito da carta de Trump é Jair Bolsonaro e num só dia ela funcionou como um toque de alvorada para a oposição ao governo de Lula. Alinharam-se, com graus variáveis de clareza, os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, todos candidatos à sucessão de Lula.

FALAR EM DIÁLOGO – Dos presidentes da Câmara e do Senado, com um dia de atraso, saiu uma nota que não condenou o tarifaço de 50% e falou em “diálogo”, palavra que não aparece na carta de Trump. Pelo contrário, o que há lá é uma exigência de que “IMEDIATAMENTE!” seja suspensa a “Caça às Bruxas” que ele vê no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de Bolsonaro e dos envolvidos na trama golpista de 2022/23.

Impertinente na forma e nos objetivos comerciais, a carta de Trump embute uma novidade: pela primeira vez na história, um governante americano se coloca como patrono de um candidato à Presidência do Brasil.

Pior: presidentes americanos mal sabiam seus nomes e jamais mandaram um filho para batalhar por ele acampando em Washington. No limite, em 1964, o general Castello Branco tinha apenas a simpatia do adido militar americano, coronel Vernon Walters, seu companheiro de barraca na Itália, durante a Segunda Guerra.

Empresas de Trump acionam Justiça dos EUA contra nova decisão de Moraes

Trump publica foto alterada em que dá medalha a cachorro ferido em ação  contra terrorista - 30/10/2019 - Mundo - Folha

Trump já soltou a cachorrada para cima de Moraes

Rafaela Gama
O Globo

A rede social Rumble e a empresa Trump Media & Technology Group protocolaram nesta segunda-feira uma nova petição na Justiça americana contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A manifestação, à qual O Globo teve acesso, questiona uma ordem encaminhada pelo magistrado para as plataformas na semana passada.

Na última sexta-feira, o magistrado determinou o bloqueio total no Brasil de um perfil do comentarista bolsonarista Rodrigo Constantino, além do compartilhamento de dados do usuário, sob pena do pagamento de multas diárias de RS 100 mil (cerca de US$ 20 mil).

DIZEM AS EMPRESAS – Em resposta protocolada na Justiça da Flórida, as empresas de Trump afirmaram que a decisão de Moraes seria irregular, uma vez que o perfil do blogueiro na plataforma estaria inativo desde 2023 e a plataforma, como um todo, segue proibida no Brasil também por decisão do ministro.

Na petição, ambas também argumentam que Constantino é um “cidadão americano” que “já foi alvo do juiz Moraes por meio de suspensões de suas contas em plataformas de mídia social, processos criminais retaliatórios no Brasil, invalidação de seu passaporte brasileiro e congelamento de bens. A manifestação também questiona o envio da notificação pelo magistrado por e-mail.

A escolha desse canal se contrapõe, segundo representantes da rede social, a uma carta enviada pelo Departamento de Justiça dos EUA ao ministro neste ano, orientando que, para manifestações de outros países serem válidas, as ordens precisam passar por um procedimento diferente do envio por e-mail.

ORDEM ESPÚREA – “A ordem não foi entregue através de qualquer mecanismo legal de tratado e parece ter sido emitida sem notificação ao governo dos EUA”, diz a petição.

“No início desta manhã, o Rumble entrou com uma moção na Justiça Federal expondo uma nova ordem emitida pelo juiz Alexandre de Moraes, ameaçando multas de US$ 20.000 por dia caso não entregássemos dados de usuários dos EUA a ele. A ação ocorreu 48 horas após a carta de Donald Trump. Moraes agora está agindo sozinho?”, escreveu Martin de Luca em uma postagem no X.

No mês passado, ambas as empresas pediram o pagamento de uma indenização por Moraes por prejuízos à reputação, perdas de receita e oportunidades de negócio. O pedido foi protocolado a partir de um adendo na ação judicial contra o magistrado no Tribunal do Distrito Médio da Flórida, nos Estados Unidos.

PRIMEIRA EMENDA – Desde fevereiro, as plataformas acusam o ministro de violar a Primeira Emenda da Constituição americana, que garante a liberdade de expressão, ao ordenar a remoção de contas de influenciadores brasileiros de direita na Rumble e por outras “tentativas de censura”.

As companhias também solicitam que as ordens emitidas por Moraes sejam declaradas inexequíveis em território norte-americano, por supostamente violarem a Primeira Emenda e leis locais, como a Lei de Decência nas Comunicações. Além disso, Rumble e Trump Media pedem que seja reconhecida a responsabilidade pessoal de Moraes pelas alegadas violações. Diante da repercussão, o governo brasileiro escalou a Advocacia-Geral da União (AGU) para acompanhar o caso e avaliar as acusações feitas contra o ministro do STF.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Esta é a parte mais importante da briga. Ao final, se saberá o que muita gente já sabe: Moraes extrapolou nos julgados, emporcalhou a Primeira Emenda e ainda multou as empresas prejudicadas por ele. O ministro começou toda a encrenca e a bomba vai explodir no colo dele, como se estivesse estacionando no RioCentro. (C.N.)

A máxima “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas” agora é brasileira

Charge: 'Me chama de patriota'. Por Duke

Charge do Duke (Dom Total)

Luiz Felipe Pondé
Folha

Agora somos todos patriotas. A máxima “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas” é algo que nós, brasileiros, deveríamos ter junto ao nosso coração. Em 2022, “patriotas” era um termo que os bolsonaristas usavam para si. “Patriotas” invadiram a Praça dos Três Poderes.

Chegou a hora de a galera do outro lado da babaquice nacional dizer que o Brasil nunca usará uma camisa azul, vermelha e branca? Toda a intelligentsia zoava os patriotas bolsonaristas. Agora vestem a camisa da seleção brasileira com orgulho.

RIDÍCULO HUMILHANTE – O “Lulanistão” deprime. Ser obrigado a conviver com o ridículo do novo patriotismo é humilhante. Quando se pensa que atingimos o fundo do poço, vamos mais fundo.

O crítico literário americano Lionel Trilling (1905-1975) dizia que o historiador romano Tácito (século 1º d.C.) escrevia como um intelectual sem nenhuma esperança para com a Roma dos ditadores. Seria uma obrigação moral dos historiadores brasileiros escrever agora sobre o Brasil sem nenhuma esperança?

“Agora somos todos o STF!” A direita, sempre burra, atirou no próprio pé. Trump deu uma sobrevida a um regime, o lulismo, que respira por aparelhos. A chance de sair do coma foi dada de bandeja pelo Trump.

ACENDER VELAS – Ao contrário de xingarmos o presidente americano —e não me venham com expressões ridículas como “estadunidense”—, a galera do outro lado da babaquice nacional deveria acender velas para ele.

