Acuado entre Supremo e oposição, Hugo Motta ganha alguns dias de alívio

Hugo Motta pede afastamento de 5 deputados por até 6 meses | Brasil | Pleno.News

Hugo Motta sabe que não está agradando a oposição

Raquel Landim
do UOL

Hugo Motta (Republicanos-PB) ganhou um respiro de alguns poucos dias. Essa foi a estratégia do presidente da Câmara dos Deputados, que está acuado entre a oposição e o STF (Supremo Tribunal Federal). Com a Mesa Diretora da casa tomada por motim, ele ouviu calado enquanto líderes da oposição e do centrão selavam um acordo para votar a ida do foro privilegiado para a primeira instância e, em seguida, a anistia aos condenados do 8 de Janeiro.

Conforme os líderes, o acordo teria sido selado pelo ex-presidente da Câmara, o ainda poderoso Arthur Lira (PP-AL), com o apoio de PL, PP, Novo, União Brasil e PSD. Esses partidos reunidos reúnem uma maioria confortável para a aprovação da pauta.

VOLTOU À CADEIRA – Assim, o deputado Hugo Motta conseguiu sentar de novo na cadeira de presidente da Câmara, ainda que com algum empurra-empurra.

No dia seguinte, ele afirmou à coluna que não se comprometeu a colocar em votação nem a anistia e nem o foro privilegiado. E não mentiu, porque não se comprometeu mesmo.

O que os líderes relatam é que ele ficará neutro, sem impedir e sem apoiar. O problema é que a pauta de votação é aprovada pelo colégio de líderes, mas sai da caneta do presidente da Câmara. Os próximos dias serão de muita negociação e pressão.

FORO PRIVILEGIADO – Os parlamentares querem acabar com o foro privilegiado e serem julgados na primeira instância, porque se sentem “chantageados” pelo STF por causa das investigações de corrupção nas emendas parlamentares e dos crimes de fake news ou de “opinião” —dependendo do lado de espectro político que descreve o delito.

Dizem que é preciso acabar com o foro para só aí conseguir votar a anistia. Fontes do Supremo alertam que a mudança é uma “burrice”. “Esqueceram do Moro? Esqueceram do Bretas?”, afirmam, referindo-se ao hoje senador Sérgio Moro e ao juiz Marcelo Bretas, os antigos arquitetos da Lava Jato.

A questão é que os fatos não mudam. Tem aparecido muita coisa estranha nas investigações da Polícia Federal sobre as famosas emendas de relator. E a história já mostrou que a combinação de Polícia Federal e juízes de primeira instância pode ser explosiva.

Liberdade de expressão é um conceito bastante relativo no petismo

Tribuna da Internet | Liberdade de expressão é muito falada, porém pouco  conhecida

Charge do Glauco Góes (Arquivo Folha)

Lygia Maria
Folha

“Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”. Essa frase de Millôr Fernandes resume como parte da esquerda lida com a liberdade de expressão. Na quarta-feira (dia 6), os perfis no Instagram e no Facebook do influenciador comunista Jones Manoel foram desativados. O motivo exato não foi informado. A Meta, empresa que controla as redes, só disse que as contas não seguiam os padrões da comunidade.

Jones acusou perseguição ideológica por suas críticas a Donald Trump e às big techs, o que não faz sentido. Outros perfis que não tratam de política foram banidos.

CONTAS REATIVADAS – Após repercussão, em dois dias as contas foram reativadas. A ministra de Relações Institucionais do governo Lula, Gleisi Hoffmann, criticou o banimento:

“As plataformas decidem quem pode ou não falar, mas acusam de censura qualquer proposta de lei ou decisão judicial para regulamentar sua atuação”. Ora, mas expandir o poder das plataformas foi o que o STF fez, ao tornar parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O dispositivo estabelecia que as empresas só poderiam ser responsabilizadas por conteúdos postados por usuários se descumprissem ordem judicial de remoção, com algumas exceções.

Anos de debate na sociedade civil levaram à aprovação da lei em 2014, e o objetivo do artigo 19 era proteger os usuários: desincentivar big techs a promoverem censura para evitar judicialização.

CENSURA PRÉVIA – A medida do STF se dá num contexto de atuação anômala da corte que já baniu diversos perfis de direita — censura prévia amplamente apoiada pelo petismo. Um dos conteúdos que devem ser removidos imediatamente é o vago “ataques à democracia”.

Não se sabe o que motivou a desativação das contas de Jones Manoel, mas quem defende ditadura do proletariado, posta que “matar pessoas numa revolução é contingência” e diz que sua tarefa é incitar ódio contra a burguesia, o STF e o Congresso pode vir a ser enquadrado nesse critério.

Aí, haverá comoção. Para parte da esquerda, censura é algo relativo: depende de quem manda e de quem é obrigado a obedecer.

Ministros do STF agora temem ser alvo de punições com base na Lei Magnitsky  

Imagem em destaque

Bernardo Barroso trabalha no banco BTG em Miami

Carolina Brígido
Estadão

Depois que o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, no último dia 4, aumentou a preocupação de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Na Corte, a avaliação é que outros ministros devem se tornar os próximos alvos de punições financeiras aplicadas pelos EUA com base na Lei Magnitsky.

Uma das sanções vislumbradas é a proibição de realizar operações financeiras com empresas sediadas nos EUA. Isso poderia afetar, em tese, o hábito de alguns ministros de proferir palestras em eventos. Se o patrocinador tiver sede nos EUA, não seria possível contratar um ministro do Supremo, no caso de aplicação dessa punição.

Como mostrou o Estadão em setembro de 2024, o mercado de palestras rende cachês de até R$ 50 mil/hora para ministros do Supremo, STJ e TST.

MORAES JÁ ATINGIDO – Até agora, as sanções financeiras foram aplicadas apenas a Alexandre de Moraes. No entanto, ele informou a interlocutores que não tem contrato com empresa estrangeira. Também não teria aplicações financeiras ou imóveis nos EUA.

Ministros do STF não podem exercer outra atividade remunerada que não seja o magistério. Alguns integrantes da Corte dão aulas em universidades públicas ou privadas. Palestras remuneradas são consideradas atividade de magistério — portanto, eles têm autorização para receber pagamentos dessa natureza.

Outra sanção aguardada é a proibição de não apenas ministros visitarem os EUA, mas familiares próximos. Até agora, oito dos onze ministros do Supremo perderam o visto para visitar o país de Donald Trump. Não houve notificação formal desta punição.

FILHO DE BARROSO – O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, aconselhou o filho, Bernardo Barroso, executivo do banco BTG Pactual, a não retornar aos EUA, onde mora, para evitar ser barrado na entrada. Barroso está entre os ministros proibidos de pisar no país. Quando a sanção foi anunciada, o filho dele estava de férias na Europa.

No STF, também se discute nos bastidores a chance de haver novas sanções dos EUA contra outras autoridades brasileiras. Uma possibilidade seria a suspensão dos vistos de todas as autoridades, deixando apenas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice, Geraldo Alckmin, com autorização para entrar nos EUA.

Nesse caso, não apenas a relação com o Judiciário com os EUA ficaria comprometida, mas haveria também uma crise ainda maior na diplomacia entre os dois países.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Moraes cometeu um terrível erro, ao pedir aos Estados Unidos punição e prisão de apoiadores de Bolsonaro. E foi além, ao exigir que os EUA cumprissem uma lei que não existe lá nem no Brasil. Parecia piada, mas era sério. O resultado da irresponsabilidade está se vendo agora. (C.N.)

