
EUA querem acesso a minerais críticos do Brasil
Pedro do Coutto
Enquanto o mundo se move rumo à transição energética e ao fortalecimento de cadeias tecnológicas estratégicas, o Brasil se vê novamente no centro de uma disputa global que tem como pano de fundo seus recursos naturais mais valiosos: lítio, nióbio e terras raras. Em um movimento recente, revelado por matéria publicada no jornal O Globo, o governo Lula iniciou a formulação de uma Política Nacional para Minerais Críticos, um passo que reflete o reconhecimento de que esses elementos, antes subvalorizados, tornaram-se peças-chave na geopolítica contemporânea.
O interesse norte-americano pelos minerais brasileiros, especialmente por seu uso nas indústrias de defesa e tecnologia de ponta, transformou o tema em assunto de Estado — e de soberania nacional. Na quarta-feira, representantes da Embaixada dos Estados Unidos participaram de uma reunião com autoridades brasileiras, entre elas o embaixador Gabriel Escobar, atualmente a principal voz diplomática americana no Brasil.
MAIOR RESERVA – Em pauta, estavam os minerais estratégicos que repousam sob o solo brasileiro, com destaque para o lítio, essencial na produção de baterias, e o nióbio, que possui propriedades únicas na fabricação de ligas metálicas utilizadas em aviões, turbinas, foguetes e reatores nucleares. Com a maior reserva mundial de nióbio e um potencial crescente no setor de lítio, o Brasil entra no radar dos EUA como parceiro desejável — e, para muitos analistas, como alvo geopolítico.
O presidente Lula da Silva tratou o tema com cautela e pragmatismo. Reafirmou que não colocaria as mãos “sobre as terras brasileiras”, em referência a uma possível concessão de soberania, mas reconheceu que o interesse norte-americano oferece ao Brasil uma condição de negociação inédita. Não se trata apenas de vender commodities, mas de estruturar uma política que coloque o país em posição de liderança estratégica.
Lula indicou que o cenário abre margem para tratar de temas paralelos, como o tarifaço de 50% imposto aos produtos brasileiros pelo governo de Donald Trump. Em um gesto raro e politicamente delicado, fontes indicam que a própria situação do ex-presidente Jair Bolsonaro — alvo de investigações e ainda popular entre lideranças republicanas — foi mencionada nas discussões, assim como o tratamento dado às Big Techs no Brasil, apontando que a negociação ultrapassa os limites da mineração e avança sobre os terrenos da política e da comunicação.
ALERTA – Raul Jungmann, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), destacou que qualquer negociação no setor mineral deve partir do governo brasileiro, e não de empresas estrangeiras. O alerta não é trivial. Historicamente, o Brasil tem delegado a exploração de seus recursos estratégicos a empresas privadas, frequentemente estrangeiras, sem exigir contrapartidas à altura do valor das reservas.
Em um mundo onde a segurança energética, a autonomia industrial e a proteção ambiental se entrelaçam, manter o controle sobre os insumos críticos é uma questão de sobrevivência nacional. O Brasil precisa evitar cair novamente na armadilha do extrativismo primário, que exporta riquezas brutas e importa produtos industrializados a preços elevados.
Além dos minerais, outro trunfo silencioso do país é a água. Com aproximadamente 12% da água doce superficial do planeta, o Brasil é, literalmente, uma reserva estratégica em tempos de colapso climático. Se o século XX foi movido a petróleo, o século XXI será moldado por elementos mais invisíveis, porém igualmente valiosos: lítio, nióbio, dados e água. E o Brasil está sentado sobre todos eles.
CAUTELA – O vice-presidente Geraldo Alckmin, que lidera o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, tem acompanhado as negociações, mas evitou comentar publicamente qualquer acordo em curso. Disse apenas que a “pauta da mineração é longa e pode avançar”. Sua discrição reflete o cuidado necessário em um momento em que interesses econômicos se sobrepõem a sensibilidades diplomáticas e políticas internas. Qualquer sinal de entrega de soberania pode ter efeitos devastadores na opinião pública e no cenário eleitoral.
A formulação da Política Nacional para Minerais Críticos é, portanto, um passo estratégico e urgente. Mas, para surtir efeito real, ela precisa ir além das boas intenções. Deve envolver regulação clara, exigência de conteúdo local, transferência de tecnologia, formação de mão de obra qualificada e inserção do Brasil nas cadeias produtivas globais não apenas como fornecedor de matéria-prima, mas como parceiro industrial. O país tem a chance de transformar sua riqueza subterrânea em progresso sustentável, liderança internacional e desenvolvimento científico.
A história mostra que os países que souberam controlar seus recursos estratégicos — como a Noruega com o petróleo ou a China com as terras raras — conseguiram se posicionar com força nos debates globais. O Brasil não pode mais se dar ao luxo de desperdiçar oportunidades. Os minerais críticos, assim como a água, não são apenas bens econômicos: são ativos de soberania. E soberania não se negocia, se defende com estratégia, ciência e visão de futuro.