Bandeiras americanas queimadas na Paulista! Oh! Finalmente o Brasil foi lembrado pelos americanos. O vira-lata em nós tem um dia de cachorro de madame. Banho e tosa numa clínica de pets chiques.

Na verdade, o Trump ter lembrado de taxar o Brasil significa que, depois de um longo e tenebroso inverno, os ianques lembraram que nós existimos. Da irrelevância geopolítica absoluta, temos nossos 15 minutos de fama internacional.

NOSSA ESTRATÉGIA – E como conseguimos tal proeza? Lambendo as botas de Putin, indo celebrar o fim da Segunda Guerra Mundial na pátria da grande guerra patriótica —os russos chamam a Segunda Guerra Mundial assim.

Lula, ao lado da fina flor das democracias mundiais, lambendo as botas dos chineses, com a chefe da diplomacia nacional rogando para que eles nos ensinem a defender nossa democracia dos seus inimigos —assim como os chineses defendem a democracia deles, claro.

Lambendo as botas do regime teocrático iraniano, pátria do respeito aos povos, vítima da “agressão americana e sionista”. Gozando com a ideia de criar uma moeda que “desdolarize” a economia global.

EIXO DE RESISTÊNCIA – Enfim, temos a nossa “crise dos mísseis em Cuba”. Lula quer fazer do seu quintal “Lulanistão” a cabeça de ponte dos regimes não democráticos do mundo. Glória nacional, finalmente. Lula quer transformar o Brasil no representante do “eixo da resistência global” contra a ameaça americana à liberdade. Sendo esta, claro, defendida por China, Rússia e Irã.

A liderança brasileira é regredida. Bolsonaro, por sua vez, exige que o Supremo agilize seu processo, contando, claro, com o poder do seu amigo rico, Trump.

 A miséria da política nacional atinge seu clímax. Deveríamos fazer um minuto de silêncio para a vergonha nacional. A incompetência é o combustível do Brasil nos últimos tempos.

É UM CIRCO – É possível que Trump, de fato, esteja preocupado com o Bolsonaro —essa outra face do ridículo nacional? Ainda custo a acreditar, apesar de que o presidente americano reforça bem a suspeita de que o mundo seja mesmo um circo.

Achar que pode se meter num processo jurídico de outro país é coisa de gente de inteligência duvidosa mesmo. Somos sim a república das bananas, mas deixamos claro que as bananas são nossas e não do Trump.

Enquanto os brios da nação verde oliva acordam —para um pesadelo—, o país continua no buraco. O governo federal continua gastando rios de dinheiro para manter o populismo vivo e atuante no “Lulanistão”.

CRIME ORGANIZADO – Patinamos na nossa incompetência. A soberania nacional —essa expressão que no Brasil de hoje tem tanta segurança semântica quanto a palavra “energia espiritual”— está quase perdida para o crime organizado, mas os novos patriotas acham que as big techs é que são a ameaça a essa pretensa soberania.

A ditadura também falava em soberania nacional. As forças armadas também falavam em soberania nacional. Todos ridicularizados. Agora é “cool” falar dela.

Aliás, ela vai bem obrigado na tão cantada em prosa e verso Amazônia, território colonizado em grande parte pelo mesmo crime organizado, esse sócio do mercado, do governo e de todos nós, enquanto nos matam, nos roubam e nos perseguem nas ruas a pauladas. Festa no “Lulanistão”. Cantemos nosso hino.

Num diálogo de amor, lá vai Adélia Prado pela rua, no caminho do céu

Tribuna da Internet | Adélia Prado declara amor ao mundo, apesar do  sofrimento inerente à vidaPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, escritora e poeta mineira Adélia Luzia Prado de Freitas não teve dúvidas ao definir um diálogo de amor e afirmar que, um “Poema Começado do Fim” pode levar até o caminho do céu.

POEMA COMEÇADO DO FIM
Adélia Prado

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido,
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear,
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.

Trump e Lula violaram seguidamente princípios que agora invocam sobre tarifas

Glenn Greenwald deixa o Intercept e alega censura em artigo sobre Biden - ISTOÉ DINHEIRO

Greenwald mostra que conhece bem a política brasileira

Glenn Greenwald
Folha

As reações ao anúncio do governo dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros foram, como era de esperar, intensas e apaixonadas. Diversos princípios nobres foram invocados por todos os lados para justificar suas posições. No entanto, a natureza enganosa e meramente pretextual desses “princípios” torna-se imediatamente evidente diante do mais leve exame crítico.

Primeiro, temos o presidente Donald Trump posando como defensor da liberdade de expressão e inimigo implacável do abuso do poder e do autoritarismo. Tenho escrito e reportado repetidamente sobre os perigos do crescente regime de censura e os diversos abusos de poder liderados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Este jornal já se posicionou editorialmente contra tais excessos.

IDEIA RISÍVEL – Mas a ideia de que o presidente Trump se incomoda com isso é, no mínimo, risível. Nenhum presidente americano —e certamente não Trump— se incomoda com a tirania. Ao contrário: um dos pilares centrais da política externa dos EUA tem sido apoiar, financiar e armar os ditadores mais selvagens do mundo, desde que sirvam aos interesses americanos.

Os EUA, durante décadas, derrubaram governos democraticamente eleitos e apoiaram a sua substituição por marionetes mais úteis: no Irã, na Indonésia, no Chile, no Brasil e, mais recentemente, em Honduras (2009), no Egito (2013), na Ucrânia (2014) e na Bolívia (2019).

Há apenas dois meses, Trump visitou e elogiou efusivamente os mais próximos —e mais tirânicos— aliados dos EUA: as ditaduras da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Catar.

MAIS EXEMPLOS – E tudo isso é independente dos ataques descarados à liberdade de expressão promovidos pelo próprio governo Trump. Ele puniu e até deportou pessoas pelo “crime” de criticar Israel ou de zombar de autoridades americanas. Também exigiu que as principais universidades adotem regras de “discurso de ódio” que proíbam diversas críticas a Israel.

Quaisquer que tenham sido os motivos de Trump ao impor tarifas ao Brasil, a preocupação com os perigos do autoritarismo certamente não está entre eles.

Em seguida, temos os “princípios” invocados com fúria por Lula e pelo STF ao condenarem a tentativa de Trump de ditar os rumos do Brasil. “O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”, declarou Lula em resposta ao anúncio de Trump.