Wall Street Journal acusa Moraes e STF de censurar críticos e prender oponentes

Mary O'Grady, do Wall Street Journal, recebe o "Prêmio Liberdade de Imprensa"

A jornalista recebeu o prêmio Liberdade de Imprensa

Deu no Diário do Poder

O norte-americano Wall Street Journal, um dos mais influentes do mundo, publicou artigo editorial neste domingo (10), assinado pela colunista Mary Anastasia O’Grady, em que acusa o Supremo Tribunal Federal (STF) de aplicar um golpe de estado no Brasil e o ministro Alexandre de Moraes, principal instrumento dessas decisões, de estar “censurando críticos e prendendo oponentes sem nenhum controle político”.

As acusações estão já no  título da  publicação, “Um golpe de Estado da Suprema Corte  do Brasil”, e no subtítulo, onde se refere a censura e prisões políticas.

GRAU DE PERIGO – “A liberdade nas Américas enfrenta um grau de perigo nunca visto desde a Guerra Fria”, escreveu a colunista no artigo publicado no site do  WSJ às 16h39 deste domingo, horário de Washington, que menciona vários fatos autoritários no continente, desde o coronel golpista Hugo Chávez, que  implantou a ditadura  na Venezuela.

“O maior risco não é, como ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, a repentina tomada do poder pelos militares”, lembra O’Grady. “Os ditadores do século XXI estão copiando Hugo Chávez , que consolidou seu governo tomando o controle das instituições democráticas enquanto era popular e depois prendeu seus oponentes ou os exilou.”

Ela também afirma que o presidente conservador de de El Salvador, Nayib Bukele, “criou sua própria versão do chavismo”, demitindo e substituindo todos os membros da mais alta corte constitucional do país em 2021.

DITADURA – “O devido processo legal, a liberdade de expressão e a liberdade de reunião não existem mais”, diz a colunista, observando que Bukele agora controla inclusive o tribunal eleitoral. “Mas ainda não é tarde para salvar o Brasil da ditadura”, pondera, acrescentando:

“Desenvolvimentos recentes oferecem esperança de que uma tomada de poder gradual, construída ao longo de seis anos, possa ser revertida”, disse referindo-se ao endurecimento do regime no Brasil.

“O problema em Brasília começou em 2019, quando o Supremo Tribunal Federal alegou ser vítima de calúnias e ameaças, invocando uma regra interna que lhe dava o poder de abrir ‘inquéritos’ secretos sobre supostos crimes contra seus membros”, disse a jornalista, que há anos acompanha de perto a situação política no País.

FAKE NEWS – “Primeiro veio o ‘inquérito das fake news’, no qual a Corte se colocou simultaneamente como iniciadora, investigadora e julgadora — uma violação dos direitos constitucionais dos brasileiros, que têm direito a ver seus casos criminais julgados nos tribunais locais e estaduais, com acusações feitas por promotores locais e estaduais”, relata.

“Alexandre de Moraes, conhecido por sua oposição ao então presidente Jair Bolsonaro, foi escolhido a dedo pelo então presidente do STF, José Antonio Dias Toffoli, para conduzir o inquérito, apesar de o sorteio aleatório ser a regra”, disse, demonstrando estar bem informada também sobre questões próprias do Supremo.

O artigo no Wall Street Journal cita as violações à Lei diante da omissão do Senado Federal, que tem o papel constitucional de impor limites ao STF.

OMISSÃO DO SENADO – Alguns juristas acusaram a Corte de violar a imparcialidade, a liberdade de expressão e o sistema adversarial de justiça. O Senado, no entanto, se omitiu diante do dever de disciplinar o tribunal.”

“A decisão do STF, em março de 2021, de anular a condenação por corrupção de 2017 do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva — confirmada duas vezes em instâncias superiores — inflamou ainda mais a direita brasileira”, diz o artigo.

“Os ‘deploráveis’ recorreram às redes sociais”, diz a jornal, e “a Corte tentou silenciá-los, mas alguns influenciadores estavam fora do país e fora do alcance dos ministros. Em julho de 2021, veio o “inquérito das milícias digitais”, mirando empresas de tecnologia e suas plataformas, obrigando-as a censurar conteúdo e desmonetizar brasileiros com opiniões consideradas inaceitáveis. O não cumprimento resultaria na proibição de operar no Brasil.

PAPEL DO TSE – Para a jornalista Mary Anastasia O’Grady, “Moraes também presidiu o Tribunal Superior Eleitoral durante a eleição presidencial de 2022, que colocou Lula contra o então presidente Bolsonaro”.

“O ministro tornou o tribunal significativamente mais político, monitorando e censurando discursos de partidos, candidatos e cidadãos com quem discordava”, acrescentou.

Na conclusão do seu relato em que resume os acontecimentos dos últimos anos no Brasil, a articulista diz que, “quando Lula foi declarado vencedor, a polarização se agravou. Parte dos apoiadores de Bolsonaro se recusou a aceitar o resultado, pedindo intervenção militar e organizando protestos pacíficos em frente a quartéis por meses.”

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
A jornalista americana está apoiando as denúncias dos órgãos mais democráticos da imprensa brasileira, que há meses publicam essas informações, como a Tribuna da Internet. De qualquer modo, a denúncia é importante. O Brasil e o mundo  precisam raciocinar a respeito do STF e do ministro Moraes. (C.N.)

Para o filósofo Emil Cioran, a curiosidade do primeiro homem nos foi fatal

Bar do Bulga: Emil Cioran

Estudos de |Emil Cioran nos guiam pela Pré-História

Luiz Felipe Pondé
Folha

A definição mais conhecida de pré-história é: um tempo social em que o Sapiens não havia adentrado o mundo da escrita. Normalmente, nos referimos a pré-história como cerca de 4.000 ou 5.000 a.C. —o neolítico—, ou seja, antes da escrita ter sido inventada na Mesopotâmia. A “era de ouro” do surgimento do Sapiens moderno, como se fala, é localizada entre 80 e 70 mil anos atrás, no paleolítico médio ou paleolítico superior.

Se a pré-história acaba com o surgimento da escrita, a consequência imediata de tal critério é que ela pode ter vindo até 3.000 ou 4.000 anos atrás nas ilhas britânicas, onde havia populações sem escrita, assim como há menos de 2.000 anos nas Américas, ou mesmo até ontem, quando existiam populações ainda sem escrita.

EFEITOS COLATERAIS – O estudo sistemático da pré-história tem efeitos colaterais. A arqueóloga francesa Sophie A. de Baune costuma dizer que se cria uma personalidade epistemológica específica em quem se dedica a pré-história. Isto é, certas marcas no modo de enxergar o mundo.

Dois exemplos, entre tantos, são evidentes dessa “personalidade epistemológica” em questão. O primeiro é a ruína da percepção de tempo. Contrário à tendência moderna de achar que o mundo começou com a Revolução Industrial, nos anos 1960 ou na era digital, a pré-história nos ensina que a duração do tempo é imensa, o que nos faz perceber o caráter efêmero dos acontecimentos históricos presentes.

Ligado a este, assim como aqueles que viveram há 40 mil anos viraram pó, o mesmo poderá acontecer conosco, principalmente se levarmos a civilização e o meio ambiente à barbárie, como estamos levando.

