Na sala do comandante do DOI-Codi, dava para ouvir gritos dos torturados

Aos 100 anos, morre no Rio de Janeiro o jornalista Hélio Fernandes

Helio Fernandes retrata sua primeira prisão no Rio

Carlos Newton

Conforme explicamos ontem, a Tribuna da Internet sofreu há alguns anos um brutal ataque de hackers, que atingiu nossos arquivos, destruindo importantes textos de Helio Fernandes, Carlos Chagas, Sebastião Nery e outros jornalistas que não estão mais entre nós.

Mas sobraram alguns artigos que o comentarista José Guilherme Schossland, ex-vereador catarinense, havia preservado. O texto a seguir é mais um deles, que vale a pena ler de novo.

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NA MINHA PRIMEIRA PRISÃO, CONSTATEI
QUE POUCOS ESCAPAVAM DA TORTURA

Helio Fernandes

O excelente repórter Chico Otávio, de O Globo, entrevistou o coronel Riscala Corbage, que disse textualmente: “Torturei mais de 500 presos”. Como os outros envolvidos, principalmente o coronel Paulo Belham, (que foi logo silenciado), se despediu do jornalista com a afirmação: “Não tenho o menor peso na consciência”. Belham também tinha sua frase de bolso: “Não tenho remorso ou arrependimento”.

Chico Otávio encerrou sua reportagem com essa confissão, mas começou de maneira ainda mais jornalística: “O cara urra de dor”.

MENTINDO – Só que os Corbage e Belham mentiam avidamente, por simples exibicionismo. Acreditavam que confessando e exagerando, voltariam ao apogeu.

Os dois já estão acima dos 80 anos, imaginavam (e Corbage ainda imagina) que nada aconteceria a eles.

Como todos os generais de 64, principalmente os que chegaram a “presidentes”, já morreram, os dois torturadores não pensavam que surgisse essa expressão de duas palavras: “crimes imprescritíveis”.

500 TORTURADOS? – Corbage, esse capitão da Polícia Militar, tenente-coronel na reserva, torturou muito e se pode desmenti-lo, com o maior prazer. Só que mente em alta velocidade, desabaladamente. O Exército sempre teve desprezo e desapreço pela Polícia Militar. E esta, total ressentimento, por causa da hierarquia.

Os oficiais da Polícia Militar só chegavam a coronel, paravam por aí. E os comandantes eram sempre generais, lógico, do Exército. Lutaram dezenas e dezenas de anos para mudar a situação. Só foram conseguir quando se revoltaram contra o general Fiuza de Castro (o filho, o filho, o pai era ótima figura, a genética não exerceu o seu poder).

E esse Fiuza de Castro foi um dos mais displicentes comandantes do DOI-Codi. Não torturava pessoalmente e provavelmente não sabia de tudo o que acontecia. Mas existiam centenas de oficiais do Exército servindo no DOI-Codi e não deixariam que um Capitão PM exercesse tanto Poder para a tortura de “500 presos”.

CONFISSÕES DE MIM – Em minha primeira ida ao DOI-Codi, seu comandante era precisamente Fiuza de Castro (o filho, o filho…).

Saltei lá naquela entrada enorme, com cartazes do PIC (Pelotão de Investigação Criminal), uma figura fardada apontando um dedo para a frente, como se fosse uma ameaça, devia ser mesmo.

Mais ou menos 11 da noite. O Exército não transportava presos, aqui no Rio isso era feito pela polícia. Eles me diziam: “Ficamos assustados em trazer alguém, sabemos o que acontece”. Me levaram para uma sala, um major explicou: “O general Fiuza já foi comunicado, está chegando”.

GRITOS DE TORTURA – O prédio do DOI-Codi não era tão grande quanto parecia. Dava para ouvir gritos de tortura, incessantes, assustadores, mortais. Um capitão até de boa aparência, sussurrou: “São todos muito jovens, choram por qualquer coisa”. Não deu para saber se ele era contra a tortura ou se depreciava a reação dos torturados.

O general Fiuza levou quase duas horas para chegar, não cumprimentou ninguém, sentou numa cadeira distante. Vestia calça cinza e paletó de xadrez, nenhum jogo de palavras. Inesperadamente olhou para mim, falou: “Gosto muito quando o senhor escreve sobre futebol, por que tem que se meter na nossa vida?”.