DESDE QUANDO? – Lula acredita que o Judiciário brasileiro é “sólido e independente”? Desde quando? Em 2018 e 2019 —quando foi condenado por esses mesmos tribunais (com aprovação do STF, inclusive o herói nacional da esquerda, Moraes) —, Lula e seu partido pediram, insistentemente, que outros países e organizações internacionais interviessem, acusando o Judiciário de ser fundamentalmente corrompido, politizado e incapaz de julgar Lula com imparcialidade.

Ao pedir à ONU (Organização das Nações Unidas) que anulasse a condenação de Lula, seu advogado argumentou que Lula “não pode obter justiça no Brasil sob o sistema inquisitorial vigente”, pois o mesmo juiz que investiga é o que decide a culpa —exatamente o mesmo sistema que hoje se aplica a Bolsonaro e seus aliados, nos quais Moraes atua simultaneamente como investigador, julgador e, às vezes, até como suposta vítima.

PRESO POLÍTICO – Além de pedir que a ONU e a OEA (Organização dos Estados Americanos) anulassem decisões do STF sobre Lula, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, deu uma entrevista à Al Jazeera em 2018.

Ela chamou Lula de “preso politico”, ressaltou a amizade histórica de Lula com o mundo árabe e pediu que as nações árabes agissem para pressionar por sua libertação (o procurador-geral da República anunciou uma investigação para determinar se a parlamentar petista “atentou contra a soberania nacional”).

Mais grave ainda: o próprio STF incentivou a interferência do governo Biden nas eleições presidenciais brasileiras de 2022. Após o envio do diretor da CIA (agência americana de inteligência) e de outros emissários a Brasília para advertir Jair Bolsonaro (PL) a não questionar o resultado eleitoral, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, admitiu em um discurso em Nova York que ele mesmo havia pedido pelo menos três vezes que o governo dos EUA se envolvesse.

APOIO DECISIVO – Celebrando essa interferência, o ministro afirmou que ela representou um “apoio decisivo… porque os militares brasileiros não gostam de se indispor com os Estados Unidos”.

O governo Trump se opõe a abusos de poder e a ataques à liberdade de expressão? Depende do que lhe convém no momento. Lula realmente acredita que as instituições judiciais brasileiras são independentes e confiáveis? O STF é mesmo contra qualquer interferência americana nas instituições políticas do país? A resposta é a mesma.

Há muito em jogo nesse conflito entre Estados Unidos e Brasil. Princípios universais e genuinamente defendidos, no entanto, não estão entre eles.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG –
É impressionante constatar que o jornalista Gleen Greenwald, americano e com poucos conhecimentos sobre o Brasil, analisa melhor a política brasileira do que quase todos os nativos.  Tudo fica muito claro. (C.N.)

Eduardo Bolsonaro entre o patriotismo de fachada e a dependência de Trump

Charge de Mário Adolfo (marioadolfo.com)

Pedro do Coutto

Eduardo Bolsonaro voltou ao centro do debate político com declarações inflamadas e carregadas de contradições. De sua residência nos Estados Unidos, o deputado federal licenciado e filho do ex-presidente Jair Bolsonaro gravou um vídeo em que desafia o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a incluir Donald Trump no inquérito das fake news.

Com tom provocador, Eduardo chamou Moraes de “frouxo” e insinuou que o ministro estaria “com medo” da aplicação da Lei Magnitsky, uma norma americana que permite sanções a autoridades estrangeiras acusadas de violar direitos humanos. O gesto, no entanto, revela mais do que ousadia — expõe um comportamento contraditório e perigosamente ambíguo.

APELAÇÃO – Enquanto se apresenta como defensor da soberania nacional, Eduardo Bolsonaro apela, sem pudor, a pressões de um governo estrangeiro contra instituições brasileiras. Cobra coragem e firmeza de um ministro do STF, mas ao mesmo tempo se exila politicamente nos EUA e atua como porta-voz informal de Trump, anunciando que o presidente americano vai “vir para cima” de Moraes e até de sua esposa.

A suposta defesa da liberdade de expressão parece ceder lugar a uma forma de chantagem diplomática: ameaçar autoridades brasileiras com sanções americanas, como se os interesses nacionais pudessem ser subordinados aos ventos da Casa Branca. Não há soberania possível quando se tenta resolver impasses institucionais internos com intimidação externa.

Outro ponto gritante é a sequência de promessas e prazos não cumpridos. Desde maio, Eduardo vem garantindo que as sanções contra Moraes estariam prestes a ser aplicadas, ora em “duas ou três semanas”, ora “nos próximos dias”. Até agora, nada foi oficializado, e nem mesmo o Departamento de Estado americano confirmou qualquer medida.

SEM CREDIBILIDADE – A repetição desse padrão enfraquece sua credibilidade e sugere que mais do que articulação política, há um jogo de cena, uma encenação performática que busca alimentar o bolsonarismo digital com manchetes inflamadas e promessas vazias.

Eduardo também costuma repetir que suas ações são em nome do povo brasileiro, tentando vestir a capa de defensor das liberdades. Mas ao recorrer à Lei Magnitsky — criada originalmente para punir regimes autoritários que perseguem opositores — contra ministros do Judiciário, ele distorce o espírito da norma e instrumentaliza uma política de Estado estrangeira para interesses pessoais e ideológicos.

Acaba promovendo aquilo que diz combater: a interferência externa nas decisões soberanas do Brasil. Nesse jogo de inversões, quem defende a democracia termina por flertar com o autoritarismo, e quem diz lutar contra a censura adota práticas de intimidação.

ATAQUES – As contradições não param por aí. Ao denunciar o que chama de abusos do STF, Eduardo Bolsonaro deixa de mencionar seu próprio histórico de ataques às instituições — de flertes com o fechamento do Congresso ao já infame vídeo em que sugere um “novo AI-5”. Sua crítica à atuação de Moraes também ignora que ele próprio é alvo de investigações sobre disseminação de fake news, suspeitas que não se dissiparam mesmo após sua mudança para os Estados Unidos.

No fim das contas, o discurso moralista que empunha contra o Judiciário esbarra em sua própria trajetória política, marcada por excessos verbais, teorias conspiratórias e uma retórica de confronto permanente. O caso recente reforça uma faceta conhecida do bolsonarismo: a de que a lógica do “nós contra eles” precisa ser alimentada continuamente.

Eduardo Bolsonaro não apenas age como uma extensão ideológica do trumpismo em solo brasileiro — ele parece querer ser o elo entre dois projetos políticos que compartilham estratégias semelhantes: deslegitimar instituições, atacar a imprensa, alimentar suspeitas sobre processos eleitorais e judicializar adversários. Ao fazer isso, se coloca não como parlamentar atuante, mas como agitador profissional em busca de palco.