CONTROVÉRSIAS – O fato é que há grandes controvérsias entre os especialistas no tema, o que só enriquece a área. Há aqueles, como o arqueólogo sul-africano David Lewis-Williams, para quem as cavernas com pinturas feitas por nossos ancestrais pré-históricos devem ser vistas como catedrais. Quando nelas penetramos, devemos manter a mesma reverência que em qualquer outro templo religioso.

Para Lewis-Williams não era simples arte, mas arte movida por estados alterados de consciência, que anunciavam nossa vida espiritual tal como conhecemos na história. Esta ideia está longe de ser consensual, apesar de que ela tem sua validade e beleza interpretativa.

Mas, independente desse “adendo espiritual” à arte das cavernas, o fato é que, provavelmente, quando começamos a pensar, devemos ter achado tudo isso estranho, e, possivelmente, muitos de nós devem ter assumido que nossos pensamentos eram vozes na nossa cabeça —como, até hoje, muitas pessoas assumem que Deus fala com elas em pensamento ou mesmo os espíritos dos mortos em sonhos. O que nos leva de volta ao possível vínculo entre surgimento do pensamento e a crença que entidades falavam conosco “dentro” da nossa cabeça.

VOZES AO VENTO – O arqueólogo britânico Paul Pettitt usa a imagem de “vozes ao vento” para esses eventos, e mais, concebe mesmo que essas “vozes ao vento” podem ter sido um dos primeiros sinais do que muito mais tarde foi denominado religião. Vozes em nossa cabeça ou ao vento pressupõem a escuta e atenção dada a eventos em que uma linguagem invadia o mundo.

Uma questão assaz interessante é aquela trazida por especialistas que olham de modo dissonante para o avanço do Sapiens moderno a partir dos 80 ou 70 mil anos atrás.

O historiador Harari já havia “brincado” com a ideia de que o clímax da humanidade teria sido o paleolítico superior. O arqueólogo belga Marcel Otte, especializado em religião na pré-história, chegou a escrever um livro —”Les Néandertaliens, L’âge d’or en Europe”— no qual ele levanta a hipótese de que a era de ouro da Europa foi os anos em que os neandertais dominaram o continente.

SUPERIORIDADE – Nossos primos irmãos, extintos por volta de 40 mil anos atrás sem que saibamos com precisão a causa, teriam um comportamento menos predatório. A “superioridade” dos neandertais estaria ligada ao fato que eram mais pacíficos, menos ambiciosos tecnicamente, menos obcecados pelo que chamamos de “conhecimento” ou ansiavam menos pelo poder sobre a natureza e viviam sem sistemas políticos grandiosos.

Pouco importa se a causa desse fato tenha sido menos capacidade fisiológica para a fala ou pensamento, o que importa é que a “evolução do Sapiens” pode ter sido uma catástrofe vista a partir de hoje. Enfim, o silêncio dos neandertais era maior, e o mundo menos invasivo psicologicamente. Mas, ainda assim, desapareceram.

Aqui, Otte segue de perto o filósofo romeno Emil Cioran, para quem a curiosidade do primeiro homem nos foi fatal. E a extinção do Sapiens, inevitável.

STF nunca tolheu liberdade de expressão da obra intelectual de Bolsonaro

Um homem com cabelo castanho claro e pele clara está falando em um evento. Ele usa uma jaqueta preta com detalhes verdes e gesticula com a mão, apontando para cima. Ao fundo, há uma pessoa com pele escura, parcialmente visível. O ambiente parece ser ao ar livre, com uma iluminação natural.

Em matéria de democracia, Bolsonaro ainda é analfabeto

Conrado Hübner Mendes
Folha

A obra intelectual de Jair Bolsonaro se encerra em mais ou menos cinco linhas: “Devia ter matado uns 30 mil. O erro foi torturar e não matar. Não estupro porque não merece. Vou legalizar milícias. Não sou coveiro. A minoria tem que se curvar à maioria. O afrodescendente mais leve pesava sete arrobas. Rolou um clima. Dirás a verdade. Fake news faz parte da vida. Fora, Folha! Sou perseguido. Ficar em casa é para os fracos. A Constituição sou eu. Não vou mais obedecer. Amo a liberdade.”

O pensamento oral de Bolsonaro gozou do mais extravagante regime da liberdade de expressão que se tem notícia para um homem público no país. Sempre foi duvidosa sua constitucionalidade.

FORA DA LEI – Violava a lei, mas o Supremo Tribunal Federal se acostumou a liberá-lo com base na seguinte teoria: “apesar da grosseria e da vulgaridade, não parece ter extrapolado limites”. Essa síntese da leniência jurídica foi de Alexandre de Moraes.

Bolsonaro-presidente liderou política pública extraoficial de censura na sua forma mais insidiosa: por meio de intimidação e ameaça, quando não do assédio policial e judicial, buscou promover auto-censura de muitos jornalistas, professores, artistas e opositores. Não precisou criar departamento de censura. Deixou que o medo terceirizasse o trabalho. Conquistou o silêncio dos que não tinham estrutura para o risco.

Bolsonaro-réu da acusação do mais grave crime do Código Penal brasileiro tem, no curso do processo, os mesmos direitos? Bolsonaro-réu não é réu qualquer. Tanto por sua força social, quanto por comportamento que aciona sua rede de desinformação, cria desafios especiais à Justiça.

PODE SER NECESSÁRIO – Quando desobedece a ordens judiciais e usa as redes para obstruir e coagir, regime de maior restrição, ainda que momentâneo, pode ser necessário. Está em jogo a legitimidade da corte para decidir e se fazer obedecer.

Bolsonaro tem a mais cara equipe de advogados que o dinheiro pode pagar. Todas as ferramentas do direito de defesa dentro e fora do processo estão à disposição. Sua dignidade tem sido tratada de maneira oposta à maneira como sempre propôs tratar minorias. E como o próprio Judiciário costuma tratar minorias.

O grito genérico pela liberdade de expressão, por isso, erra a mira. Não estamos na Ágora grega, na praça pública ou num livre mercado de ideias. John Stuart Mill deveria ser atualizado no século 21. Pois não há verdade que emerja espontaneamente da circulação customizada de ideias forjadas para manipular e radicalizar. Um espaço desenhado por algoritmo secreto não promove “confronto de ideias”. Gera dinheiro para o dono.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO – Não se pode subestimar a periculosidade do movimento insurrecionista turbinado pela máquina. É urgente promover liberdade de expressão em condições de igualdade. Desde que se entenda o ecossistema em que a comunicação pública se desenvolve hoje.

Nada disso recomenda chancela automática a cada medida cautelar do STF. Mas o confuso duelo retórico entre a defesa abstrata da liberdade de expressão, de um lado, e a da democracia, de outro, não vai ajudar.

Há razões para prisão preventiva de Bolsonaro. Em vez do cárcere, Moraes optou por alternativa mais branda. Impôs, contudo, vedações escorregadias a posts em rede social, sem conexão precisa com o crime de obstrução da Justiça. O problema não é a liberdade de expressão de Bolsonaro. É a falta de precisão do STF, que precisa fazer mais e melhor, não menos.

Considerado paladino da democracia, Moraes é apenas um tirano enganador

Tribuna da Internet | Moraes não aprende com os erros e está envergonhando  o Supremo

Charge do Schmock (Revista Oeste)

Mario Sabino
Metrópoles

Em recente movimento da democracia nacional, o ministro Alexandre de Moraes irritou colegas seus ao decretar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro sem avisá-los. Ele recebeu recados via imprensa, como a nota da Folha de S. Paulo, segundo a qual “prisão de Bolsonaro irrita ministros do STF, isola Moraes e pode ser reconsiderada”.

