
Charge do Jota (Arquivo Google)
André Costa
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Enquanto o país se distrai com CPI, escândalos fabricados e cortinas de fumaça, avança discretamente no Congresso Nacional um projeto que pode desmontar, na canetada, o último bastião de liberdade digital do Brasil. Trata-se do Projeto de Lei 4.557/2024, que, sob o pretexto de “modernizar” a internet, esconde um ataque direto ao atual modelo democrático de governança digital.
O texto propõe um movimento perigoso: colocar o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) sob o guarda-chuva da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), órgão estatal historicamente alinhado a interesses políticos e corporativos, longe do crivo da sociedade civil. Na prática, significa substituir a gestão plural da internet por uma caneta governamental, em sintonia com as velhas práticas centralizadoras que tanto conhecemos.
MODELO MUNDIAL – O CGI.br não é uma invenção de gabinete. É um modelo respeitado mundialmente, criado em 1995 (Decreto 4.829/2003, posteriormente regulamentado), que reúne representantes do governo, setor privado, meio acadêmico, sociedade civil e comunidade técnica para definir diretrizes de funcionamento da internet no país.
Graças a esse arranjo, o Brasil conseguiu proteger princípios como a neutralidade de rede, a liberdade de expressão, o acesso universal e o estímulo à inovação digital.
Não por acaso, o modelo multissetorial brasileiro é citado em fóruns internacionais como referência de governança aberta e democrática, alinhado aos valores da ICANN (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, em português) e do Fórum de Governança da Internet (IGF/ONU).
BARREIRA PROTETORA – Foi essa estrutura que impediu, por exemplo, abusos no controle de domínios, imposições unilaterais de censura e restrições ao livre uso da rede — problemas corriqueiros em países menos comprometidos com a liberdade digital.
Agora, o perigoso PL 4.557/2024 é de autoria do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), e seria para “fortalecer” e “trazer eficiência” à gestão da internet, mas o método escolhido revela sua face centralizadora: a subordinação do CGI.br à Anatel.
O artigo mais polêmico da proposta determina que a Anatel passe a supervisionar o sistema de domínios “.br”, a alocação de endereços IP e as diretrizes de funcionamento da internet no Brasil, hoje atribuídas ao NIC.br, braço operacional do CGI.br.
CONTROLE OFICIAL – Sob o pretexto de “transparência”, o projeto abre as portas para que decisões técnicas e estratégicas, que afetam milhões de brasileiros, sejam controladas por uma autarquia federal, politicamente suscetível e distante do debate público.
Nota técnica do próprio CGI.br alerta que essa mudança compromete a pluralidade, cria riscos à neutralidade da rede e enfraquece a estrutura multissetorial que tem garantido o equilíbrio institucional desde os anos 1990.
A Anatel, que deveria focar exclusivamente em telecomunicações, demonstra interesse direto em ampliar seu escopo, incorporando atividades de gestão de domínios e de governança da internet — temas para os quais historicamente não possui o conhecimento técnico ou a legitimidade democrática necessária.
DIREITOS CIVIS – O problema é conceitual: regular a infraestrutura de telecomunicações (cabos, torres, espectro) é bem diferente de regular o ambiente da internet, que envolve direitos civis, inovação, privacidade e liberdade de expressão.
A experiência internacional mostra o perigo dessa fusão. China, Rússia e Irã, por exemplo, subordinam a internet aos seus governos, resultando em censura explícita, bloqueios de conteúdo, vigilância massiva e restrições ao debate público.
Se aprovado, o PL 4.557/2024 trará consequências drásticas: pequenos Provedores Regionais, que hoje conectam comunidades remotas, podem ser sufocados por burocracias e exigências técnicas inadequadas, ampliando o monopólio das grandes operadoras;
OUTROS EFEITOS – Empresas de tecnologia e inovação, sobretudo startups, perderão o ambiente flexível que hoje impulsiona o empreendedorismo digital no país.
A sociedade civil, voz fundamental nos debates sobre direitos digitais, será excluída das decisões estratégicas. Com isso, o cidadão comum, usuário da internet, enfrentará riscos de bloqueios, censura seletiva e redução da diversidade de conteúdos.
Especialistas alertam que a centralização de poder nas mãos da Anatel pode minar a neutralidade da rede, princípio que impede que certos serviços ou conteúdos sejam privilegiados em detrimento de outros, garantindo igualdade de acesso para todos os brasileiros.
REFERÊNCIA MUNDIAL – O CGI.br e sua governança multissetorial são respeitados internacionalmente. Relatórios como o da New America Foundation e documentos do Internet Governance Forum (ONU) destacam o Brasil como exemplo de equilíbrio entre governo, sociedade e setor privado na construção de uma internet democrática e funcional. Abandonar esse modelo em favor de um sistema centralizado, inspirado em regimes autoritários, representa retrocesso inaceitável.
A Abranet, o NIC.br, a Coalizão Direitos na Rede e dezenas de entidades já se posicionaram contra o PL, alertando para os riscos concretos de censura, interferência política e perda de autonomia técnica.
Se o Brasil seguir por esse caminho, abre-se um precedente perigoso: hoje é o controle dos domínios; amanhã, o bloqueio de sites; depois, a criminalização da opinião divergente — tudo travestido de “gestão eficiente”. Por isso, fique atento. Mobilize-se. A internet livre do Brasil está sob ataque.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Excelente matéria, enviada por Mário Assis Causanilhas. Mostra que a defesa da internet livre não é bandeira de esquerda ou de direita. É questão de soberania, de liberdade e de garantir que o ambiente digital continue sendo espaço para inovação, expressão e pluralidade. O PL 4.557/2024 ameaça desmontar tudo isso. E, como costuma acontecer com as liberdades, quando o povo acorda, já é tarde demais. (C.N.)