INCONSISTÊNCIA – comportamento recente de Eduardo Bolsonaro é revelador não apenas por seu conteúdo, mas por suas inconsistências. Ataca quem acusa de ser covarde, enquanto se abriga na proteção de Trump. Fala em patriotismo, enquanto roga por sanções de Washington.

Prega por democracia, mas tolera intimidação. Anuncia medidas que não se concretizam. Seu discurso, ao fim, é menos sobre o Brasil e mais sobre manter viva uma narrativa política que o sustenta: a do combate permanente, mesmo que à custa da coerência.

Lula reuniu ministros no domingo para discutir a Lei da Reciprocidade

Reciprocidade aos EUA não serão apenas taxas, diz Rui Costa | AGORA CNN

Rui Costa diz que poderá haver medidas complementares

Emilly Behnke e Luciana Amaral
da CNN

Os últimos ajustes da regulamentação da reciprocidade às tarifas impostas pelos Estados Unidos foram debatidos por integrantes do governo na noite deste domingo (13) em reunião de última hora convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Palácio da Alvorada.

O encontro e o prazo previsto para publicação do texto em resposta às tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foram adiantados pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), ainda pela manhã. Durante agenda em São Paulo, ele afirmou que teria que voltar a Brasília porque foi convocado por Lula.

CONFIRMADOS – A CNN confirmou a presença de ao menos três ministros na reunião: Fernando Haddad (Fazenda), Carlos Fávaro (Agricultura) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais). A secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores, Maria Laura da Rocha, e a secretária executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, também participaram. Não houve pronunciamentos.

A regulamentação da Lei da Reciprocidade faz parte da reação do governo brasileiro ao anúncio de Trump sobre a taxação de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.

A avaliação no Planalto é que “alguns adendos” além da aplicação direta de novas alíquotas podem ser incluídos no decreto. Os detalhes, no entanto, são mantidos sob sigilo para evitar reações antecipadas de empresas ou países atingidos.

ANÁLISE DA SITUAÇÃO – O governo argumenta que os Estados Unidos mantêm um superávit comercial com o Brasil, tanto na balança de bens quanto de serviços, e não vê justificativa econômica para o chamado “tarifaço”.

A sobretaxação foi anunciada por Donald Trump na última quarta-feira (9). Após a decisão unilateral dos Estados Unidos, Lula afirmou que irá responder ao aumento de tarifas com base na Lei da Reciprocidade.

E o chefe da Casa Civil, Rui Costa, acrescentou que a Lei da Reciprocidade será a base, mas podem ser adotadas medidas complementares.

Nos 100 anos de O Globo, conheça o falso e o verdadeiro Roberto Marinho

Há 15 anos morria Roberto Marinho, o homem que mudou a TV

Roberto Marinho, um Cidadão Kane vendido aos militares

Carlos Newton

Achei interessante assistir na TV Globo os supostos biógrafos de Roberto Marinho dando palpites sobre os 100 anos de O Globo e a transformação do jornal numa das maiores corporações de comunicação social do mundo, no decorrer dos 21 anos da ditadura militar brasileira.

Caramba! Para começar, esses supostos biógrafos não destacaram o impressionante papel do jornalista baiano Euricles de Matos, que deve ser considerado o verdadeiro criador do jornal, porque o patriarca Irineu Marinho morreu em 1925, poucos dias depois do lançamento de O Globo.

JOVEM DEMAIS – Irineu deixou três filhos. Roberto era o mais velho, com apenas 21 anos e não tinha a menor condição de dirigir o jornal, que desde a fundação vinha sendo comandando pelo diretor de redação, Euricles de Matos.

Todos achavam que O Globo iria fracassar, porque o empreendimento tinha sido muito caro, Irineu Marinho deixara pesadas dívidas. Mas o jornalista Euricles de Matos, que era um grande intelectual, poeta e historiador de arte, criou um jornal dedicado também à cultura, à defesa do consumidor e aos esportes, o projeto foi um sucesso e logo se transformou num dos maiores vespertinos do país.

Quando Euricles de Matos morreu, em 1931, Roberto Marinho já tinha 26 anos e assumiu a direção do jornal simbolicamente, pois jamais participou da redação, sempre cuidou apenas da administração da empresa.

O CONCORRENTE – Na época em o jovem Marinho assumiu, teve de assistir ao formidável crescimento da organização jornalística criada por seu maior concorrente, Assis Chateaubriand, que era 12 anos mais velho e tinha uma experiência formidável, pois trabalhava em redação de jornal desde os 15 anos, era professor de Direito e empresário, escrevia os editoriais etc.

Entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960, Chateaubriand foi o Cidadão Kane das comunicações no Brasil, como dono dos Diários Associados, o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica.

Também é conhecido como o criador e fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP), junto com Pietro Maria Bardi, e ainda como o responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurando em 1950 a primeira emissora do país, a TV Tupi. Foi senador da República entre 1952 e 1957, embaixador na Inglaterra e membro da Academia Brasileira de Letras.

SEM CONDIÇÕES – Roberto Marinho não tenha a menor condição de enfrentar Chateaubriand. Para conseguiu fazer a Organização Globo Crescer e substituir os Diário Associados, Marinho teve de se aliar ao embaixador americano Lincoln Gordon na conspiração contra o presidente João Goulart e durante 21 anos alugou sua consciência à ditadura militar.

Ao montar a TV Globo, descumpriu as leis para associar-se ao grupo americano Time Life, por seis milhões de dólares. Na mesma época, apoderou-se do controle da TV Paulista, canal 5 de São Paulo, sem pagar um centavo aos mais de 600 acionistas da empresa.

Dessa forma, Marinho imitava Chateaubriand, que apoiara e explorara o governo de Getúlio Vargas, e o ditador lhe concedeu até o pátrio poder sobre uma filha que o jornalista sequestrara: “Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei”, disse Chateaubriand, à época.

NÃO ERA JORNALISTA  – Roberto Marinho imitou o rival no que ele tinha de pior. Mas não conseguiu ser jornalista e redigir seus próprios artigos. Em sua sala em O Globo, havia uma máquina de escrever sobre uma mesinha, mas Marinho somente a usava para tirar fotografias, fingindo estar escrevendo.

O filho mais velho, Roberto, morreu num acidente rodoviário, ao voltar de um final de semana em Cabo Frio. Seus três irmãos herdaram a fortuna, mas nenhum deles conseguiu trabalhar como jornalista ou administrador. Especializaram-se em nada fazer.

Quando a esquerda chegou ao poder, ficaram com medo e abominaram o pai, que morreu em 2003, e proclamaram que tinha sido um erro Marinho apoiar a ditadura. O pai lhes deu tudo e, mesmo assim, eles renegaram sua memória.