É prática recorrente entre ministros do tribunal, a de mandar recados via imprensa. Assim como é hábito também que o ministro responsável por mandar o recado apareça depois para dizer que o destinatário da mensagem conta com o total apoio dele e dos outros.

PODE TUDO – O ministro prendeu Bolsonaro à sua maneira discricionária, para dizer o mínimo, porque acha que pode tudo, inclusive emitir ordens de censura nebulosas que lhe permitam atuar nas zonas de sombra deixadas pelos seus despachos.

A batalha entre os que pensam que cogitar um crime não é praticar um crime e os que creem que basta cogitar para ser criminoso foi perdida faz tempo pelos primeiros, entre os quais me incluo, sem que se precise acreditar que Jair Bolsonaro é um democrata.

A questão já deixou de ser essa. O que se tem agora é um ministro que passou a ter a convicção de que é mesmo o paladino da democracia brasileira, conforme a narrativa oficial, e que, nessa condição heroica, não tem de dar satisfação a nada e a ninguém, seja a Constituição, seja o Código de Processo Penal, sejam os próprios colegas de tribunal.

ATO DE DESAFIO – As circunstâncias brasileiras também pouco importam para ele: Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de Bolsonaro como ato de desafio ao seu nêmesis Donald Trump, em um momento no qual empresários nacionais procuram conter o tarifaço do presidente americano, separando o aspecto comercial do político.

Os maiores responsáveis pelas liberdades tomadas por Alexandre de Moraes são, principalmente, os demais ministros do STF, que têm de se haver com a personalidade incontrastável dele. Também cabe à imprensa grande dose de culpa ao ecoar, estridentemente, a narrativa oficial.

Aqui estamos, portanto. Diante desta quadra inesquecível da história nacional, um amigo meu fez uma comparação magnífica: Alexandre de Moraes é Simão Bacamarte, personagem de “O Alienista”, de Machado de Assis.

MÉDICO E LOUCO – Relembro: médico e cientista, Simão Bacamarte abre o hospício Casa Verde, em Itaguaí, e ao observar o comportamento dos habitantes da cidade, classifica quase todos os habitantes da cidade como loucos. Até que, ao questionar os limites entre sanidade e loucura, ele conclui que louco é ele por não perceber que a norma é a loucura e a sanidade, a exceção.

Simão Bacamarte dá alta, então, aos seus pacientes e se interna no hospício que abriu.

Troque-se loucura por democracia, e talvez Alexandre de Moraes um dia se dê conta de que, ao considerar tanta gente antidemocrática e ao atropelar a Constituição a pretexto de defender a democracia, o antidemocrático é ele.

Rede bancária líquida do Capibaribe, no humor poético de Gastão de Holanda

www.antoniomiranda.com.br

Holanda: antes de tudo, o humor

Paulo Peres
P0emas & Canções

O designer gráfico, editor, professor, advogado, jornalista, contista e poeta pernambucano Gastão de Holanda (1919-1997) revela num poema que o Rio Capibaribe possui uma rede bancária para a sua clientela das margens, tanto que o rio dá com o braço da maré e tira com o murro da cheia.

A REDE BANCÁRIA LÍQUIDA
Gastão de Holanda

O rio tem uma rede bancária
para atender aos flagelados,
sua clientela das margens.
Há um capital chamado pró-giro
feito de redemoinhos e febre amarela.

O rio tem um balanço exigível
pedindo a execução dos marginais
e há sempre passivo, lucro não há.
Perdas? Sim, essas são ganhas, fatais.
As mercadorias em consignação desfilam
no leito rancoroso, como um
gerente, de conta-corrente
que o banco do rio credita ao mar
e não ao devedoso cliente.

O rio empresta a prazos e juros altos
pois quem nele pesca uma tainha
tem que lhe endossar uma cesta de camorins.
Se a fome recorrer ao mangue
a pena é mil alqueires de caranguejos
cevados na lama da baixa-mar.

O rio dá com o braço de maré
e tira com o murro da cheia
que com ela traz o mar de meirinho.

Corregedor deve entregar até quarta-feira parecer sobre deputados que fizeram motim

Divulgação

Corregedor promete que vai trabalhar com rapidez

Bernardo Lima
O Globo

O corregedor da Câmara, Diego Coronel (PSD-BA), deve apresentar até quarta-feira os pareceres dos processos disciplinares contra parlamentares que obstruíram os trabalhos da Casa. Ao GLOBO, o deputado federal ainda disse que vai se reunir com o presidente da Câmara, Hugo Motta, e os outros integrantes da Mesa Diretora da Casa para tratar do tema.

Ao todo, pelos menos 14 congressistas, que são alvos de representações, poderão ter seus mandatos suspensos por até seis meses. Entre eles, Marcel Van Hattem (Novo-RS), Marcos Pollon (PL-MS), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Júlia Zanatta (PL-SC) e Zé Trovão (PL-SC), que foram denunciados por PT, PSB e PSOL.

PARALIZAÇÃO – Por mais de trinta horas, a oposição paralisou os trabalhos da Câmara. Os deputados exigiam que fossem pautados dois temas: a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro e o fim do foro privilegiado.

A partir do momento que for comunicada, a Corregedoria da Câmara tem o prazo de 48 horas para dar uma resposta sobre os pedidos de suspensão dos mandatos. Se a decisão for favorável aos pedidos, a resposta é encaminhada de volta para a Mesa Diretora da Câmara, que deve repassar os pedidos de suspensão para o Conselho de Ética, que por sua vez terá o prazo de três dias úteis para votar as solicitações. Se não houver recurso ao plenário, a decisão já é confirmada.

A deputada Camila Jara (PT-MS), da base do governo e denunciada pelo PL por empurrar o colega Nikolas Ferreira (PL-MG) do plenário, também terá o caso avaliado pela Corregedoria, mas não consta na listagem por não ser representada por obstruir.

Lobby e soberania: o caso Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo

Eduardo Bolsonaro e aliado citaram sanções cinco vezes por dia

Pedro do Coutto

A reportagem de Dimitrius Dantas, publicada neste domingo em O Globo, expõe de forma minuciosa e inédita um fenômeno que extrapola as fronteiras da disputa política doméstica brasileira: a construção deliberada de um lobby nos Estados Unidos, capitaneado pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro e pelo influenciador Paulo Figueiredo, com o objetivo central de pressionar o governo norte-americano a impor sanções contra o ministro Alexandre de Moraes e, por extensão, a outras autoridades do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio governo brasileiro.

Segundo a análise apresentada, a atuação da dupla deixou de ser episódica para se tornar sistemática. Entre março e o início de agosto, Eduardo e Figueiredo falaram de sanções o equivalente a cinco vezes por dia em seus canais no YouTube, totalizando mais de 700 menções diretas ao tema. O nome “Alexandre” apareceu mais de duas mil vezes — mais do que o dobro das citações ao presidente Lula.

ARTICULAÇÃO – Trata-se, portanto, de uma campanha coordenada, persistente e com alvos bem definidos, articulada junto a parlamentares republicanos e figuras ligadas diretamente ao presidente Donald Trump. O que inicialmente parecia bravata política passou a ganhar relevância geopolítica quando, em 9 de julho, Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e citou a atuação do STF contra Jair Bolsonaro como justificativa.

