
Janja com seu protegido, Mariano Jabonero, da OEI
André Shalders, Vinícius Valfré e Gustavo Côrtes
Estadão
No terceiro mandato de Lula da Silva (PT), uma entidade internacional que ofereceu cargo à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e é próxima de quadros do PT, multiplicou o próprio espaço na Esplanada. Beneficiada por dois decretos assinados por Lula, a Organização de Estados Ibero-Americanos para Educação, Ciência e Cultura (OEI) já fechou 21 contratos e acordos no valor de R$ 710 milhões com 19 órgãos do governo federal.
Responsável por alguns dos principais eventos do terceiro mandato de Lula, como a COP-30, em Belém (PA), e a Cúpula do G-20, no ano passado, a OEI pode embolsar cerca de R$ 42 milhões com a cobrança de taxas de administração, mostram documentos inéditos obtidos pelo Estadão. Só por esses dois eventos, a entidade ficará com até R$ 30,6 milhões.
POR DECRETO – A taxa de administração em contratos como o da OEI com o governo foi elevada de 5% para até 10% por um decreto assinado por Lula em março de 2024.
Uma outra decisão presidencial, de setembro passado, permitiu à OEI contratar empresas para execução dos acordos, sem licitação. O decreto também acabou com a necessidade de aval da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Itamaraty. Graças ao normativo de Lula, basta notificar a ABC.
A OEI se apresenta como “a maior organização multilateral de cooperação entre os países ibero-americanos de língua espanhola”. Trata-se de uma entidade internacional de direito público que atua no Brasil há duas décadas, desde o primeiro governo Lula, com eventos, projetos sociais, consultorias e ações educativas. Mas foi na atual gestão que a presença e os ganhos diretos dela alcançaram patamares inéditos.
TUDO LIBERADO – As parcerias são concentradas em pastas e órgãos controlados pelo PT, como a Casa Civil, a Secretaria-Geral da Presidência, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e os Ministérios da Educação e da Igualdade Racial. Dos R$ 710 milhões em contratos, R$ 629 milhões (quase 90%) estão sob o guarda-chuva de ministros e dirigentes petistas.
Um levantamento realizado pela reportagem em mais de 1.700 páginas de processos administrativos, bases orçamentárias e extratos de acordos técnicos identificou a enorme extensão da atuação da OEI dentro do governo.
E a publicidade dos contratos celebrados não segue a mesma regra de transparência que a dos demais atos da administração pública. Parte dos documentos solicitados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) foi negada.
VERBAS À VONTADE – Em todo o governo de Jair Bolsonaro (PL), a OEI fechou R$ 78,9 milhões em contratos de acordos de cooperação. Em dois anos de Lula 3, o governo já transferiu R$ 197,9 milhões dos R$ 710 milhões celebrados.
Os contratos são fechados sem licitação, porque a OEI alega ser uma entidade privada internacional, e não precisaria seguir a Lei de Licitações brasileira.
A organização também diz gozar de condições especiais na relação com órgãos fiscalizadores nacionais. O acordo em que o Brasil estabeleceu relação formal com a OEI, em vigor desde agosto de 2003, determina que a sede da entidade no País, situada em Brasília, só pode ser alvo de autoridades mediante autorização de sua direção. Ou seja, a sede da entidade está submetida a regras idênticas às das embaixadas de países estrangeiros.
MAIOR CONTRATO – A OEI entrou em evidência por conta do seu maior contrato com o governo federal, firmado com a Secretaria Extraordinária da COP-30, subordinada à Casa Civil. A pasta repassará R$ 478 milhões para o órgão preparar a conferência climática que ocorrerá em Belém (PA), em novembro.
O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), indeferiu, na última terça-feira, 1.º, um pedido da oposição para suspender o contrato. As discussões sobre o protagonismo da OEI não têm abrangido o alcance da entidade no governo nem os valores que a organização cobra em cada contrato.
Do montante previsto para a COP-30, 5% serão recebidos a título de “taxa de administração”, o equivalente a R$ 22,7 milhões, que irão diretamente ao caixa da entidade. Em uma nota técnica da Casa Civil, o governo afirma textualmente que a celebração do acordo com essa taxa não visa “vantajosidade financeira”, mas “provimento de insumos técnicos que permitam aportar conhecimento necessário ao desenvolvimento de capacidades”.