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P.S. –
Amanhã, se eu estiver bem disposto, contarei como foi a véspera do AI-5 para Roberto Marinho. Ele estava tão enfurecido que espumava pela boca... (C.N.)

Seria Jesus Cristo um místico judeu, que ficou face a face com Deus?


foi executada em técnica manual com pincel e tinta nanquim, com estilo rachuras, sobre papel branco. Posteriormente, a arte foi escaneada, manipulada e colorizada digitalmente.  Na horizontal, com proporção vertical, medindo 13,9 cm x 9,1 cm, a ilustração figurativa e estilizada apresenta quatro rostos masculinos sobrepostos e parcialmente fundidos, criando um efeito visual complexo e fragmentado. A composição desses rostos se assemelha aos rostos de Jesus e Moisés. À esquerda, um homem com rosto e pescoço em tom laranja, barba longa e cabelos ondulados, vestindo um manto verde. No centro, outro homem de barba e bigodes longos brancos, com o rosto dividido entre áreas laranja e brancas, usando um turbante alto branco com linhas pretas. À direita, um terceiro rosto parcial em laranja, com bigode longo, sobreposto ao quarto rosto, em branco, com cabelos ondulados. O fundo é composto por áreas em verde texturizado e preto, com formas onduladas brancas que sugerem movimento. A técnica combina traços gráficos fortes em preto, com preenchimentos chapados em laranja e verde musgo. No canto inferior direito, aparece a assinatura “Cammarota"

Ilustração de Ricardo Cammarota (Folha)

Luiz Felipe Pondé
Folha

Seria Jesus um místico? Nada do que direi aqui pressupõe qualquer debate teológico acerca do que significa a figura do Cristo para os cristãos. Trata-se, apenas, de um diálogo com dois grandes especialistas no “profeta de Nazaré”, como um dos dois autores aqui se refere a Jesus Cristo.

Mas, antes, um reparo. O que significa dizer que alguém é um místico? O substantivo “mística” já é, por si só, um objeto de alta credencial teológica, filosófica e histórica, que demanda repertório consistente e vasto se quisermos entender pelo menos um pouco acerca desse fenômeno que atravessa muitas religiões.

VEM DO GREGO – O substantivo é comumente derivado da palavra grega “mystikós” —em transliteração, significaria algo como “iniciado”, “oculto”. Ao longo do tempo, no mundo cristão, especificamente, a palavra, na sua versão adjetiva ou substantiva, se transformou.

Segundo um dos maiores historiadores da mística cristã, Bernard MacGinn (nascido em 1937), o termo “mística” ou “místico” foi, de início, usado no nascente cristianismo como um adjetivo qualificativo para textos sagrados nas suas camadas mais profundas de interpretação.

Com o tempo o uso migrou para a transformação da consciência do leitor mergulhado nos textos sagrados, para finalmente chegar ao adjetivo usado para pessoas que teriam uma experiência direta com Deus. Esse uso vai se tornar usual e conceitual a partir dos séculos 13 e 14 até o uso canônico no século 15 e adiante.

A PRESENÇA DE DEUS – Sua obra com diversos volumes chama-se “The Presence of God, a History of Western Christian Mysticism”, que tem vários volumes traduzidos em português, até onde sei.

Portanto, quando se usa o adjetivo “místico” para Jesus, se quer dizer que ele esteve imerso em alguma tradição religiosa em que a ideia de estar face a face com Deus — ou numa experiência direta de conhecimento de Deus — estava presente. Evidentemente, essa tradição religiosa é a judaica.

Um dos autores, Pierluigi Piovanelli, professor de judaísmo antigo e origens do cristianismo da Universidade de Ottawa, no Canadá, identifica essa tradição como sendo a mística judaica, típica do período do segundo templo israelita de Jerusalém em que Jesus viveu.

MOISÉS E JESUS – O outro autor, o teólogo Joseph Ratzinger, papa Bento 16, que dispensa apresentações, localiza Jesus na linhagem da mística mosaica em que Moisés é visto como o único que viu Deus face a face no Sinai, segundo a narrativa bíblica, e que Jesus teria ido além nesse tipo de visão direta de Deus, por ser ele mesmo, o seu filho.

A obra-chave de Piovanelli sobre o “Jesus místico” é “Le Jésus des Historiens: Entre Vérité et Légende”, ou o Jesus dos historiadores, entre verdade e lenda, sem tradução no Brasil, até onde sei.

Nessa obra, o autor afirma que Jesus era um místico da tradição da “merkava”, ou carruagem, em transliteração para o português.

NA CARRUAGEM – Aqui a alma do místico viaja numa espécie de carruagem que a leva a dimensões, mesmo perigosas, em direção ao trono de Deus no reino dos céus. Essa tradição, marcadamente visionária, é apontada pelo autor em inúmeras passagens em que são descritas visões extáticas de Jesus —ou sobre ele— no evangelho.

Seu batismo e a descida do espírito santo sobre sua cabeça como uma pomba. As tentações no deserto e as visões que o Satanás o faz contemplar.

As inúmeras referências à “Casa do Pai” e suas moradas e ao “Reino de Deus”. A transfiguração do Cristo no monte Tabor. Segundo Piovanelli, esse repertório fez de Jesus alguém que falava uma língua reconhecida pelos judeus à sua volta. Daí, seu carisma.

JESUS DEUS – Já a obra de Ratzinger é “Jesus de Nazaré, do Batismo no Jordão à Transfiguração” (ed. Planeta). Trata-se, mais especificamente, do prefácio e da introdução deste que é o primeiro volume dos três tomos dessa obra.

Aqui Ratzinger faz uma crítica metodológica sobre a abordagem histórico-crítica da Bíblia, sem recusá-la obviamente. Mais especificamente a “obsessão” pelo Jesus histórico em detrimento do Cristo da fé, para ele, uma figura muito mais ligada à leitura teológica interna da Bíblia —o que ele chama de “exegese canônica”— e o aporte posterior que construirá a ideia do Jesus Deus, do que a figura meramente histórica do profeta de Nazaré.

Nesse sentido, ele defenderá a ideia de que Jesus falava com Deus e via sua face diretamente, como é narrado em vários momentos do Evangelho, radicalizando aquela intimidade que Moisés tinha com Deus. A mística é uma forma de intimidade com Deus, sempre. Nada nesse tipo de reflexão diminui o caráter divino do Cristo para os cristãos, apenas o situa na tradição judaica de então.