Ainda que os próprios articuladores do lobby afirmem que não recomendaram essa medida específica, o episódio reforça a ligação direta entre a pressão exercida nos bastidores e as decisões da Casa Branca. Mais grave: Eduardo e Figueiredo passaram a ventilar, recentemente, a possibilidade de medidas ainda mais severas, como a exclusão do Brasil do sistema Swift, essencial para transações financeiras internacionais.

É uma escalada que, se concretizada, teria repercussões econômicas profundas e imprevisíveis, atingindo desde o comércio exterior até a vida cotidiana da população. Não é a primeira vez que atores políticos brasileiros buscam respaldo ou intervenção estrangeira para sustentar agendas internas. No entanto, como destaca o professor Felipe Loureiro, da USP, a imposição de medidas econômicas unilaterais pelos EUA contra o Brasil com base em “ameaça à segurança nacional” é sem precedentes na relação bilateral.

VULNERABILIDADE – Essa novidade coloca o país em uma posição vulnerável, pois sinaliza que disputas políticas internas podem ser instrumentalizadas como justificativa para ações externas de grande impacto.

As conexões de Paulo Figueiredo com o universo trumpista — incluindo sua relação empresarial com o ex-presidente americano — e o trânsito de Eduardo Bolsonaro junto a congressistas e ex-assessores de Trump compõem um cenário de alinhamento ideológico e estratégico. Ao mesmo tempo, levantam questionamentos legítimos sobre a legalidade e legitimidade dessas articulações, sobretudo à luz do inquérito aberto pelo STF para investigar a atuação do deputado nos EUA.

DILEMA – O caso vai além do embate entre governo e oposição. Trata-se de um teste à resiliência da soberania brasileira e à maturidade de suas instituições. Quando um parlamentar eleito e um influenciador político se dedicam, de forma sistemática, a convencer uma potência estrangeira a sancionar autoridades e, potencialmente, prejudicar economicamente o próprio país, estamos diante de um dilema grave: onde termina a liberdade de expressão e onde começa a sabotagem institucional?

Ao que tudo indica, a disputa que se desenrola não é apenas jurídica ou diplomática, mas também simbólica. O lobby de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo é um capítulo de uma narrativa maior: a internacionalização das batalhas políticas brasileiras, que agora se travam não apenas no Congresso e nas redes sociais, mas também nos corredores de Washington. Se a história recente nos ensina algo, é que esse tipo de intervenção externa, quando normalizada, raramente termina bem para a nação que a permite.

Aliados de Hugo Motta dizem que ele é o principal “culpado” pela rebelião

Ocupação Câmara Hugo Motta

Aliados de Motta apontam os erros que tem cometido

Letícia Casado e Felipe Pereira
do UOL

A postura do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ao longo do ano criou as condições para o motim de bolsonaristas nesta semana, dizem aliados do congressista, em conversas reservadas.

Ninguém quer se indispor publicamente com o presidente da Câmara, mas, nos bastidores, deputados tanto da direita quanto da esquerda afirmam que Motta não se compromete com as pautas e tampouco cumpre os acordos que teriam sido feitos na campanha para ele se eleger ao cargo.

MUITAS QUEIXAS – As reclamações são variadas: não escolhe um interlocutor único e fala com vários integrantes do mesmo partido; fica em cima do muro em temas delicados, como anistia, e, com isso, deixa a corda esticar; e não dá previsibilidade para cumprir acordos já selados.

A fragilidade é consequência da campanha para virar presidente da Câmara. O líder de um partido disse que, nas conversas com a direita, Motta deu a entender que pautaria a anistia. Ele teria prometido o contrário ao PT e ficou refém dos dois lados.

Motta continuou não se posicionando sobre este tema. A falta de uma definição incentivou os partidos a aumentarem a pressão e levou ao motim da oposição. Na noite de quarta, Motta teve dificuldade para sentar em sua cadeira e abrir a sessão que estava marcada.

AJUDA DE LIRA – A cena foi considerada uma demonstração de enfraquecimento do presidente, que, segundo aliados, precisou da ajuda do antecessor, Arthur Lira (PP-AL), para costurar um acordo e liberar seu espaço de trabalho. Deputados afirmam que ele selou em um acordo com líderes do centrão para pautar um projeto que tira poder do STF (Supremo Tribunal Federal) ao acabar com foro privilegiado.

A repercussão foi ruim a ponto de o líder do maior partido de oposição, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), precisar fazer um aceno público a Motta. Ele repetiu ao longo do dia de ontem que a Câmara retomou os trabalhos um dia antes do Senado.

O argumento entre os que defendem Motta é que a situação da noite de quarta precisava ser pacificada de qualquer maneira. Acrescentam que ele sentou na cadeira de presidente sem haver briga entre deputados ou intervenção da Polícia Legislativa. Já os críticos afirmam que Motta deveria ter cancelado a sessão para reabrir na quinta pela manhã, quando os ânimos poderiam estar menos acirrados. 

Se quiser, Luiz Fux pode empurrar o julgamento de Bolsonaro para 2026

Um juiz está sentado em uma mesa, usando uma toga preta e uma gravata. Ele tem cabelo grisalho e está olhando para a frente, com uma expressão séria. À sua frente, há um computador com o logotipo do STF. Ao fundo, outras pessoas podem ser vistas, mas não estão claramente focadas.

Fux poderá ficar sentado no processo durante 90 dias

Elio Gaspari
O Globo

É improvável que o julgamento de Bolsonaro termine em setembro e é possível que ele entre pelos primeiros meses de 2026. Admita-se que em setembro ele entre na reta final. São fortes os sinais de que o ministro Luiz Fux vá pedir vistas.

Pelo regimento do tribunal, um ministro tem 90 dias para devolver o processo. Por hipótese, passam-se assim os meses de outubro, novembro e dezembro.

Começa o recesso e o tribunal só retoma suas atividades em fevereiro. Basta uma pequena espichada para que se chegue a março de 2026.

Essa demora haverá de acavalar o julgamento do ex-presidente com a apreciação dos recursos relacionados à sua inelegibilidade, pelo Tribunal Superior Eleitoral, com uma nova composição. 2026 virá com fortes emoções.

HOMEM DA CADEIRA – Depois da Senhora do Batom, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal produziu o Homem da Cadeira. O mecânico Fábio de Oliveira foi condenado a 17 anos de prisão por ter sentado na cadeira do ministro Alexandre de Moraes durante os distúrbios de 8 de janeiro.

Além de sentar-se na cadeira, Oliveira gravou-se dizendo bobagens. Moraes enquadrou-o em cinco crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.

Oliveira não invadiu o plenário do tribunal, ele sentou-se na cadeira do ministro depois que ela foi levada para fora do prédio.

HOSPÍCIO PARLAMENTAR – Parlamentares acorrentaram-se no Congresso na semana passada, obstruindo seu trabalho.

Felizmente, a muvuca serviu para que o repórter Octavio Guedes resgatasse a resposta dada por Ulysses Guimarães diante de um episódio semelhante:

“Eu sou o presidente da Constituinte, não de um hospício”.

Em Brasília, a futilidade desmoraliza a importância que a capital deve ter

Jornalistas&Cia celebrará 30 anos elegendo os 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros - Portal dos JornalistasVicente Limongi Netto

Da lista medonha, torpe, cretina, patética e fúnebre, salvam-se apenas Ana Dubeux, do Correio Braziliense, e mais uns 10 verdadeiros jornalistas. E olhe lá. Três ou quatro colegas que já partiram valem por quase toda a lista de 100 mortos-vivos apresentados aqui em Brasília como os mais admirados jornalistas. A estes, realmente bons, rendo minhas homenagens.

