Merval Pereira
O Globo
Nada mais exemplar da “calcificação” das posições ideológicas na sociedade brasileira – termo já consagrado pelo livro “Biografia do abismo”, do cientista político Felipe Nunes e do jornalista Thomas Trauman – do que a constatação de que as mesmas atitudes criticadas por um lado são adotadas por esses mesmos críticos quando lhes convém.
A possibilidade de o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski vir a ser o próximo ministro da Justiça do governo Lula, tratada com naturalidade por petistas e associados, tem o mesmo significado de o então juiz Sérgio Moro ter aceitado ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
TIPO “CONFISSÃO” – A aceitação por parte de Moro foi considerada uma confissão de que ele condenou o ex-presidente Lula para beneficiar Bolsonaro, o que é desmentido pelos fatos.
Ficou famoso o vídeo em que Bolsonaro, ainda candidato inexpressivo, bate continência para o juíz Sérgio Moro, então o todo poderoso da Operação Lava Jato. Moro nem lhe dá confiança, parece não saber de quem se trata. Tanto que, depois da repercussão, sentiu-se na obrigação de ligar para o deputado para se desculpar pela deselegância.
Fatos posteriores demonstraram, porém, que Moro cometeu um erro político trágico ao associar-se a Bolsonaro. Na ocasião em que aceitou o convite, disse a interlocutores que estava indo para controlar os exageros do presidente eleito na questão das armas e dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que considerava possível ganhar espaço no governo para acelerar a política de combate à corrupção. A ida para o STF seria um bônus ambicionado. Não conseguiu nada disso e, como aconteceu com muitos, inclusive militares, acabou enredado numa associação política tóxica.
VIROU ASSESSOR – Depois de romper com Bolsonaro, apareceu a seu lado como assessor em debate eleitoral na televisão, explicitando que seu alvo preferencial sempre foi Lula, não importando a quem se aliasse. E que sua proximidade com Bolsonaro, da mesma forma que seu antagonismo a Lula, eram bem mais ideológicos do que deveriam ser.
E o que dizer do ministro Ricardo Lewandowski no ministério da Justiça de Lula? Por que sua eventual aceitação do cargo é avaliada com normalidade, depois de toda sua história ligada ao presidente, desde a nomeação por influências familiares até sua atuação sempre coerente a favor do ex-presidente, mesmo quando preso por acusações de corrupção?
O que dizer da teratológica interpretação da Constituição que permitiu que a presidente Dilma fosse impedida para o exercício do cargo, mas pudesse concorrer ao Senado dois anos depois? Coube ao eleitorado mineiro fazer valer a vontade constitucional, derrotando-a nas urnas.
IGUAL A MORO – A atuação do ministro Lewandowski a favor dos governos petistas pode ser vista como lealdade, ou mesmo uma coerência ideológica, o que lhe favorece na avaliação dos seus iguais, mas não difere da do ex-juiz Sérgio Moro.
Da mesma maneira, os erros de português do hoje senador Sérgio Moro são usados abusivamente pelos petistas para desmoraliza-lo.
Quando falou “conge” em vez de “conjuge”, foi ridicularizado, sem que se ao menos se desse a chance de ter sido uma decorrência do sotaque caipira. No áudio em que supostamente fala “com mim” em vez de “comigo”, não fica claro o erro, mas os ataques a ele são os mesmos.
CRÍTICAS ELITISTAS – Quando se criticam os erros de português do presidente Lula, os que o fazem são corretamente taxados de elitistas, arrogantes, preconceituosos. Por que não qualificar da mesma maneira os que criticam Moro?
Pode-se dizer que, sendo um juiz, Moro deveria dominar melhor o português. É um fato. Acho até que a história de superação de vida de Lula merece todas as homenagens, e sua origem humilde justifica erros de português (que já são raríssimos hoje, e às vezes até propositais), enquanto, como professor universitário e magistrado, os erros de Moro não deveriam existir.
Só quero chamar a atenção para a situação esdrúxula de o erro depender do lado em que nos encontramos politicamente.
Dois grandes mistérios do universo: como um jumento como Moro virou juíz e como um cara que nunca escreveu um livro como Merval ingressou na ABL.
Não sei se é verdade, mas a indicação do ex- ministro do STF seria um erro.
Exatamente, como condenamos a aceitação de Moro ao convite do ‘tosco’.
PS: Não estamos nos tempos do ‘cancelamento e lacração’??? Então, tudo se explica.
Uma dúvida: Lewandowski vai servir a Lula ou ao governo?
Ou vai “se servir”
eh!eh!eh
Não se pode esquecer que Moro foi de grande importância na eleição de Bolsonaro, que na época era considerado um herói, saiu ombro ombro na campanha pró Bolsonaro, diferentemente de Lewandowski.
Em política não existe neutro, fica-se de um lado ou do outro, excetuando-se os dúbios que mordem e assopram para não se comprometer.
Quer que Lula nomeie para o Ministério da Justiça um bolsonarista ou um desconhecido?
Pior que erro de português é dizer que Flavio Dino não tem notável saber jurídico.
” Só quero chamar a atenção para a situação esdrúxula de o erro depender do lado em que nos encontramos politicamente.”
Não adianta correr, rebolar, tergiversar, sofismar, piruetar mais que bailarina de can can. A frase acima liquida a fatura.
Os jacobinizados ideológicos sempre saberão a quem mandar para a guilhotina. E isso com toda pompa e circunstancia e com o ar mais sisudo que fiscal de gafieira.
Se for, vai escorregar e estrebuchar-se!
Exatamente, Merval !
Ótimo texto !
Tem o dom , conhecimento e clareza , ao escrever…
Parabéns !
Independente das simpatias”ideológicas”,ou dos favores,ou desfavores depende do lado.
O Senhor Ricardo Lewandowski, é EX STF.
Ao contrário do senhor Moro,que queria ser STF.
Perfeito e claro o raciocínio de Luiz Fernando Souza, joga por terra toda argumentação contrária.
Os bolsonaristas apimentados, não querem entender que o governo de Bolsonaro foi cheio de supostos crimes. Tem de ser investigado, como está sendo, e também todos os golpistas, e os que fizeram apologia ao golpe que é o pior crime contra um nação democrática. Não é perseguição política, é fazer justiça.
Quem quer defender Bolsonaro que seja claro, apresente seus argumentos e não ficar com narrativas sem pé nem cabeça atacando comentarista que mostra os supostos crimes de Bolsonaro. Supostos crimes porque ainda não foi condenado.
O Mandrake de Garanhuns não fez um gesto hipnótico trouxe a furo uma narrativa que convenceu corações e mentes.
A Argentina não vai chorar por Peron.