
Militares dizem que estão unidos em defesa da democracia
Marcelo Godoy
Estadão
Em meio a ataques contra o comando do Exército, o general Richard Nunes, que deixou o Estado-Maior e vai trabalhar no Ministério da Defesa, reagiu aos que pretendem criar uma crise militar. Na semana passada, um grupo de oficiais da reserva ligado ao governo Bolsonaro tentou escalar a crise política, levando-a para dentro dos quartéis. Foram neutralizados, sem a necessidade de nenhuma conversa no Forte Caxias para lhes impor aquilo que diziam defender quando estavam na ativa: disciplina.
Três generais que participaram de governos anteriores e a mulher de um quarto estão entre os radicais. Usaram como justificativa as últimas medidas do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal.
CRISE POLÍTICA – Foi nesse clima que o Alto Comando se reuniu na semana passada e chegou ao consenso de que a crise é política e que a instituição não deve ser contaminada pelos humores da Praça dos Três Poderes.
A conclusão é de que o objetivo dos radicais da ultra direita era acrescentar à bagunça institucional uma crise militar, desestabilizando o general Tomás para retirar a legitimidade do atual Alto-Comando, visto como obstáculo a um golpe.
Entre os generais, há quem lembre que, em um país dividido, o discurso dos radicais da ultra direita, que dizem representar “o povo”, lembra o de grupos que resolveram pegar em armas contra o regime militar, nos anos 1960. A ultra esquerda também acreditava representar “o povo”. O problema é que ontem – como hoje – ninguém se perguntava se o povo queria a radicalização que exclui da cidadania os que pensam diferente de quem defende o golpe ou a revolução.
NÃO HÁ DITADURA – Em uma República, o Exército não pode ser o braço armado de um partido político contra outro. O País permanece dividido. E, nesse contexto, os militares acreditam que é preciso diferenciar os que se deixaram levar pelo discurso da ultra direita e os aproveitadores do momento. Há excessos na atuação do STF, mas o Brasil não vive uma ditadura. E, como prova, fazem uma pergunta: que ditadura seria essa que permite a 40 mil pessoas irem à Paulista para se manifestar contra uma decisão de Moraes?
Os generais deixam claro o apoio à gestão do ministro da Defesa, José Múcio. Trata-se de uma das poucas unanimidades em relação à atual gestão. Aqui é preciso dizer: a rejeição ao golpismo não significa que a Força tenha se convertido ao petismo. Muito pelo contrário. O coração da grande maioria da oficialidade ainda bate no lado direito do peito.
Mas os generais dizem que as simpatias políticas não devem se sobrepor à legalidade. Quem defende a ordem não pode criar desordem.
CONTRA OS RADICAIS – Na quinta-feira, duas solenidades reuniram a cúpula militar em Brasília com discursos fortes contra os radicais: a promoção dos oficiais generais e a posse do novo chefe do Estado-Maior do Exército (EME), general Francisco Humberto Montenegro Júnior, substituindo o general Richard Nunes. A primeira contou com a presença de Múcio e do governador Tarcísio de Freitas, cujos colegas da turma de 1996 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) chegaram ao generalato – 16 deles foram promovidos a brigada.
Tarcísio se negou a dar entrevista na solenidade. Disse a um general que ali não era lugar para se fazer política, em evidente contraste ao comportamento de outro capitão, o ex-presidente, que discursava em frente ao QG e aproveitava as solenidades na caserna para fazer comícios aos oficiais do “meu Exército”.
Na solenidade, o general Richard disse aos generais recém-promovidos que preservar e fortalecer o Exército “requer acurado entendimento do ambiente informacional e plena aplicação dos preceitos da comunicação estratégica, com estrita observância dos princípios e valores éticos e morais cultuados por nossa instituição”. Em seguida, ele enfatizou que a instituição deve se manter distante da crise:
DISSE O GENERAL – “Nestes tempos marcados pela precipitação, pela superficialidade, pelo imediatismo e pela conturbação, esse comportamento é mais do que nunca imprescindível para o enfrentamento das frequentes campanhas de desinformação percebidas em guerras de narrativas cada vez mais polarizadas.” E concluiu: “É preciso que instruam e orientem seus subordinados para o desafio de assegurar o caráter perene de uma instituição calcada no respeito à hierarquia e à disciplina.”
Entre os promovidos a general de divisão estava Marcelo Zucco, cujo irmão, o deputado federal Luciano Zucco (PL-RS) foi um dos líderes da baderna no Congresso promovida pelo bolsonarismo após a decretação da prisão de seu líder – Luciano é um dos 14 parlamentares da direita que podem ser punidos em razão do episódio.
Horas mais tarde, Richard voltou à carga. Desta vez, na transmissão de cargo da chefia do EME. Fez uma “menção especial” a Múcio “pelo apreço e pela confiança em um momento recente e crucial da minha vida profissional” e pela “sabedoria e a lealdade” em tempos “tão desafiadores”. O general tratou então do comandante Tomás. Pareceu atacar os inimigos do Exército, internos e externos.
“NÃO PASSAM!” – “Tem sido uma honra servir ao seu lado e auxiliá-lo na grande empreitada que é conduzir os destinos do Exército em uma época de tanta incompreensão.” Então, concluiu: “Conte sempre com este soldado para manter inexpugnável a fortaleza da hierarquia e da disciplina: ‘Eles que venham. Por aqui não passam!’”.
E Tomás assim se manifestou sobre o colega, que deve ir trabalhar no Ministério da Defesa:
“Contei sempre com você (Richard) nas horas mais difíceis. Os verdadeiros soldados sabem que o reconhecimento e a popularidade são efêmeros e são acompanhados pela abnegação e pelo desprendimento; vivem vidas modestas, dão ordens diretas e assumem a responsabilidade pelo que decidem. Seu farol são a lei e a ética; e sua consciência, a sua maior julgadora.”
Desde 2022, Tomás e Richard estão entre os principais alvos da campanha de difamação da ultra direita, que busca desestabilizar o País. O radicalismo é sempre assim. Parece ombrear com os que defendem o Brasil, mas ao fim são os autores de crimes, massacres, conspirações e badernas. O que as cerimônias em Brasília parecem demonstrar é que eles estão do outro lado da trincheira da ética e da legalidade.