Aliás, é hora dos bons e expressivos jornalistas (ainda temos alguns!) manterem trincheiras contra os famigerados sujeitos que mandam na imprensa do espoliado Brasil. Não é brilhar os olhos por fazer parte de listinhas infames. Há quem goste. Os colegas que não são servos (ainda contamos com alguns) devem é lutar contra as desigualdades. Usar seus espaços para combater a insegurança, a fome, os corruptos e o feminicídio avassalador.

IMITAÇÃO GROTESCA – Fazer parte de lista dos cem mais admirados é apenas uma patética imitação dos famosos colunistas que no século passado todo ano apresentavam lista das dez mais elegantes. Que quadra brasileira é esta, Deus do céu! Alegra o ego dos escolhidos, mas é falta abissal do que fazer.

Nada significa na verdadeira missão dos jornalistas, que devem escapar dessas bobajadas e se dedicarem a aumentar o pouco, muito pouco que fazem para colaborar realmente e tirar o Brasil do abismo. 

Soube-se que patrulheiros sem eira nem beira fizeram a lista com parvos e canalhas enchendo a cara em botecos, mas alegaram que houve votação digital. Quem foi esquecido deve agradecer a Deus e a Maria por não figurar de lista desprezível, infame e de repugnante significado. Neste domingo, lembrei muito de meu eterno pai, que me ensinou a ser decente, amigo leal e sincero. 

MULHER AMADA – Também neste domingo, em minha recente viuvez, lembrei a mulher amada e eterna que está em todos os lugares. Com suas mãos suaves, cobre meu peito de ternura, sabedoria e fervor. Caminha invisível com arranjos floridos no vestido branco.  Nos cabelos, tranças conversam com o sol. Molha o rosto nas águas do rio profundo que adormece amores.

Meu amor está nos varais do céu, alegrando o vento. Nas folhas das árvores altas que semeiam o milagre da vida. A amada deixa luz pelo caminho. Sorri esbelta e faceira, beijando anjos com aromas de orquídeas. Despede-se na euforia da noite, passeando entre nuvens emocionadas. Umedecidas com gotas de amor.  

O milagre das mãos do pai, nas poesias de Mário Quintana e Paulo Peres

Mário Quintana (poesia numa hora dessas?) - ACRJCarlos Newton

Para comemorar o Dia dos Pais, uma data que precisa ser alegre, embora em muitos casos possa ser triste, selecionamos hoje dois poemas relativos ao tema. Um deles, do gaúcho Mário Quintana, e o outro, do carioca Paulo Peres, que, quando trabalhamos com o jornalista, cronista e poeta Rubem Braga, com ele aprendeu que a poesia é necessária.

AS MÃOS DO MEU PAI
Mario Quintana

As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos…

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.

E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas…
essa chama de vida — que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma…

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DIA DOS PAIS
Paulo Peres

Festejai, pai material,
Este dia especial.
Receba o carinho celestial
– Família, luz e amor –
Através à bênção do Pai Maior,
O Nosso Deus-Pai Espiritual

É preciso haver cautela, a situação política e econômica é delicadíssima 

Charge do Nando Motta (Arquivo Google)

Merval Pereira
O Globo

Os projetos da oposição serão colocados em pauta, apesar de o presidente da Câmara, Hugo Motta, garantir que não houve acordo com os deputados que ocuparam o Congresso. Apenas o impeachment do ministro Alexandre de Moraes não vai entrar em discussão, mas o fim do foro privilegiado pode ser aprovado, porque fugir do STF neste momento é interesse apartidário.

A anistia para o pessoal de 8 de janeiro, que não pega nem Bolsonaro, nem os militares, talvez não seja aprovada; mas se for, será contestada no STF e a crise vai continuar. Embora, se aprovar a anistia, é possível que tentem ampliá-la e será outra luta política.

CENTRÃO ADERE – O Congresso está rebelado, o centrão não está muito disposto a entrar nesta rebelião, mas se a votação for para o plenário, muitos vão aderir – assim como muitos que integram o governo vão ficar de fora.

O centrão só existe na democracia; numa ditadura, eles não têm voz e provavelmente muitos serão presos, na hipótese de um golpe de Estado.

No fundo, o que está acontecendo é uma tentativa de desmoralizar a Justiça brasileira, para dar margem a algum tipo de intervenção que permita zerar o jogo. Uma espécie de golpe continuado – várias maneiras de pensar a mesma coisa. Antes, era anular a eleição, agora é anular a cassação de Bolsonaro para que ele possa disputar a eleição em 2026.

FATO GRAVE – O apoio de Trump a estas rebeliões e contra o STF é um fato novo muito grave, porque pode quebrar algumas resistências no meio militar. Saber que os EUA não apoiariam o rompimento das regras constitucionais foi o que parou as tentativas de golpe em janeiro. Mas Trump, ao contrário, anuncia a cada dia que é o STF que está rompendo as linhas da democracia.

Caso um candidato de direita assuma o governo, é capaz de o apoio do presidente americano potencializar o anseio da extrema-direita de não respeitar as instituições. É preciso muita cautela, porque a situação é delicadíssima.

Lula quer resposta a tarifaço com o grupo que Trump odeia, o Brics

Lula pose para foto com líderes do BRICS | Agência Brasil

Lula pensa que os Brics querem apoiarão contra Trumo

William Waack
da CNN

No contexto da crise atual entre Brasil e Estados Unidos, o que tem faltado ao país não é apoio externo, mas sim a definição de uma estratégia interna clara e consistente. O Brasil está buscando apoio no grupo do Brics para responder ao recente tarifaço imposto pelos Estados Unidos.

A iniciativa teve início com um telefonema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e deverá ser seguida por outro contato, desta vez com o presidente da China, Xi Jinping.

LÍDER DO GRUPO – A China, que exerce significativa influência sobre o grupo, é considerada por muitos como o verdadeiro líder do Brics — bloco que, embora tenha surgido como uma aliança entre países emergentes, foi expandido ao longo do tempo de forma a atender prioritariamente aos interesses comerciais, econômicos e políticos chineses.

Até o momento, no entanto, a China não liderou qualquer articulação de resposta conjunta do Brics a medidas protecionistas como os tarifaços impostos durante o governo de Donald Trump. Tampouco outros países do grupo — como a África do Sul e a Indonésia, também afetados por tais medidas — buscaram, até aqui, construir uma reação coordenada no âmbito do bloco.

A razão para essa inação é simples: o Brics está muito longe de constituir um bloco integrado, nos moldes da União Europeia, por exemplo.

SEM UNIDADE – As profundas disparidades de interesses, bem como as diferentes realidades políticas e econômicas enfrentadas por seus membros, tornam extremamente difícil — para não dizer impossível — a adoção de ações conjuntas que vão além de declarações genéricas ou de intenções.

No contexto da crise atual entre Brasil e Estados Unidos, o que tem faltado ao país não é apoio externo, mas sim a definição de uma estratégia interna clara e consistente. As poucas exceções obtidas até agora ao tarifaço norte-americano devem-se, em grande parte, à atuação de empresas dos próprios Estados Unidos, que também têm seus interesses comerciais afetados.

É importante destacar que as exigências políticas feitas pela Casa Branca como condição para suspender as tarifas não podem ser aceitas por nenhum governo que se pretenda soberano. Ainda que o diálogo entre os dois países — inclusive na esfera comercial — pareça, por ora, bloqueado, é pouco provável que uma solução passe pelo Brics. Na realidade, a tendência é justamente o oposto.