FATIA AUMENTADA – Em todos os demais processos a que a reportagem teve acesso, a fatia cobrada pelo organismo internacional foi maior, de 8%. Assim, o valor direcionado diretamente para o caixa da OEI desde 2023 pode chegar a mais de R$ 42 milhões, se contabilizados também os contratos que o governo não disponibilizou. Desse total, a reportagem obteve, via LAI, documentos que comprovam o recebimento de até R$ 33,8 milhões.
A maior parte dos acordos com a OEI diz respeito ao cerimonial e à logística da COP-30 e da reunião da cúpula do G20, realizada em novembro do ano passado no Rio, ou a projetos paralelos a esses eventos.
Mas a atuação da organização é mais ampla e também abrange consultorias em educação básica, cursos de aperfeiçoamento para servidores públicos e projetos sociais. Apesar da “vitrine” da COP-30, os tentáculos da OEI não se limitam a acordos firmados no primeiro escalão do governo, diretamente com o comando de ministérios.
OUTROS CONTRATOS – Há acertos com órgãos menores como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário; a EBC; o Banco da Amazônia e a Companhia das Docas do Rio de Janeiro. Estes quatro somam R$ 9,5 milhões.
Em setembro de 2024, a Secretaria-Geral da Presidência da República (SG-PR) firmou um projeto de cooperação técnica internacional com a OEI ao custo de R$ 10 milhões para os cofres da União. O objetivo era “promover a participação da sociedade por intermédio de instâncias e processos participativos na elaboração, implementação e monitoramento das políticas públicas para o aprimoramento da democracia participativa”. A pasta é controlado por Márcio Macêdo (PT).
O governo também ampliou outra modalidade de repasses à entidade internacional, o regime de “contribuições voluntárias”. Na prática, trata-se de um arranjo parecido com os demais acordos de cooperação técnica, firmados pelos outros ministérios e empresas estatais. O instrumento legal usado neste caso é um “termo de contribuição”.
“CONTRIBUIÇÕES” – A Secretaria-Geral da Presidência doou R$ 14 milhões nessa modalidade para “fortalecimento de processos participativos na elaboração, implementação e monitoramento das políticas públicas para o aprimoramento da democracia participativa”.
O Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Memp), mais R$ 49 milhões, e o Ministério da Educação (MEC), outros R$ 35 milhões.
No caso do MEC, a contribuição se deu por meio de um crédito especial proposto pelo governo e aprovado no Congresso. Uma parte da verba foi retirada do Programa Pé-de-Meia, lançado pelo governo federal para enfrentar a evasão escolar no ensino médio.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Reportagem excelente, mas precisa avançar, porque a própria Janja informou em rede social que aceitou ser “coordenadora” da OEI em 2023. Ao contrário do que alega, o Brasil não é fundador da OEI (1949). Até hoje, não tem contrato válido, porque tem de ser assinado pelo Presidente, sem delegação de poderes (Constituição).
O único acordo com a OEI foi feito em 1957, mas assinado por Francisco Montojos, mero funcionário do MEC. Mesmo sem ter acordo assinado e apenas citando o suposto fato, que nunca ocorreu, a suposta organização conseguiu no governo FHC (2002) que o ministro do MEC, Paulo Renato Souza, aceitasse que a OEI instalasse um escritório em Brasília. Em 2003 , Lula assinou a autorização e a OEI passou a aplicar golpes no Brasil.
Até hoje ela não assinou nenhum acordo com o Brasil, que não é membro da organização. Ela se diz “organização intergovernamental”, mas funciona como uma simples ONG, não há representante brasileiro em sua direção. No governo Bolsonaro, a OEI foi investigada por um contrato no MEC, altamente lesivo ao país. A Folha publicou matéria recentemente sobre isso.
Com apoio da coordenadora Janja, o céu é o limite. E a OEI está atuando também em governos estaduais e prefeituras. Aqui no Rio ela administra o Museu de Arte da Cidade. Participa também do Loolapalozza e muitos outros eventos, sempre cobrando comissão ou “contribuição voluntária”.
O mais importante é a falta de assinatura de Presidente da República em acordo com a OEI. Se o Estadão seguir este caminho, vai descobrir que ela opera ilegalmente no Brasil, pois não somos país-membro da tal organização. (C.N.)