Entendi que não seria torturado, porque a imprensa inteira sabia de minha prisão, que seria manchete de todos os jornais. Mas dava para ouvir gritos de tortura, incessantes, assustadores, mortais.

11 thoughts on “Na sala do comandante do DOI-Codi, dava para ouvir gritos dos torturados

  1. Alí estive em 1967, onde nas entrelinhas posteriormente e ainda, leio as entrelinhas das sutis ações multilaterais de um gradativo e infiltrador “avanço da maré vermelha”, em sendo levada a efeito por arregimentados, do para tanto, estatutária e apátridamente prostituido “Alcoviteiro Conglomerado”, constituído pela “Mãe da Impunidade & Congêneres(sociedades secretas) & Ecumênicas Meretrizes(denominações religiosas) & Más Companhias Ilimitadas”!
    PS. Para alçar um “Homem Sem Lei”, vulgo AntiCristo, o Mundo capacita-se em ter como para tanto alçados, individuos da pior espécie e então, ei-los LOCUPLETOS e assentados nas primeiras poltronas à distribuir suas pragas sobre os tidos e havidos desassemelhados!
    https://www.facebook.com/share/p/fBXQbLNtiXtNN4Zj/

  2. Sim, todo o crédito para o saudoso Hélio, embora mesmo por aqui haja quem sustenta que só a esquerda tortura e mata, o que faz minha memória retroceder aos tempos de escola, quando muitas vezes as descargas de fuzil me acordavam antes da hora, eram “os inimigos do regime” que candidamente tinham confessado ao padre errado uma reclamação qualquer, talvez sobre o sistema de racionamento.

  3. Enquanto entre os leões não surgir um historiador, as histórias de caçadas sempre vão enaltecer o caçador.
    Fazer o quê quando o Hamas alega que a reação de Israel foi uso desmedido da força.

  4. O tio ai da janela só ouvia os tiros dados porque eram próximos a sua casa.
    Nunca ouviu os tiros dados mais ao longe, como na China de Mao, ma URSS de Stalin, no Camboja de Pol Pot, em Cuba de Fidel Castro, na Coreia dos Kim, e em outros lugares deste mundo louco.
    Nós os ditos “racionais”, somos na verdade muito mais irracionais que os próprios “irracionais”, que não aniquilam seus semelhantes apenas por divergências de opiniões como fazem os humanos.
    Talvez daqui a um milhão de anos, conseguiremos ser realmente civilizados, porque até agora somos a única espécie que mata semelhante por motivos banais, inclusive políticos.
    Somos o lixo da vida sobre a terra.

    • Realmente, não ouvi os fuzilamentos de Hitler nem de Mussolini, nem os da Junta chilena nem os dos coronéis da Grécia, nem as torturas do Doi Codi e as execuções de mateiros na Guerrilha do Araguaia e nem todas as relacionadas pelo senhor, mais populares por serem de esquerda e entusiasticamente trombeteadas pela direitona excitada.
      Mas tenho que concordar sobre o lixo da vida sobre a terra,, pois que outra forma de vida se deleitaria divulgando e alardeando chacinas de seres humanos provocadas por facções antagonistas enquanto escondemos e disfarçamos as nossas?

  5. É desproporcional os números da sua listagem com os da minha.
    Os seus mataram muito mais.
    Outra coisa, o nazismo que insistem em jogar no colo da direita, era na verdade um socialismo, que só se diferencia atual social democracia, porque era gerido por um ditador.
    O nome já é sugestivo, NACIONAL SOCIALISMO, e realmente funcionava como sociedade socialista, não comunista.
    Se a Espanha tivesse se tornada comunista, hoje estaria nas mesmas condições dos países da antiga cortina de ferro,ou seja, quebrada.

      • A social democracia tem o estado como provedor. Não se nega a qualidade de vida, o estado restitui os altos impostos com a melhoria de vida dos contribuintes.
        Quanto a ideologia, o Eixo era a Alemanha de Hitler, Mussolini na Itália e Hiroito no Japão. todos ditadores.
        Hoje os esquerdistas insistem em chamar a direita de fascista, sendo quem instituiu o fascismo foi Mussolini, il Duce.

  6. Por favor, deixe de ser ridículo, sua listagem contra a minha? Nacional Socialismo igual a Social Democracia? Estaria me rotulando de comunista? Desculpe, me enganei com o senhor.

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