Quem mais sofrerá com esse tarifaço será a economia dos EUA

Trump envia carta a Lula e impõe tarifa de 50% a produtos brasileiros |  Jovem Pan

Trump conseguiu fortalecer Lula e a campanha do PT

Bráulio Borges
Folha

O “raio tarifador” trumpista voltou com toda a força nesta semana, pouco mais de três meses após o patético Dia da Libertação. Nessa nova rodada, os alvos foram inúmeros países (Japão, Coreia do Sul, Brasil, Tailândia, Indonésia, África do Sul, dentre outros) e produtos específicos. As maiores tarifas adicionais, de 50%, foram aplicadas ao Brasil e ao cobre, com os demais países recebendo elevações de “apenas” 20% a 40%. Em tese, essas novas alíquotas começariam a vigorar a partir de agosto —mas talvez isso não aconteça, já que, como se diz por aí, TACO (sigla para “Trump Always Chickens Out” ou, em tradução, “Trump sempre volta atrás”).

Em abril, no Dia da Libertação, a tarifa adicional aplicada ao Brasil havia sido de “somente” 10%, já que, na fórmula totalmente sem sentido apresentada naquele episódio, seriam penalizados os países com os quais os EUA mantinham déficits comerciais na balança de bens —e os EUA têm registrado superávits comerciais sistemáticos ante o Brasil há mais de 15 anos.

ERRO DE TRUMP – Assim, é simplesmente uma mentira o seguinte trecho da carta enviada pelo governo dos EUA ao brasileiro: “Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de políticas tarifárias e não tarifárias do Brasil e barreiras comerciais, causando esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Est e déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!”.

Vamos aos números: segundo dados do Departamento de Comércio dos EUA, considerando apenas a balança comercial de bens, os EUA vêm registrando superávits sistemáticos com o Brasil desde 2008, acumulando um saldo favorável aos EUA de quase US$ 166 bilhões (R$ 920 bilhões) entre 2008 e 2024 (preços correntes).

Levando em conta as transações de bens e serviços, os EUA têm registrado superávits com o Brasil desde 2007, com um saldo acumulado favorável a eles de US$ 436 bilhões (R$ 2,4 trilhões) entre 2007 e 2024.

TUDO ERRADO – Ou seja, na métrica “tosca” do governo Trump, que mede os benefícios do comércio de um país de uma forma mercantilista (superávit é ganho, déficit é prejuízo), seriam os EUA que estariam sendo “injustos” com o Brasil e não o contrário.

Não custa reforçar que essa é uma métrica totalmente equivocada, como argumentei em coluna anterior aqui na Folha: ainda que venha acumulando déficits comerciais na balança de bens contra o resto do mundo há muitos anos, diversos estudos apontam que os EUA ganharam, e bastante, com a ampliação do comércio internacional (embora alguns grupos específicos tenham sofrido com isso, sobretudo os trabalhadores de alguns segmentos da manufatura).

Como diversos analistas vêm alertando, quem mais sofrerá com esse aumento expressivo das tarifas de importação, que deverão passar de cerca de 5% para algo entre 12% e 15% levando em conta uma média ponderada, serão os cidadãos norte-americanos e a economia dos EUA.

O TEMPO PASSA – Embora esse tarifaço ainda não tenha afetado de forma significativa os preços dos produtos na maior economia do mundo, isso certamente ocorrerá: só não aconteceu ainda pois houve uma explosão de importações no final de 2024 e nos primeiros meses deste ano, que permitiram a formação de um estoque de produtos sem essas tarifas adicionais.

Tendo consciência de que o custo de vida irá aumentar, uma parcela majoritária da população dos EUA não está satisfeita com a política comercial adotada por Trump: segundo o agregador de pesquisas Silver Bulletin, quase 54% dos norte-americanos desaprovam essa política, percentual bem acima dos 39% que aprovam.

Trump está encomendando uma derrota para os republicanos nas eleições intermediárias para o Congresso que acontecerão nos EUA no final de 2026, além de estar dando força eleitoral para os políticos mundo afora que se posicionam contra ele (como já aconteceu no Canadá e na Austrália).

Tarcísio fala em ‘deixar política de lado’ para negociar tarifas com EUA

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas

Em meio à desinformação, Tarcísio demonstra maturidade

Rafael Garcia
O Globo

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou em entrevista coletiva que o tarifaço imposto ao Brasil pelos EUA tem um impacto “complicado” para o estado e fez um apelo a negociadores para “deixar a política de lado” na busca de uma solução para a questão.

Tarcísio se pronunciou sobre o assunto quatro dias depois de o presidente americano, Donald Trump, ter anunciado a medida, questionado por jornalistas em Cerquilho (SP). O governador visitou a cidade no interior para participar da formatura de alunos de um curso de capacitação profissional promovido pelo estado.

TARIFAS E BOLSONARO – A imposição americana de tarifa de 50% sobre produtos brasileiros foi anunciada junto de críticas de Trump ao processo que o ex-presidente Jair Bolsonaro enfrenta no Brasil por tentativa de golpe de estado, e sugeriu que a ação penal seja extinta.

Ao falar sobre o assunto pela primeira vez, Tarcísio negou que tenha procurado o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar interferir no processo, qualificando a informação como “bobagem”, e disse que está atuando apenas de forma lateral para resolver a questão.

— A competência para fazer a negociação é do governo federal, da diplomacia brasileira. A diplomacia brasileira, ao longo dos anos, sempre se saiu muito bem. A gente, obviamente, está tentando nutrir a embaixada dos Estados Unidos de mais informações — disse o governador.

DADOS CONCRETOS – “O que a gente procura mostrar é o cenário da economia paulista e quais são os números para fortalecer tomadas de decisão. Aqui temos um problema, vamos ver se a gente consegue resolver isso no intuito de contribuir com a informação.

Durante a entrevista, Tarcísio mencionou casos de impacto já estudados pelo governo. A Embraer, afirma terá um acréscimo de US$ 9 milhões de impostos na venda de cada uma das 90 aeronaves que a American Airlines encomendou, por exemplo. No agronegócio, o governador mencionou provável impacto nos setores sucroalcooleiro e de suco de laranja.

Tarcísio disse que, em conversa com um encarregado de assuntos de negócio da embaixada americana, teria tentado “sensibilizar” os EUA para o problema do tarifaço, que terá efeitos ruins dos dois lados.

CONVERSAR É PRECISO – No meio do fogo cruzado entre o setor produtivo contrário à tributação punitiva e correligionários favoráveis à medida como sanção política, Tarcísio disse que é preciso “conversar” para resolver a situação.

— O momento demanda união de esforços e demanda sinergia porque é algo complicado para o Brasil. É algo complicado para alguns segmentos da nossa indústria e do nosso agronegócio — afirmou. — A gente precisa estar de mãos dadas agora para resolver. Vamos deixar a questão política de lado e vamos tentar resolver essa questão.

