Bolsonaro, a Lei da Ficha Limpa e os viciosos malefícios da polarização

As brechas na Lei da Ficha Limpa Folha1 - BlogdoBastos

Charge do Lute (Arquivo Google)

Marcus André Melo
Folha

Há uma dinâmica curiosa em relação à corrupção e abuso de poder. Quando um grupo político é hegemônico e está no poder, e sua hegemonia é avassaladora, não há registro de denúncias por duas razões. Esse grupo tipicamente controlará meios de comunicação e instituições de controle, aqui incluídas as congressuais; a oposição legislativa terá assim baixa capacidade de incidir sobre a corrupção.

As denúncias, portanto, terão pouca visibilidade. Ações individuais e coletivas da sociedade civil terão a mesma sorte: há poucos incentivos para as denúncias. Afinal, por que agir se as chances dessas ações prosperarem são baixas?

DISPUTA IDEOLÓGICA – Quando não há grupo hegemônico, mas dois competitivos, os incentivos são outros. Quanto mais competitivo o sistema, mais incentivos para a criação de um escândalo que afete o incumbente.

Quando se alternam no poder, surge um conflito que leva à mudança institucional: arranjos e legislação anteriores passam a ser atacados. A dinâmica é fundamentalmente incumbente-oposição, mas se traveste de disputa ideológica direita-esquerda.

É o que estamos assistindo no momento em relação aos ataques de Bolsonaro e outros em relação à Lei de Ficha Limpa.

LEI POPULAR – A lei foi aprovada em 2010 na esteira do Mensalão. Produto de uma aliança do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil e do TSE, ela foi a segunda lei de iniciativa popular do país.

Na campanha da fraternidade daquele ano as dioceses mobilizaram-se para a obtenção de 1,6 milhão de assinaturas e para a aprovação pelo Congresso por unanimidade. As 1.500 audiências públicas sobre a lei foram realizadas em todo o Brasil pelo TSE.

Mas o mesmo vale para outros atores e instituições. O STF, a Polícia Federal, e o Ministério Público, que eram vilipendiados pelo PT, quando era incumbente, passaram a ser defendidos pelo partido.

UDN DE MACACÃO – Por ter defendido no passado a bandeira anticorrupção, para Brizola, “o PT era a UDN de macacão”. Sim, a UDN que era o partido que denunciava a corrupção e o abuso getulista. E vice versa, em relação ao bolsonarismo.

Há dois cenários hipotéticos que podem resultar de uma nova configuração política competitiva. O primeiro é um ciclo virtuoso que é marcado por um certo aprendizado coletivo, em que desaparecem supostos monopólios da virtude.

O eleitorado aprende a distinguir entre retórica e realidade. Os atores internalizam a mudança. Excessos são mitigados. Arranjos institucionais e legislação são aperfeiçoados.

CONLUIO GENERALIZADO – O segundo cenário é vicioso: uma combinação de brutal retrocesso e conluio generalizado. O equilíbrio resultante é perverso: “Você não denuncia minha emenda e eu não denuncio a sua”. Ele produz malaise institucional e cinismo cívico generalizado: “são todos farinha do mesmo saco”. Mas o equilíbrio só quebra por ações disruptivas, antissistema. Cria-se assim incentivos a outsiders.

O primeiro cenário representa a trajetória histórica das democracias avançadas (que analisei aqui). O segundo é a armadilha da democracia de baixa qualidade que mantem dinâmicas predatórias.

Na nossa trajetória recente há dinâmicas virtuosas mas elas se inviabilizam em contextos de alta polarização. É uma explosiva combinação de ultra reação ao combate à corrupção (como vimos em relação à Lava Jato) e persistência de um equilíbrio predatório.

10 thoughts on “Bolsonaro, a Lei da Ficha Limpa e os viciosos malefícios da polarização

  1. Em 2010, após o Mensalão, ainda existia uns laivos de indignação cidadã, bom senso, honestidade e esperança que apoiaram e incentivaram a criação da Lei da Ficha Limpa.
    Esperemos que após a debacle que se avizinha, ressurjam de seus escombros cívicos necessidades que promovam impreterivelmente uma nova estrutura constitucional e moral que, finalmente, redima este sofrido país de sua herança pós colonialista e o projete como força econômica, intelectual e moral para o lugar que por lógica natural lhe corresponde dentro do universo.

  2. Já está polarizado. A metade não aceita o Lula de jeito nenhum e a outra metade (?) que conseguiu eleger 749 prefeitos num total de 5570 municípios no país quer manter o Lula no poder.

  3. Como não estar polarizado?
    Eu vou votar num candidato da direita que a mídia cretina e fundamentalista chama de extrema direita e fascista.
    A esquerda vocacionada em expurgos tem se dedicado a inviabilizar tudo que não seja a seu favor.
    Tirar Loola da cadeia e tentar colocar Bolsonaro na cadeia é o quê?
    Democracia?

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