Estagflação já ameaça os EUA, e a culpa é da política louca de Trump

O tarifaço de Trump e os limites do poder dos Estados Unidos – blog da  kikacastro

Charge do William (Arquivo Google)

Deu no Estadão

O economista Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel em 2008, disse nesta sexta-feira, 8, que há sinais cada vez mais claro de que os Estados Unidos caminham para uma estagflação – termo usado para designar períodos em que há uma combinação de estagnação econômica com inflação alta.

Em artigo publicado no Substack, o economista diz que o ponto de partida para qualquer discussão sobre esse cenário é o fato de que o presidente Donald Trump está adotando políticas extremas tanto no comércio quanto na imigração.

90 ANOS ATRÁS – “Ele reverteu completamente 90 anos de liberalização comercial gradual, nos trazendo de volta às taxas de tarifas Smoot-Hawley (e as importações como porcentagem do PIB são hoje três vezes o que eram em 1930, então essas tarifas importam muito mais)”, escreveu.

 As Tarifas Smoot-Hawley foram adotadas em 1930 nos EUA, em meio à Grande Depressão, e aumentavam drasticamente as taxas sobre as importações feitas pelos americanos.

Krugman mostra também que, em relação à imigração, o U.S. Immigration and Customs Enforcement (ICE, a agência de imigração e controle de alfândega dos Estados Unidos) iniciou há não muito tempo as detenções e deportações em massa, mas o número de trabalhadores imigrantes nos Estados Unidos já está diminuindo, após anos de rápido crescimento.

AGUARDE A INFLAÇÃO – “Essas reversões repentinas de políticas claramente levarão a uma inflação maior no próximo ano ou depois”, escreve.

“Há quase um consenso completo entre os economistas de que as tarifas são inflacionárias. Até onde eu posso dizer, os únicos dissidentes são economistas que trabalham, diretamente ou de fato, para a administração Trump. Afinal, uma tarifa é basicamente um imposto seletivo sobre vendas imposto a bens produzidos no exterior. Existe algum cenário sob o qual as tarifas não aumentariam os preços ao consumidor?”, questiona.

Para Krugman, a única maneira de as tarifas falharem em ser inflacionárias seria se os exportadores estrangeiros cortassem seus preços, em uma tentativa de manter sua participação no mercado. “Pode haver algumas empresas estrangeiras fazendo isso, mas na maior parte isso simplesmente não está acontecendo”, diz.

CORTAR PREÇOS – “Para manter os preços ao consumidor, diante de um aumento de 15 pontos nas taxas de tarifas médias, que é mais ou menos o que Trump fez, as empresas estrangeiras teriam de cortar seus preços em dólares em mais de 13%.”

A guerra contra os imigrantes também é inflacionária, diz o economista, porque está cortando a produção em indústrias que dependem fortemente de trabalhadores nascidos no estrangeiro. “Começam a proliferar histórias de safras deixadas para apodrecer nos campos porque os agricultores não conseguem encontrar ninguém para colhê-las, projetos de construção prejudicados por batidas do ICE e um clima de medo, e mais.”

“Então, a inflação está acontecendo? Até agora, houve apenas indícios de inflação impulsionada por tarifas nos dados oficiais. O que parece ter acontecido até agora é que empresas dos EUA se apressaram em importar e estocar produtos estrangeiros antes que as tarifas de Trump entrassem totalmente em vigor, e ainda estão, em grande parte, vendendo esses estoques”, escreve Krugman.

SEM REAJUSTE – “Além disso, muitas empresas relutaram em aumentar os preços, afastando clientes, enquanto havia uma chance de Trump fazer acordos que reduzissem significativamente as tarifas novamente.”

Isso, no entanto, não está acontecendo, diz. “É verdade que muitas das tarifas de Trump são claramente ilegais, e os tribunais poderiam forçá-lo a revertê-las. Mas eu não criaria muitas expectativas. E se as tarifas vierem para ficar, podemos esperar que sejam repassadas aos compradores.”

“Veremos evidências claras do impacto inflacionário da Trumponomics no relatório de preços ao consumidor da próxima semana? Trump entrará em outra rodada de diatribes sobre estatísticas manipuladas daqui a alguns dias? Honestamente, eu não sei. Mas podemos ter muita confiança de que, graças às políticas de Trump, a inflação de inverno está chegando”, escreve.

ESTAGFLAÇÃO – “E quanto à estagnação? Contrariamente ao que muitas pessoas acreditam, tarifas não necessariamente levam a um alto desemprego. A América tinha uma alta tarifa média mesmo antes de Smoot-Hawley – 15,8% em 1929 -, mas a taxa de desemprego em 1929 estava abaixo de 3%”, diz.

Segundo ele, a razão pela qual muitos economistas acreditam que as tarifas de Trump aumentarão o desemprego não é tanto o nível delas, mas muito mais a incerteza que criam. “Como você pode esperar que as empresas façam investimentos de longo prazo quando não sabem se enfrentarão tarifas de 10% ou 35% daqui a um ou dois anos?”

Para Krugman, até se pode argumentar que a incerteza tarifária diminuirá depois de Trump ter feito “acordos” com alguns dos principais parceiros comerciais. Mas ele lembra que não são acordos comerciais formais e assinados. “E as afirmações de Trump sobre o que outros países concordaram – como sua insistência de que a Europa prometeu a ele um fundo reserva de US$ 600 bilhões e ‘eu posso fazer o que eu quiser com ele’ – são contraditas pelos próprios países. Então a incerteza tarifária permanece alta. E a incerteza criada por detenções e deportações em massa, igualmente provável de prejudicar os negócios, está apenas começando”, diz.

A grande imprensa vai acabar? Talvez, não. Mas está correndo gravíssimo risco

Saiba como explorar imagens e charges na prova de redação do vestibular | Guia do Estudante

Charge do Laerte (Folha)

Carlos Newton

Há duas décadas, quando disseram que o jornal impresso estava perto de acabar, devido à concorrência da informação via celular, fiz questão de dizer que isso jamais ocorreria, porque há pessoas que transformaram num vício o prazer de ler jornais, saboreando as notícias de manhã cedo, quando estão na privada ou tomando o café da manhã.

Mas isso não existe mais. Os jornais são tão ruins e esquálidos que dá até pena. É triste imaginar que as crianças de hoje jamais saberão o que é de verdade um grande jornal, ou uma revista de primeira qualidade, porque elas são cada vez mais caras e menos rentáveis, tendem a desaparecer.

BIG CLOSE – No desespero tecnológico, os dirigentes dos grandes jornais sonham em transformá-los em emissoras de TV. Agora, no Estadão, além de digitar a matéria, o repórter tem obrigação de aparecer, num big close do celular, lendo o texto que escreveu.

É como se o jornal não acreditasse no texto e obrigasse o repórter a repeti-lo, para ver se há alguma informação disparatada. Fica tudo muito ridículo.

Em tradução simultânea, aos 150 anos, o Estadão sente-se velho e tenta rejuvenescer à força, através desses repórteres híbridos, que fazem jornal e televisão ao mesmo tempo, julgando que estão inventando uma imprensa nova, mas é apenas um simulacro grotesco.

MAIS ELITISTA – Para sobreviver, a imprensa escrita tem de conter o que há de melhor na internet, sendo menos informativa e mais analítica, com destaque à cultura. Ou seja, mais elitista, feita para quem ainda raciocina, como os participantes da Tribuna da Internet.