PONTO DE VISTA – Questionado sobre a pressão que lideranças bolsonaristas fazem pela anistia a Bolsonaro em troca do fim do tarifaço, Tarcísio, disse que é uma questão “de ponto de vista”

— Nesse momento eu tenho que olhar o estado de São Paulo. Eu sou governador do estado, existem interesses que precisam ser preservados, interesses das nossas empresas, dos nossos produtores — afirmou.

 — Eu estou falando de empregos, estou falando de pais de família, então nesse momento é a defesa que eu estou fazendo.

Inferno das boas intenções, o mundo não é um hospício de paredes acolchoadas

Léo Lins, condenado a 8 anos de prisão por fazer piadas

João Pereira Coutinho
Folha

Há nova edição americana do romance “1984”, de George Orwell. E, segundo as notícias, há novo prefácio da obra, no qual a escritora Dolen Perkins-Valdez tece considerações críticas… ao personagem Winston Smith.

Curioso. Da última vez que li, Winston era a vítima do estado totalitário de Oceânia, submetido a vigilâncias e torturas pelo Big Brother. Mas a escritora não o poupa. A misoginia de Smith é imperdoável a seus olhos.

ALGO IMPENSÁVEL – É preciso um talento especial para ler “1984” e condenar Smith por suas falas ou pensamentos alegadamente antifeministas. É como visitar Auschwitz e não gostar da qualidade arquitetônica dos fornos crematórios.

Mas talvez esta seja a nova moda: condenar um autor, uma obra, um espetáculo teatral ou humorístico pelos pensamentos ou falas dos autores e seus personagens.

Se é esse o caso, o Brasil já está na vanguarda. A condenação de um humorista a mais de oito anos de prisão por suas piadas ofensivas assenta na mesma doutrina. Ou, para sermos rigorosos, em duas doutrinas.

A MESMA PESSOA – A primeira, óbvia, passa pela negação da diferença entre o senhor Leonardo de Lima Borges Lins e um tal de “Leo Lins”. Para a 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, são a mesma pessoa.

O fato de o segundo subir ao palco, em espetáculo comercial, assumindo sua voz de humorista e contando piadas – boas, más, horrendas, não é esse o ponto — para um auditório que voluntariamente está ali para o ver e ouvir, é mero pormenor.

Aos olhos da Justiça, há uma identificação total e literal entre o criador e a criatura. O que permite antecipar, para oportunidades futuras, a condenação de qualquer autor de espetáculo, peça teatral, filme, livro, ilustração, pintura, canção, novela ou fotonovela em que alguém, algures, ridiculariza quem se sentir ridicularizado.

DEMOLIR TEATROS – Se aplicarmos essa limpeza ao que ficou para trás, melhor demolir também teatros, cinemas, bibliotecas e museus. Não serão precisos para nada.

Aliás, lendo a sentença, entendemos que o contexto, longe de ser atenuante, é agravante. Eis a segunda doutrina: o pessoal está mais descontraído num espetáculo de stand-up comedy, com seu superego em baixo, sem defesas para lidar com os crimes de racismo ou discriminação que o artista profere.

Na douta opinião do tribunal, podemos concluir que o escritor Umberto Eco não tinha razão quando escrevia sobre a função do autor e o papel do leitor. Dizia Eco, essa alma primitiva, que o sentido de um texto não está apenas nas intenções do escritor. Esse sentido emerge da interação entre o autor e o leitor. Ou, simplificando, cada leitor lê um texto diferente porque o completa com sua inteligência e criatividade.

PÚBLICO DEBILOIDE – Aplicando o raciocínio ao stand-up comedy, essa observação é ainda mais pertinente: o público não é uma massa amorfa de débeis mentais que recebe acriticamente o que é dito sem perceber o artifício.

O público é parte da ficção performativa, aceitando tacitamente o risco, o abuso e o exagero.

E, para ele, as piadas podem ser tudo e o seu contrário. Insultos gratuitos. Observações geniais. Denúncia de tabus. Crítica a hipocrisias sociais. Mera experimentação conceitual ou literária. Boçalidades sem jeito.

DECISÃO DO PÚBLICO – É o público que decide, não o tribunal, ou o governo, ou um comitê de sábios, ou um qualquer rebanho descerebrado que se sente “ofendido” por palavras, imagens, sons ou silêncios.

O mundo não deveria ser um manicômio com paredes acolchoadas só para que alguns se sintam protegidos. Infelizmente, o mundo está ficando esse manicômio, razão pela qual a revista Economist dedicou um editorial recente à regressão dramática da liberdade de expressão nas democracias liberais.

A Economist falava da Europa, com referências secundárias aos Estados Unidos. Mas o aviso também serve para o Brasil.

INCENTIVO PERVERSO – Se a ofensa é criminalizada, isso representa um duplo incentivo perverso: para que o poder judicial exorbite os seus poderes, transformando-se num inquisidor da moralidade pública; e para que os ofendidos se multipliquem, reclamando cada vez mais medidas censórias ao Estado.

No fim desse túnel, em que os tabus serão cada vez mais crescentes (“taboo ratchet”, escreve a revista), não andaremos longe das ditaduras.

A grande diferença é que teremos cumprido o mesmo propósito — a destruição da liberdade de pensamento e de expressão — através do inferno das boas intenções.

Lula quis fazer do Brasil o inimigo número 1 dos EUA, e a conta chegou

Jônatas | Lula manda recado a Trump após anúncio de tarifas de importação. # charge #lula #trump #tarifas | Instagram

Charge do Jônatas (Arquivo Google)

J.R. Guzzo
Estadão

O Brasil está com um problema sério, o pior, provavelmente, que já viveu em suas relações exteriores. De um lado, levou uma descompostura em regra dos Estados Unidos – uma carta enviada pelo presidente americano ao presidente brasileiro, com pontos de exclamação e tudo, diz coisas que o governo de país nenhum pode ouvir sem falar nada. De outro, se vê no meio de uma briga que não planejou, não tem como ganhar e não serve a um único interesse real do Brasil.

Ninguém pode achar um bom negócio entrar na lista negra da maior potência do mundo. A China, por exemplo, tem certeza de que não é; tem a economia número dois do mundo e ainda assim não quer receber uma carta como a que Lula recebeu. Não quer, sobretudo, ter a obrigação de fazer alguma coisa hostil contra os Estados Unidos para dar a chamada “reposta à altura”.

CHINA SE ESQUIVA – A China não está no negócio de dar “respostas à altura”. Está no negócio de se sair bem no comércio internacional, ser uma força séria no avanço da tecnologia e desenvolver a sua economia mais que qualquer outra nação do mundo.

Já o Brasil, neste episódio, está num conflito que não lhe interessa. Não vai ganhar nem um centavo com ele. Mas se vê forçado a reagir às ofensas que recebeu – e se afundar numa briga imposta pelo adversário.

O Brasil tem agora, entre outras obrigações que não tinha e não lhe interessam cumprir, de responder com “reciprocidade” as sanções que acaba de receber. Mas é complicado dar tratamento recíproco aos Estados Unidos se você não é um outro Estados Unidos – é como o Madureira querendo jogar de igual para igual com o Real Madrid.

TEM DE COMPRAR – Não há rigorosamente nada no Brasil que os Estados Unidos precisem realmente comprar. Já o Brasil tem de comprar lá um oceano de coisas.

Não são blusinhas, nem baldes de plástico. São produtos essenciais para o funcionamento da indústria e da economia brasileira, num arco que vai dos componentes eletrônicos mais sensíveis a equipamentos médicos de última geração. Tarifa de 50%, aí, é aumento de custo direto na veia. Já o produto brasileiro, taxado nessas alturas, simplesmente sai do mercado.

Ninguém, a começar pelos Estados Unidos, depende do Brasil para nada. Por acaso o Brasil exporta microprocessadores, satélites para comunicação e peças para aviões B-2? Alguém no mundo quer comprar um navio brasileiro? Temos patente de alguma tecnologia crítica? Podemos desligar os americanos do sistema SWIFT de transações financeiras mundiais? Fica difícil, aí, falar em reciprocidade.

Lula procurou, desde o primeiro dia, fazer do Brasil o inimigo número 1 dos Estados Unidos no mundo. Agora, a  conta chegou.   

É claro que a cúpula do Brics deve ter influenciado a reação de Trump

Joanesburgo, África do Sul, 24.08.2023 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e presidentes dos países amigos do BRICS, posam para foto oficial após a reunião do grupo, no Sandton Convention Centre, em Joanesburgo. Foto: Ricardo Stuckert/PR

No Brics, Lula semeia a oposição do Sul Global aos EUA

Daniela Santos e Maria Eduarda Portela
da CNN

Na semana passada, o Rio de Janeiro sediou a reunião de cúpula do Brics, grupo que reúne 11 países em desenvolvimento em busca de cooperação econômica, política e social. Logo após o primeiro dia do encontro, sinais de turbulência começaram a surgir, com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçando taxar em 10% “qualquer país que se aliar às políticas antiamericanas do Brics”. De acordo a Casa Branca, o republicano acompanhava “de perto” a reunião dos líderes.

A ameaça, no entanto, foi apenas um prenúncio do que estava por vir. Na última quarta-feira (9/7), um dia após o evento, Trump formalizou por meio de uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a imposição de uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras, decisão que aprofundou a crise nas relações entre os países.

O QUE É O BRICS? – A palavra Bric foi criada em 2001 por Jim O’Neill, economista do Goldman Sachs, ao se referir a Brasil, Rússia, Índia e China como economias emergentes com grande potencial de crescimento até 2050.

Inicialmente, o Bric era apenas uma recomendação para investidores, no entanto, a formalização do grupo aconteceu em 2006 na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) com a primeira reunião ministerial informal.

O trabalho conjunto ganhou força depois da crise financeira de 2008, seguido pela primeira cúpula de chefes de Estado em 2009, na Rússia. No ano seguinte, em 2010, se formalizou a entrada da África do Sul, oficializando o “S” no acrônimo: Brics.

MAIS MEMBROS – Apesar das diferenças culturais e regionais, os membros do Brics compartilham um vasto território com uma população numerosa, além de um rápido processo de industrialização.

Agora, fazem parte do Brics: África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Índia, Irã e Rússia.

Para especialistas, o protagonismo do Brasil frente ao bloco, aliado à defesa de Lula por mecanismos de pagamentos alternativos ao dólar, podem ter influenciado a ação do republicano. No encerramento da cúpula, o petista defendeu a adoção de meios alternativos à moeda americana. Países do Brics têm negociado, por exemplo, o uso de moedas locais no comércio internacional para reduzir a dependência ao dólar.

SEM DÓLAR – “Eu acho que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar. Quando for com os Estados Unidos, ela passa pelo dólar. Mas, quando for com a Argentina, não precisa passar. Quando for com a China, não precisa passar. Quando for com a Índia, não precisa passar. Quando for com a Europa, discute-se em euro”, exemplificou Lula em entrevista à imprensa, na última terça-feira (8/7).

“Ninguém determinou que o dólar é a moeda padrão. Em que fórum foi determinado? E, obviamente, nós temos toda a responsabilidade de fazer isso com muito cuidado. Os nossos bancos centrais precisam discutir isso com os bancos centrais dos outros países”, completou o petista.

Para João Alfredo Lopes Nyegray, coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a fala pode ter impulsionado o presidente americano a tomar medidas mais enérgicas contra o Brasil.

SUL GLOBAL – “Quando Lula propõe mecanismos alternativos ao dólar em transações entre países do Sul Global — inclusive com apoio da China e da Rússia —, ele afeta diretamente a arquitetura de poder construída pelos EUA no pós-guerra e que Trump vem tentando reforçar. A declaração da cúpula do Brics, por sua vez, reforça essa posição ao pedir reformas em instituições como o FMI e defender uma ordem financeira mais multipolar”, avalia.

Ele também pondera que Trump segue uma lógica de “diplomacia punitiva”, que afeta países que questionam a hegemonia americana.

“Punir o Brasil, nesse contexto, é um aviso direto a outros países do Brics — e também àqueles que cogitam aderir a esse movimento — de que haverá custo geoeconômico para desafiar o status quo”, pontua o especialista.

EXPANSÃO DO BRICS – Luciano Muñoz, professor de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília (CEUB), afirma que as novas tarifas de Donald Trump são um reflexo da expansão do Brics nos últimos dois anos.

“Essa expansão, que vem de dois anos para cá, tem sido compreendida como uma visão chinesa ou, talvez, chinesa e russa, porque aí você junta também o contexto da guerra da Ucrânia e o isolamento russo. Mas o Brics é um desafogo para o isolamento da Rússia e, do ponto de vista da China, que não está isolada, é uma plataforma de projeção global ainda maior, num cenário que vem ficando bastante nítido”, pontua Muñoz.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Em meio a tanta xaropada, surgem algumas matérias interessantes e que realmente explicam a situam. Mas não podemos esquecer que são duas empresas de Trump que estão processando o ministro Moraes, sinal de que o presidente americano se sente pessoalmente atingido pelo Brasil varonil. Comprem pipocas, porque essa novela é duradoura. (C.N.)