E como sempre fazemos, vamos divulgar o balanço dos mantenedores da Tribuna da Internet no mês passado. De início, através da Caixa Econômica Federal:

DIA   REGISTRO    OPERAÇÃO          VALOR
08     081157        DEP DIN LOT……..100,00

23     231248        DEP DIN LOT……..230,00
25     251843        DEP DIN LOT……..100,00
30     301235        DEP DIN LOT……..230,00
31     311641        DEP DIN LOT……..100,00

Veja agora as contribuições no Banco Itaú/Unibanco:
01     PIX TRANS JOSÉ FR……………..150,00
02     TED J.ANT.PJ……………………….302,07
14     CXE TRANSF 6142……………….100,00
15     TED 001 4416 M.ACRO………..300,00
31     PIX TRANS. PAULOROB………..100,00
31     TED 033-3591 ROBERSNA……200,00

Agradecendo muitíssimo aos que colaboram na manutenção deste espaço utópico,  vamos em frente, sempre juntos, movidos pelo signo da liberdade. (C.N.)

Sem olhos em Gaza, Israel avança como Sansão no clássico de John Milton

Cadáveres ambulantes': Fome prolongada em Gaza ameaça devastar geração  inteira de palestinos com danos permanentes

Muitas crianças são cadáveres ambulantes em Gaza

Mario Sergio Conti
Folha

Ali nasceu a civilização do Livro, a religião de Moisés, a de Cristo e a de Maomé. A partir dali a civilização de Averróis se propagou até a Península Ibérica, preservou a sabedoria grega quando a longa noite da Idade Média desceu sobre a Europa. Fica ali Gaza.

Hoje se amontoam ali os detritos daquilo que se teima em chamar de civilização. No século 17, Milton escreveu em “Sansão Agonista” que em Gaza a treva apagou o meio-dia, enegreceu o sol, “um eclipse total matou a esperança de luz”.

NÚMEROS SURREAIS – Morreram ali 61 mil palestinos desde 7 de outubro de 2023, o dia em que o Hamas trucidou 1.250 israelenses.

A Unicef estima que 50 mil crianças foram feridas ou mortas. As 320 mil com menos de cinco anos correm risco de desnutrição severa. Em média, morrem de inanição 28 delas por dia. Mais de mil adultos foram assassinados a bala ao redor dos postos de distribuição de comida geridos por Israel.

Em si tenebrosos, esses números não dão conta da bancarrota moral que o mundo acompanha online. A apatia diante da dor de milhares é sintoma de uma crise de valores profunda. Porque a fome foi deliberada e planejada em minúcia, é infligida com método.

FOTOS E VÍDEOS – Muito mais que os números, fotos e vídeos de Gaza dão a verdadeira dimensão da catástrofe em andamento. Nelas, choram madonas com bebês esquálidos no colo. Meninas só pele e osso zanzam agoniadas com panelas vazias. É com a cólera de cães que maltrapilhos disputam punhados de farinha.

França, Inglaterra, Japão e outros 25 países denunciaram Israel por, como escreveram, “prestar ajuda com conta-gotas”, causar “a morte desumana de civis, inclusive crianças”. Nos Estados Unidos, 300 sobreviventes do Holocausto, ou seus descendentes, publicaram um protesto. A Alemanha suspendeu a venda de armas que Israel ali dispara.

Binyamin Netanyahu não se deu por achado. Desmentiu a crise humanitária e anunciou que ocupará Gaza inteira. O jornalista Amit Segal, uma espécie de porta-voz extraoficial do primeiro-ministro, disse que a crise humanitária é “propaganda” do Hamas.

DURO ACREDITAR – Numa coluna publicada na Folha, Thomas Friedman lembrou que Israel há pouco matou dez oficiais e 16 cientistas iranianos em suas casas. Perguntou: se acertou alvos “a 1.900 km de Tel Aviv, como não consegue distribuir caixas de comida a famintos de Gaza, a 64 km?”.

Para ele, não foi acidente, e sim “algo bastante vergonhoso”: “chegamos ao ponto em que um Estado judeu democrático, descendente em parte do Holocausto, está envolvido numa política de provocar fome”.

Como sempre faz, Friedman distinguiu o governo —”uma coalizão de extrema direita”— do Estado, da opinião pública e do povo. Embora sejam de fato instâncias diferentes, isso não significa que falta apoio popular ao uso da fome como arma de guerra, ao morticínio.

OUTRAS VÍTIMAS – Emmanuelle Elbaz-Phelps, jornalista franco-israelense, testemunhou esse apoio num programa de debates no canal 13, um dos mais vistos no país. No início do mês, o tema em discussão eram os reféns do Hamas, os soldados que morreram no conflito, as vítimas israelenses em geral.

Ela lembrou que havia outras vítimas, os palestinos. Um âncora a interrompeu: “Vamos em frente, já ouvimos o bastante”. A jornalista insistiu e outra apresentadora atalhou: “Emmanuelle, te respeito muito, mas não tenho que me preocupar com o que acontece em Gaza. Eles são meus inimigos”.

Ela levou fotos de Gaza a um programa posterior. O âncora nem quis vê-las. Afirmou que se preocupava com as crianças israelenses, e não com as de Gaza. A empatia dela com os palestinos, prosseguiu, mostrava que se esquecera do 7 de outubro. Concluiu: daqui a alguns anos, os garotos esfomeados das fotografias “irão tentar nos matar”.

FERIDA ABERTA – Entrevistada há dias pelo New York Times, Elbaz-Phelps falou que a postura de seus colegas na televisão era representativa do modo de pensar da maioria dos israelenses. Quem vive fora do país não sabe o quanto a lembrança do 7 de outubro ainda dói, avaliou. A ferida não fechou.

A jornalista estivera havia pouco em Nir Oz, o kibutz onde o Hamas mais matou: um a cada quatro dos moradores fora assassinado ou sequestrado. As casas queimadas pelos terroristas continuavam enegrecidas, em escombros.

“Sente-se ainda o odor daquele dia”, disse ela. O trauma não passou e “a maioria dos israelenses não tem espaço no coração para sentir compaixão por Gaza”. Como o Sansão da poesia de John Milton, Israel está “sem olhos em Gaza”, cego para a dor alheia.

A casa encantada e carnavalesca do baiano Walter Queiroz

Áudios da Metrópole - Walter Queiroz - Metro 1

Walter Queiroz, grande cantor baiano

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, publicitário, cantor e compositor baiano Walter Pinheiro de Queiroz Júnior usa várias figuras de linguagem, tornando mais bonito o conteúdo poético da letra de “Pode Entrar”, na qual ele fala da sua casa. Walter Queiroz gravou a música “Pode Entrar” no LP “Filho do Povo”, em 1975, pela Phonogram.

PODE ENTRAR
Walter Queiroz

A casa escancarada a lua ali
Meu cachorro nunca morde
Meu quintal tem sapoti
tem um roseiral crescendo lindo
Quem for louco ou for poeta
Pode entra r seja bem vindo

Aqui passa o bonde da Lapinha
Passa a filha da rainha
Passa um disco voador
As vezes ele gira para e pisca
Como quem quase se arrisca
A parar pra conversar

Mas não me sinto só tenho um vizinho
Que é um bêbado velhinho
que acredita no destino
Ele mora em cima do arvoredo
Ele tem muitos brinquedos
Ele sempre foi menino

Agora se vocês me dão licença
Eu vou ver um passarinho
Que me chama no quintal
Depois vou me deitar para sonhar
E dançar com a cigana
Que eu perdi no carnaval